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Especial: Empresas correm para antecipar recebíveis e acionam matrizes diante de crédito escasso

Por Eduardo Laguna e Cynthia Decloedt

São Paulo, 05/07/2023 - Com o crédito mais caro e restrito, as empresas buscaram liquidez fora dos bancos e aprenderam a mudar a forma como contratam financiamentos na tentativa de aliviar o custo financeiro dos negócios. Ao mesmo tempo em que as multinacionais recorreram ao caixa das matrizes no exterior, houve uma grande corrida para antecipar valores a receber, um jeito de levantar dinheiro a preço mais baixo do que as linhas tradicionais de capital de giro.

Em quase um ano e meio, com os juros de referência em dois dígitos e temores de uma onda de recuperações judiciais após Americanas e Light, US$ 25 bilhões - ou R$ 128 bilhões se considerado o câmbio médio no período - foram transferidos por multinacionais a negócios no Brasil. Em paralelo, as antecipações de recebíveis passaram no mesmo período da casa de R$ 1 trilhão.

Empresários dizem estar sufocados, mas também acreditam num cenário melhor com a aproximação do ciclo de corte dos juros básicos, a Selic, pelo Banco Central (BC) e a reabertura do mercado de capitais, onde as captações começam a voltar após a letargia do primeiro semestre.

Os números, referentes ao período de janeiro de 2022 a maio deste ano, fazem parte das estatísticas de crédito e de contas externas do BC. Os dados mostram um salto das duas operações - transferências das matrizes e antecipações de recebíveis - diante do custo mais alto e da escassez de crédito localmente.

Em 2019, antes da pandemia, o volume das transferências nas chamadas operações de crédito intercompany somaram US$ 5,54 bilhões. O número chega a ser menor ao que as empresas brasileiras receberam de seus controladores somente em setembro de 2022: US$ 5,7 bilhões, o sétimo maior fluxo mensal em 27 anos de estatísticas. Esses recursos são enviados diretamente pelas matrizes ou por meio de companhias estrangeiras de um mesmo grupo para financiar negócios no Brasil (veja abaixo os fluxos dos últimos anos, já descontados das amortizações de dívidas feitas por esse canal).

Segundo Silvio Marote, sócio da consultoria Bain & Company, as transferências do exterior compensaram em parte a evolução tímida do crédito para empresas nos últimos anos. "As multinacionais olham sempre o custo lá fora e, com frequência, evitam dívida local porque no exterior o custo é mais baixo", explica.

O montante acumulado desde janeiro do ano passado só não foi maior porque há um desconto de US$ 2,2 bilhões que fizeram o caminho inverso - isto é, dinheiro de multinacionais brasileiras a seus negócios no exterior. Conforme o balanço do BC, neste caso com dados até março, as transferências foram distribuídas entre os setores de serviços (36%), indústria (35%) e agropecuária e indústria extrativa mineral (29%).

Onda de antecipações

As operações com recebíveis explodiram com a busca das empresas por liquidez. No ano passado, as empresas anteciparam R$ 804,4 bilhões em contas a receber, praticamente o dobro - alta de 97% - do volume registrado em 2020, quando os juros caíram ao piso histórico de 2% e as empresas contaram com as linhas de crédito emergenciais da pandemia (veja o gráfico abaixo).

Somado aos R$ 275,7 bilhões em antecipações de janeiro a maio de 2023, o montante acumulado desde o ano passado chega a R$ 1,08 trilhão, 31% do total contratado pelas empresas em recursos livres do sistema financeiro. No caso, são operações de crédito para adiantamento de recursos a empresas com base em fluxo de caixa futuro vinculado a duplicatas mercantis e a outros tipos de recebíveis, exceto cheques e faturas de cartão de crédito.

Embora seja uma operação feita com bancos, os recebíveis representam uma fonte de liquidez mais barata do que as linhas de capital de giro: 19,4% ao ano contra 22,1% na comparação entre as taxas médias das duas modalidades no ano passado. As captações são feitas diretamente com os bancos ou por meio de plataformas online que fazem a conexão entre empresas e instituições financeiras.
Mas depois da suposta fraude com desconto de recebíveis de Americanas, os bancos limitaram o acesso a esse tipo de crédito para muitas empresas, que recorreram às plataformas online e gestores especializados em empresas em dificuldades. Aumentou muito também a venda de créditos judiciais, tributários e dos precatórios para obtenção de liquidez pelas empresas.

Só os fornecedores da Vale levantaram R$ 14 bilhões em 161 mil transações realizadas desde o ano passado na plataforma da mineradora, que tem a participação de 14 bancos. Ela permite antecipar recebíveis a juros abaixo da média do mercado, e com menor burocracia. Segundo a Vale, os fornecedores conseguem receber, em média, 15 dias após a emissão da nota fiscal pelo serviço executado.

Nos últimos dois anos e meio, R$ 20,3 bilhões foram antecipados por fornecedores da Petrobras em dois programas que contam com a participação de mais de 50 instituições financeiras. Um deles permite a antecipação de recursos relacionados a serviços ainda não executados, e o outro se destina a faturas de bens e serviços já entregues.

Os nomes de Vale e Petrobras ajudam a minimizar o risco junto aos bancos, favorecendo a fluidez dos recursos para esses fornecedores, mesmo no ambiente atual de elevada seletividade na concessão de crédito.

Sócio da Antecipa Fácil, uma plataforma que conecta a financiadores empresas interessadas em vender direitos creditórios, Thiago Chiliatto relata um aumento de R$ 20 milhões para R$ 35 milhões no fluxo mensal de antecipações após a crise da Lojas Americanas provocar um aperto no crédito. "Não é só pela taxa. Como os recebíveis podem ser pulverizados com vários participantes da plataforma, a empresa consegue levantar um volume financeiro que poderia estourar o limite de crédito de capital de giro de um único banco", comenta.

A cautela dos bancos também impulsionou a demanda de pequenas e médias empresas por serviços de consultores e corretores de crédito. Flávio Bastos, que busca para empresas as melhores opções de crédito rodando propostas entre 74 bancos, conta que passou a ser procurado por clientes que tiveram pedidos de crédito recusados pelos bancos com quem têm relação. "Tentamos entender por que ele não foi aprovado para construir uma defesa de crédito. A partir daí, coloco a proposta para várias instituições. Posso ter duas ou três levantando a mão para a mesma solicitação", diz o consultor, acrescentando que a demanda por crédito em sua agência passou de R$ 13 bilhões.

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