STJ - DESCARACTERIZAÇÃO FACTORING - NEGATIVA

Superior Tribunal de Justiça
AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 776.350 - RJ (2006/0087107-7)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR:
Cláudio Cardoso de Castro interpõe agravo regimental em face da seguinte  decisão de fls. 769/771:

"Trata-se de agravo de instrumento manifestado por Internacional Fiduciária Fomento Mercantil LTDA contra decisão que negou seguimento a recurso especial, interposto pela alínea \\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'a\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\', do permissivo Constitucional, no qual se alega violação aos artigos 535, do Código de Processo Civil, 422, 822, 884, do Código Civil, 17, e 18, § 3º, da Lei 4.595/64.

O acórdão recorrido restou assim ementado (fl. 684):

\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'EMBARGOS DE DEVEDOR. \\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'FACTORING\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'. Comprovado nos autos que a garantia da cessão, no caso, foram os cheques emitidos pelo próprio contratante, fica descaracterizada a operação de \\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'factoring\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\', passando a ser um empréstimo com cheques em garantia, sendo vedado à empresa de \\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'factoring\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\' a prática de qualquer operação com as características privativas das instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central. O contrato de faturização é atividade de risco e não tem a empresa de \\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'factoring\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\' direito de regresso contra o cedente do crédito. Sentença de 1. grau que se reforma. Recurso provido.\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'
Com razão a recorrente.
Esta Corte tem entendido que a execução por título de crédito formalmente em ordem, na espécie cheques emitidos pelo agravado, por empresa de fomento mercantil é hábil a instruir processo de execução, cabendo ao devedor provar sua iliquidez. Confira-se:

\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. AVALISTA. DISCUSSÃO SOBRE A ORIGEM DO DÉBITO. INADMISSIBILIDADE. ÔNUS DA PROVA.
— O aval é obrigação autônoma e independente, descabendo assim a discussão sobre a origem da dívida.
— Instruída a execução com título formalmente em ordem, é do devedor o ônus de elidir a presunção de liquidez e certeza.
Recurso especial conhecido e provido.\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'
(4ª Turma, REsp n. 190.753/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, unânime, DJU de 19.12.2003)

No caso dos autos, consignou o Tribunal Fluminense que, em razão de terem sidos "os cheques emitidos pelo próprio contratante, fica descaracterizada a operação de factoring, passando a ser umempréstimo com cheques em garantia" (fl. 688) para concluir pela inexigibilidade dos títulos.

Entretanto, embora a verificação do que foi efetivamente contratado pelas partes, se cessão de créditos ou empréstimo, não possa ser reexaminado nesta Corte, a teor dos enunciados n. 5 e 7, da Súmula deste Superior Sodalício, é certo que o entendimento jurisprudencial desta Casa não veda que a empresa de factoring efetue empréstimo pessoal, senão que, em assim procedendo, sejam os juros remuneratórios limitados tal como determinado na Lei de Usura. Nesse sentido:

\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL E AÇÃO INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM CESSÃO DE CRÉDITO A EMPRESA DE FACTORING VINCULADA A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INCIDÊNCIA DA LEI DE USURA. JUROS MORATÓRIOS. DANO MORAL. PROTESTO INDEVIDO. QUANTUM INDENIZATÓRIO EXCESSIVO. REDUÇÃO.
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'Tratando-se de empresa que opera no ramo de factoring, não integrante do Sistema Financeiro Nacional, a taxa de juros deve obedecer à limitação prevista no art. 1º do Decreto nº 22.626, de 7.4.1933" (REsp n. 330.845/RS, relatado pelo eminente Ministro Barros Monteiro, DJ de 15/09/2003). O fato de a empresa de factoring ser vinculada a instituição financeira tampouco altera tal disciplina. Os juros moratórios podem ser convencionados no limite previsto no Decreto n. 22.626/33, consoante jurisprudência pacificada nesta Corte.
\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'O valor da indenização por dano moral não pode escapar ao controle do Superior Tribunal de Justiça\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\' (REsp n. 53.321/RJ, Min. Nilson Naves). Redução da condenação a patamares razoáveis, considerando as peculiaridades da espécie. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\'
 (4ª Turma, REsp n. 623.691/RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJU de 28.11.2005)

Colhe-se da sentença, fundamento não desconstituído pelo aresto fustigado, que foram "computados juros de 1% a.m." (fl. 650), em nada afrontando a operação de empréstimo por quem não pertence ao Sistema Financeiro Nacional, porque de acordo com o Decreto 22.626/33.

Assim sendo, não há o que macule a execução, podendo, certamente, opor o emitente dos títulos exceções pessoais que porventura tenha contra a exeqüente, como pagamento de algum valor ou outro crédito a seu favor.

Ante o exposto, atento ao artigo 544, § 3º, do Código de Processo Civil, conheço do presente agravo e dou provimento ao próprio recurso especial para cassar o acórdão recorrido e determinar que outro seja proferido, apreciando-se as demais questões levantadas no recurso de apelação contra a sentença que julgou improcedente o pedido nos embargos à execução."

Diz o agravante que a decisão invadiu a seara fático-probatória da causa, o que é vedado nesta Corte, a teor dos enunciados n. 5 e 7, da Súmula, na medida em que "entendeu que não há o que macule os títulos executivos, podendo ter prosseguimento a execução proposta pela agravada, contrariando o que foi estabelecido pelo v. acórdão recorrido", e que, ainda, "partiu da premissa que, na espécie, trata-se de empréstimo pessoal, realizado por empresa de factoring, que não guarda qualquer nulidade", sustentando, por fim, que "para se chegar a tais premissas mostra-se necessária a análise de todas as questões de fato que permeiam a lide".

Alega que a perícia produzida atesta que "a agravada cobrava taxas de 4% ao mês, como se depreende da resposta do i. perito" (fl. 792), a fim de defender a prática de agiotagem.

Colaciona julgado que entende corroborar sua tese e sustenta, também, violação ao artigo 128, do Código de Processo Civil, e 5º, LIV, da Constituição Federal.

Defende que o recurso especial foi interposto pela alínea "a", do permissivo Constitucional, e não pela divergência jurisprudencial, fundamento pelo qual, segundo pensa, foi provido.

Levanta deficiência na demonstração do dissídio pretoriano e defende ser a orientação jurisprudencial desta Casa contrária à decisão recorrida, pelo que  pretende seja afastado o verbete n. 83, da Súmula deste Superior Tribunal.

Sustenta a ausência de prequestionamento e novamente faz alusão que as "provas documentais, pericial e oral comprovam a prática de agiotagem" (fl. 799).

Insiste na nulidade dos títulos executivos extrajudiciais por disposição do Decreto 22.626/33 e que a execução está "fundada em títulos de iliquidez inquestionável" (fl. 802).

Pede, ao final, que seja reformada a decisão combatida e negado provimento ao agravo de instrumento interposto pelo agravado.

É o relatório.

AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 776.350 - RJ (2006/0087107-7)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR

(Relator): Não merece reparo a decisão agravada.

Ao contrário do que quer fazer crer o recorrente, não foi esta Corte que deu pela correta formação do título exeqüendo, mas as instâncias ordinárias que assim testaram, ao que se colhe da sentença expressamente que está "demonstrada a existência do contrato entre as partes, não se desnaturando o título como executivo, não se comprovando a cobrança de juros acima do patamar legal, bem como não se demonstrando o pagamento do valor dos títulos, não há como prosperar o pedido do embargante".

Aliás, à mesma folha encontra-se que "firmado o contrato entre as partes e tendo o embargado recebido a importância a que fazia jus, não pode alegar em seu benefício a prática de ato irregular. Seria como beneficiar-se de sua própria torpeza, fato proibido pelo ordenamento jurídico" (fl. 650).

Destarte, reexame algum de provas houve para elaboração da decisão agravada, porque colhidos os fundamentos, sobre o ponto, dos provimentos jurisdicionais das instâncias ordinárias, que com aquele, reexame de provas, não se confunde, sendo certo que os excertos sacados da sentença não foram desconstituídos pelo acórdão proferido na Corte fluminense.

Quanto à alegação de que por meio de premissa fática concluiu-se por operação de empréstimo, mais uma vez engana-se o agravante, porque é o acórdão Estadual que diz, por estar "comprovado nos autos que a garantia da cessão, no caso, foram os cheque emitidos pelo próprio contratante, fica descaracterizada a operação de factoring, passando a ser um empréstimo com cheques em garantia" (fl. 688).

Como se vê, é mero inconformismo do recorrente a alegação de que houve investigação do conteúdo fático-probatório da lide.

Curioso, entretanto, é que defende o agravante veementemente a contratação de juros de 4% (quatro por cento) ao mês, constado pela perícia, sustentado a ocorrência de agiotagem, em detrimento ao que consignado pela instância primeva, no sentido de que foram "computados juros de 1% a.m." (fl. 650), fundamento que, repita-se, não foi infirmado pelo acórdão combatido.

Não pode haver dúvida, portanto, que a análise da perícia por esta Corte para corroborar o argumento de que os juros remuneratórios contratados foram de 4% (quatro por cento) e não 1% (um por cento) ao mês esbarraria frontalmente no que insculpido no enunciado n. 7, da Súmula.

Quanto à ausência de prequestionamento, interposição do recurso somente pela violação à Lei Federal, e não pela divergência pretoriana, e violação ao artigo 128, da Lei Instrumental Civil, observe-se que o tema central discutido nas instâncias ordinárias é justamente a higidez dos títulos executados, o que torna induvidoso o prequestionamento da causa. Confira-se:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO NA PENDÊNCIA DE AÇÃO CONTRA O VENDEDOR. INEXISTÊNCIA DE INSCRIÇÃO DA PENHORA. LEI N. 8.953/1994. CPC, ART. 659.
I. É inequívoco o prequestionamento quando a questão objeto do especial é o tema central do acórdão estadual.
II. Nos termos do art. 659 do CPC, na redação que lhe foi dada pela Lei n. 8.953/1994, exigível a inscrição da penhora no cartório de registro imobiliário para que passe a ter efeito erga omnes e, nessa circunstância, torne-se eficaz para impedir a venda a terceiros em fraude à execução.
III. Caso em que, à míngua de tal requisito, a alienação é hígida, salvo se demonstrado o consilium fraudis, o que na espécie não aconteceu.
IV. Agravo regimental improvido."
(4ª Turma, AgRg no REsp n. 713.077/SP, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, unânime, DJ de 08.10.2007)

Igualmente, estampado no RISTJ, artigo 257 que, se cabível o recurso especial, aplicar-se-á o direito à espécie. Para melhor exame:

"TRIBUTÁRIO – PROCESSO CIVIL - APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA PARA LEVANTAMENTO DE VALORES DECORRENTES DE PRECATÓRIO JUDICIAL – EXIGÊNCIA DO ART. 19 DA LEI 11.033/2004 – ACÓRDÃO COM DUPLO FUNDAMENTO: CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL - ADIN 3454/DF - EFICÁCIA VINCULANTE - INCONSTITUCIONALIDADE - ART. 28 DA LEI N. 9.868/99.
1. Conhecido o recurso, compete ao relator no julgamento da irresignação aplicar o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISJT.
2. Declarada a inconstitucionalidade do art. 19 da Lei n. 11.033/2004 pelo Pleno do STF na ADin n. 3454/DF, compete ao relator afastar a aplicação da norma inconstitucional, nos termos do art. 28 da Lei n. 9.868/99, conferindo racionalidade ao sistema normativo, além de atribuir eficácia concreta à decisão da Suprema Corte e prestigiar os postulados da celeridade, economicidade e acesso à justiça.
3. Recurso especial provido."
(2ª Turma, REsp n. 892.663/DF, Relatora Ministra ELIANA CALMON, unânime, DJe de 18.09.2008)

Portanto, em oposição ao que pensa o recorrente, nenhuma questão não suscitada foi conhecida na decisão objurgada, senão julgada a causa exatamente nos limites em que foi posta, aplicando-se o direito à espécie.

No que toca à alegada violação ao artigo 5º, LIV, da Carta da República, remansosa a jurisprudência deste Superior Sodalício no sentido de que a manifestação aqui, acerca do ponto, enseja indesejável usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, ainda que para fins de prequestionamento tenha sido levantada a questão. Veja-se:

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEÇA ESSENCIAL À COMPREENSÃO DA LIDE. AUSÊNCIA. ARTIGO 525, II. NÃO CONHECIMENTO. DISPOSITIVOS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. VIOLAÇÃO.  PREQUESTIONAMENTO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO STF. DESPROVIMENTO.
I. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o agravo de instrumento interposto no Tribunal recorrido deve ser instruído com as peças obrigatórias e também com as necessárias à correta apreciação da controvérsia, nos termos do art. 525, I e II, do CPC, sendo que a ausência de qualquer delas obsta o seu conhecimento.
II. Ainda que com propósito de prequestionamento, a análise de violação de dispositivos constitucionais implica em usurpação da competência do STF.
III. Agravo regimental desprovido."
(4ª Turma, AgRg no Ag n. 1.049.012/DF, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, unânime, DJe de 28.10.2008)

No mais, reitero os fundamentos adotados na decisão agravada, por serem juridicamente apropriados à espécie, e, somados a estes, nego provimento ao presente agravo regimental.

É como voto.

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