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Inclusão de FIDCs na reforma tributária tira o sono dos gestores

A proposta de tributar a indústria de fundos de investimento como um todo, considerando o produto como um contribuinte, perdeu força no debate sobre a reforma tributária. Alguns instrumentos, contudo, seguem no radar do governo. São os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), cuja proposta de tributação avança no debate da reforma e preocupa as gestoras de crédito. O projeto aprovado na Câmara e enviado ao Senado prevê que FIDCs façam dois recolhimentos: o IBS, Imposto sobre Bens e Serviços, e a CBS, Contribuição Sobre Bens Serviços. Só ficariam isentos os fundos considerados “entidades de investimento”, o que pode não incluir os FIDCs utilizados como instrumento de antecipação de receita pelas empresas de meios de pagamentos.

“Os FIDCs, pela proposta da Reforma, via de regra, são tributáveis e vão ter incidência de IBS e CBS. Só não serão em uma hipótese, quando forem considerados como ‘entidade de investimento’. Existe uma exceção nessa regra, que é o FIDC que trabalha com operações chamadas de recebíveis de arranjos de pagamento. Por exemplo, maquininhas de cartão de crédito”, explica Igor Nascimento de Souza, sócio fundador do escritório SouzaOkawa. 

O conceito já havia sido mencionado anteriormente na Lei n.º 14.754, desde o come-cotas, e na Resolução 5.111, do Conselho Monetário Nacional (CMN). Elas estabeleceram, basicamente, que são considerados ‘entidade de investimento’ os fundos que possuem uma gestão profissionalizada, com administrador e gestor independente, em que esses agentes, de fato, decidem o que será feito e como será a utilização dos recursos, onde alocar e como. O termo é mencionado pela Lei, mas é o CMN que traz as diretrizes para entender se o fundo é ou não ‘entidade de investimento’. 

Por exemplo, captar recursos de um ou mais investidores para investir em um ou mais ativos é um critério. “Se o fundo capta recursos de muita gente, tem vários cotistas, diversos tipos de ativos, ele tende a ser um fundo considerado entidade de investimento que seja gerido por agentes autorizados, profissionais, devidamente habilitados a exercer sua atividade”, comenta Souza. “Ou seja, o poder de decisão é do gestor, ainda que ele possa consultar o Comitê de Investimento. Isto vai caracterizar também entidades de investimento que tenham definido, nos seus regulamentos e nos demais documentos constitutivos, estratégias a serem utilizadas para a geração de retorno ao investidor.”

Para o mercado, embora toda a situação gere insegurança, a inclusão do conceito na reforma é benéfica, mas gestores apontam que a regulamentação deve ser clara e facilitar a adaptação dos fundos existentes. O texto já foi reformulado algumas vezes e continua em tramitação, o que gera ainda mais incertezas.

“Querer tributar as operações do FIDC é um erro, até porque ele já é tributado na amortização e resgate, em cima do ganho de capital ou dos rendimentos auferidos pelo cotista, e, em geral, é só um veículo de investimento. Acho que a preocupação talvez seja que ele vire uma operação para as pessoas não pagarem impostos, coisas desse tipo”, comenta João Baptista Peixoto Neto, CEO do Ouro Preto e sócio da Peixoto Neto Sociedade de Advogados. “Você coloca que como ‘entidade de investimento’ o produto não é tributável, não vai ter IBS e CBS, mas sempre tem aquele risco de interpretação.”

Segundo Jonatas Ortega, head de gestão da CVPAR Business Capital, gestora de recursos especializada em FIDC, a reforma, ao isentar os FIDCs classificados como ‘entidades de investimentos’, parece buscar estimular a manutenção e a criação desses fundos, “no entanto, a diferenciação pode criar um ambiente de incerteza e complexidade regulatória que prejudica a atratividade dos FIDCs. É importante que a legislação seja clara e permita uma transição suave para minimizar impactos negativos sobre o mercado de crédito”, opina.

Ortega ressalta que os FIDCs possuem um papel muito importante na economia brasileira, principalmente em momentos mais complexos em que os bancos restringem o acesso ao crédito, como aconteceu na pandemia quando o governo, por meio do BNDES, lançou um edital para selecionar FIDCs PME para fomento de pequenas e médias empresas. “Nesses casos, os FIDCs são, frequentemente, a única forma disponível de apoio para essas empresas, independentemente do tipo de lastro utilizado, seja via antecipação de duplicatas, cartão, CCB ou NC”, comenta. “Qualquer novo imposto que encareça a estrutura ou desequilibre a relação entre risco e retorno dos investidores terá efeitos imediatos sobre o custo do crédito das empresas. É crucial analisar como a distinção entre FIDCs classificados como ‘entidade de investimentos’ e outros tipos de FIDCs impactará o mercado.”

Os FIDCs que não forem classificados como isentos buscarão se enquadrar na nova definição e aqueles que não conseguirem, provavelmente, serão liquidados ao longo do tempo, o que pode reduzir a disponibilidade de crédito e aumentar os custos de financiamento para empresas que dependem desses fundos.

A grande dúvida que o mercado tem, no momento, é se FIDCs com recebíveis atrelados a meios de pagamento, mesmo que sejam ‘entidades de investimento’, vão ser tributados. “Isso ainda vai ser regulamentado, pode ser que seja ajustado na reforma no Senado, mas da forma que está, se a gente falar desses recebíveis de meios de pagamento, cartão de crédito, por exemplo, eles vão ser tributados de qualquer jeito”, comenta o sócio-fundador do SouzaOkawa.

Thiago Figueiredo, CIO da Intrabank, focada em crédito para grandes e médias empresas, cita que os FIDCs atrelados a recebíveis de cartão não devem ser os únicos afetados e sujeitos a não serem considerados ‘entidades de investimento’. “Por ser um veículo flexível para atuação em vários segmentos, outros setores que usam o FIDC como estrutura financeira podem ser afetados”, pontua.

Pulverização salva

Segundo o sócio-fundador do SouzaOkawa, o governo trouxe uma regra bem específica: tem que ser FIDC de mercado, de operações livres, descompromissadas, e não aqueles que foram estruturados, às vezes, até com viés de planejamento fiscal. “Foram constituídos alguns em que o dono de uma empresa monta o FIDC e ele desconta recebíveis da própria companhia.”

Para Souza, com as mudanças estabelecidas até agora, deve existir uma restrição um pouco maior no mercado, porque muitos dos FIDCs talvez não preencham tão bem esses requisitos, e as administradoras devem ficar mais focadas e serem mais rigorosas na definição. “Mas isso não é uma novidade, porque quando veio essa lei do come-cotas, esse processo já aconteceu.”

Apesar da insegurança, para Peixoto Neto, boa parte dos FIDCs, tanto os da Ouro Preto quanto os disponíveis no mercado em geral, devem se enquadrar no conceito ‘entidades de investimento’ e escapar do IBS e da CBS. “Se a legislação continuar do jeito que ficou, não nos preocupa tanto, mas teremos que revisar todos os fundos aqui e ver o impacto que isso vai ter na operação. Às vezes estamos com medo, mas o impacto talvez não seja tão grande, dependendo do tipo de operação, embora eu acredite que o impacto sempre vai ser negativo, tributo para mim é sempre ruim.”

Segundo o CEO, os empreendedores de serviço devem ficar receosos e procurar ser o mais conservadores possível para não correr risco tributário ou ter que pegar uma Carta Conforto do cotista, que assume responsabilidade. “Ainda vai dar uma dor de cabeça. O ideal é que FIDC simplesmente estivesse fora, porque essa regra do CMN, que define o que é ‘entidade de investimento, também não é um negócio fácil de interpretar, porque tem três páginas.”

A mudança realmente diminui um pouco as possibilidades para as gestoras e até reduz o interesse de agentes do mercado que não vão querer correr o risco, cotistas ou corporações que estavam dispostas a fazer FIDC. “Só que, por enquanto, essa inclusão da ‘entidade de investimento’, esse conserto no último minuto, ajudou bastante”, aponta Peixoto.

O mesmo ocorre com a CVPAR, que atua no mercado de crédito desde 2004 e possui como principais FIDCs os multicedente multisacado pulverizados com investimentos de recursos próprios e de terceiros. 

Para o Intrabank, que atua muito com desconto de duplicatas, por exemplo, a situação é a mesma. “Estamos focados em outro segmento de atuação e, no momento, nossa estratégia de investimentos não está relacionada especificamente a estes casos específicos da tributação”, pontua Figueiredo. 

Com relação ao mercado, o CIO do Intrabank aponta que é difícil avaliar o tamanho do impacto além dos FIDCs focados em recebíveis de cartão. “Pelo cenário, todo fundo que não for considerado ‘entidade de investimento’, independentemente de sua carteira, poderia ser tributado.”

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