Fomento

Acesso do público às cotas dos fundos de investimento em direitos creditórios

Por Jane Goldman Nusbaum, Júlia Rodrigues e Maria Julia Pires

Com a edição da Resolução 175, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) deu início a um novo marco regulatório para os fundos de investimento no Brasil, incluindo novas regras específicas para os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC), que entram em vigor em 3 de abril de 2023, salvo por disposições vigentes em data posterior e prazo de adaptação até 31 de dezembro de 2023 para os já em funcionamento.

Dentre as principais inovações da nova norma, tem-se a possibilidade de distribuição de cotas dos FIDC para o público em geral, um importante avanço, bastante comemorado pelo mercado, uma vez que a revogada Instrução CVM 356 limitava o acesso a esse produto apenas a investidores considerados qualificados ou profissionais, nos termos da regulamentação em vigor.

No edital de audiência pública SDM 8/20, que resultou na edição da nova regra, a CVM pontuou que, considerando a complexidade usualmente encontrada em operações de securitização, o acesso do público em geral ao investimento em FIDC requer alguns cuidados. Para a Autarquia, a inclusão de certas restrições objetiva possibilitar que este público ingresse no mercado por meio de estruturas que contem com políticas de investimento e mecanismos de proteção e controle mais adequados ao seu perfil.

A cautela da CVM com os investidores de varejo pode ser explicada pelo fato de que, apesar de os FIDC oferecerem bons rendimentos, também apresentam riscos. Por exemplo, o risco de crédito, considerando a possibilidade de os devedores dos direitos creditórios-lastro atrasarem o pagamento das parcelas ou não pagarem suas dívidas. Além disso, como os FIDC não são assegurados pelo FGC (Fundo Garantidor de Crédito), não há garantia de pagamento ao investidor, em caso de qualquer problema atrelado à modalidade.

Nesse sentido, de forma a assegurar maior proteção ao público em geral, a CVM estabeleceu no artigo 13 do anexo normativo II algumas restrições à distribuição de cotas junto ao público em geral, requerendo o cumprimento, cumulativo, dos seguintes requisitos: 1) o público em geral não pode adquirir cotas subordinadas; 2) o regulamento deve estipular um cronograma para amortização de cotas ou distribuição de rendimentos; 3) em se tratando de classe aberta, o prazo de carência, se houver, em conjunto com o prazo total entre o pedido de resgate e seu pagamento, não podem totalizar um prazo superior a 180 dias; 4) a subclasse de cotas seniores deve ser objeto de classificação de risco por agência classificadora de risco registrada na CVM; e 5) a política de investimento não poderá admitir a aplicação em a) direitos creditórios originados ou cedidos pelo administrador, gestor, consultor especializado, custodiante, entidade registradora dos direitos creditórios e partes a eles relacionadas; e b) direitos creditórios que sejam originados por contratos mercantis de compra e venda de produtos, mercadorias e serviços para entrega ou prestação futura, exceto no caso de os cedentes serem 1) empresas concessionárias de serviços públicos; ou 2) companhias constituídas para implementar projetos de investimento na área de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação, considerados prioritários na forma regulamentada pelo Poder Executivo Federal.

Outra restrição refere-se à impossibilidade de integralização de cotas de classes destinadas ao público em geral em direitos creditórios, uma vez que, nos termos do artigo 14 do mesmo anexo, somente nas classes restritas a integralização de cotas seniores e subordinadas mezanino pode ser feita em direitos creditórios.

A norma também veda a aplicação do público em geral em classes de cotas cuja política de investimento admita a aquisição de direitos creditórios não padronizados, que são de subscrição exclusiva de investidores profissionais, ressalvada a hipótese de subscrição de cotas subordinadas pelo cedente e suas partes relacionadas e a subscrição realizada no contexto de plano de recuperação judicial de sociedade empresária devedora dos direitos creditórios, no qual os investidores figurem como credores e em que a integralização de cotas seja efetuada somente em direitos creditórios, nos casos de cotas de classes cuja política de investimento tenha como objetivo a realização de aplicações em direitos creditórios devidos por sociedades empresárias em processo de recuperação judicial ou extrajudicial.

A Resolução prevê ainda, no artigo 49 do anexo normativo II, que a classe de cotas de aplicação do público em geral poderá investir até o limite de 20% do seu patrimônio líquido em cotas de classes e subclasses e ativos financeiros de liquidez destinados exclusivamente a investidores qualificados. Sendo que, dentro desse limite, até 5% do patrimônio líquido poderá ser investido em cotas de classes e subclasses e ativos financeiros de liquidez destinados exclusivamente a investidores profissionais.

Outra preocupação da CVM foi em relação à aplicação de recursos de FIDC em precatórios federais. Apesar de não ser uma novidade, a comissão pontuou que, considerando que esses fundos serão acessíveis ao público em geral, considerou-se conveniente a criação de mecanismos adicionais de segurança para lidar com as incertezas associadas à constituição, exigibilidade e titularidade no caso de precatórios federais.

Nesse sentido, a CVM estabeleceu diversas regras que devem ser observadas pelo administrador, gestor e próprios cotistas (e.g., artigos 12, 25, 27, 33 e 46 do anexo normativo II). Entre elas, destaca-se a necessidade de o cotista de classe destinada ao público em geral, cuja política de investimentos admita a aquisição de precatórios federais, atestar que teve acesso a informações sobre os riscos específicos desse ativo (os quais também devem constar, em destaque, do material de divulgação do fundo).

Por fim, com objetivo de complementar o regime informacional dos FIDC, foi instituída uma lâmina de informações essenciais, obrigatória para as classes abertas destinadas ao público em geral, cuja elaboração deve seguir o modelo do "Suplemento E" da Resolução CVM 175. Os artigos 6º e 18 do anexo normativo II são claros ao dispor que, tanto na obtenção do registro quanto no decorrer do funcionamento do FIDC, o administrador deve manter a lâmina atualizada. No caso de classe fechada, ainda que destinada ao público em geral, não há obrigatoriedade de elaboração da lâmina.

Com as inovações acima expostas, é possível perceber uma certa flexibilização da CVM quanto ao acesso às cotas de FIDC, agora disponíveis para o público em geral, mas sem deixar de lado o papel protetivo da Autarquia, que se preocupou em estabelecer determinadas regras específicas para acomodar esse perfil de investidores. De acordo com a própria CVM, trata-se de "uma indústria de fundos mais moderna, eficiente e competitiva".

Jane Goldman Nusbaum é sócia da área de Mercado Financeiro e de Capitais do BMA Advogados.

Júlia Rodrigues é advogada da área de Mercado Financeiro e de Capitais do BMA Advogados.

Maria Julia Pires é advogada da área de Mercados Financeiro e de Capitais do BMA Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 28 de março de 2023, 13h10

https://www.conjur.com.br/2023-mar-28/opiniao-acesso-cotas-fidc-publico-geral