TJSC - DEVER DA FACTORING AFERIR A ORIGEM DO TÍTULO - IMPORTÂNCIA DA CONFIRMAÇÃO DO RECEBIMENTO DA MERCADORIA/SERVIÇO E NOTIFICAÇÃO DE COMPRA

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE RITO ORDINÁRIO COM PEDIDOS DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E DE CONDENAÇÃO À COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLEITOS JULGADOS PROCEDENTES. IRRESIGNAÇÃO DAS SUCUMBENTES. TESE DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM SUSCITADA EM AMBOS OS APELOS. QUAESTIO JURIS QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO. RECURSO DA FACTORING. TESE DE ADOÇÃO DAS MEDIDAS PERTINENTES À AFERIÇÃO DA HIGIDEZ DA CÁRTULA E AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DAFACTORING, A EXIMIR A RESPONSABILIDADE DA APELANTE. ARGUMENTOS RECHAÇADOS. DEVER DA FACTORING DE AFERIR A ORIGEM DO TÍTULO CAMBIÁRIO. ALEGAÇÕES INSUBSISTENTES.

 
 
TJSCJurisprudência Catarinense
Processo: 2011.095135-4 (Acórdão)
Relator: Altamiro de Oliveira
Origem: São João Batista
Orgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Comercial
Julgado em: 11/11/2014 
Juiz Prolator: Samuel Andreis
Classe: Apelação Cível

 

 

Apelação Cível n. 2011.095135-4, de São João Batista

Relator: Des. Subst. Altamiro de Oliveira

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE RITO ORDINÁRIO COM PEDIDOS DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E DE CONDENAÇÃO À COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PLEITOS JULGADOS PROCEDENTES. IRRESIGNAÇÃO DAS SUCUMBENTES.

TESE DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM SUSCITADA EM AMBOS OS APELOS. QUAESTIO JURIS QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO.

RECURSO DA FACTORING. TESE DE ADOÇÃO DAS MEDIDAS PERTINENTES À AFERIÇÃO DA HIGIDEZ DA CÁRTULA E AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DAFACTORING, A EXIMIR A RESPONSABILIDADE DA APELANTE. ARGUMENTOS RECHAÇADOS. DEVER DA FACTORING DE AFERIR A ORIGEM DO TÍTULO CAMBIÁRIO. ALEGAÇÕES INSUBSISTENTES.

"A duplicata é título de crédito causal e, assim, cabe ao emitente a prova do negócio jurídico. Igual ônus é imposto à factoring, de quem se exige a cautela de averiguar a origem das cártulas" (Apelações Cíveis n. 2007.037438-4, 2007.037436-0 e 2007.037437-7, de Blumenau, rel. Des. Domingos Paludo, j. 22-6-2010).

RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ. DOCUMENTO NOVO. JUNTADA EM GRAU RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO. INTELIGÊNCIA DO ART. 183 DO CPC. NÃO CONHECIMENTO.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA ENDOSSANTE E DA ENDOSSATÁRIA DAS DUPLICATAS. NECESSIDADE DE AFERIR A ORIGEM DOS TÍTULOS CAMBIÁRIOS. DEVER DE CAUTELA QUE SE IMPUNHA À RÉ.

"A instituição financeira que desconta duplicata assume risco próprio ao negócio. Se a leva a protesto por falta de aceite ou de pagamento, ainda que para o só efeito de garantir o direito de regresso, está legitimada passivamente à ação do sacado - e responde, ainda, pelos honorários de advogado, mesmo que a sentença ressalve seu direito de regresso, tudo porque deu causa à demanda, para proteger direito seu, diretamente vinculado à atividade empresarial. O sacado injustamente envolvido nessa relação entre instituição financeira e cliente não deve responder pelas despesas decorrentes de negócio feito por terceiros. Agravo regimental não provido" (AgRg no REsp. n. 195.701/PR, rel. Min. Ari Pargendler).

DANO MORAL. PROVA DO PREJUÍZO. DESNECESSIDADE. PROTESTO IRREGULAR. DANO IN RE IPSA.

RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2011.095135-4, da comarca de São João Batista (1ª Vara), em que são apelantes Banco Itaú S.A. e Dantry Factoring Fomento Mercantil Ltda., e apelada Stilo da Moda Ltda ME:

A Quarta Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer dos recursos e negar-lhes provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado no dia 11 de novembro de 2014, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Lédio Rosa de Andrade, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. José Carlos Carstens Köhler.

Florianópolis, 11 de novembro de 2014.

Altamiro de Oliveira

Relator

 

RELATÓRIO

Stilo da Moda Ltda. ME ingressou com ação de rito ordinário com pedidos de declaração de inexistência de débito e de condenação à compensação por danos morais contra Toni Têxtil Comércio e Indústria Ltda., autos n. 062.08.002256-3.

Relatou que travou diversas relações comerciais com a ré, porém a partir de janeiro de 2006, foi informada, através do seu representante, que foram lançadas várias duplicatas mercantis sem lastro, razão por que começou a receber intimações de protesto relativos às cambiais que, juntas, totalizavam 47 documentos ilegitimamente emitidos, no montante de R$ 273.189,68.

Arrolou as duplicatas que alegou haverem sido ilegitimamente sacadas e requereu provimento liminar e, ao final, a declaração de inexistência dos débitos vertidos nos documentos listados à fl. 170 dos autos, bem como todas as duplicatas em que figurasse a Têxtil Comércio e Indústria Ltda. como cedente, sacadora ou avalista, e que tenham valor de R$ 1.410,66; R$ 1.410,68; R$ 4.772,50; R$ 4.887,00; R$ 4.887,50; R$ 6.13416 ou R$ 6.478,66, além da condenação da outra parte à compensação pela mácula de ordem moral que arguiu haver sofrido.

Tony Textil Comércio e Indústria Ltda., citada, manteve-se inerte (fl. 259).

A tutela antecipada foi deferida no sentido de se sustar os efeitos dos protestos dos títulos de crédito arrolados pela autora (fls. 249-250), condicionada, porém, à prestação de caução, real ou fidejussória, dentro do prazo de 48 (quarenta e oito) horas.

Após requerimento formulado pela autora, foi incluída a Dantry Factoring Mercantil Ltda. no polo passivo da contenda. Ademais, ampliou-se o objeto da lide, para estender os pleitos preambulares aos títulos 535998440, 544322692 e 550262979 (fl. 261). A parte, instada, alterou o valor da causa. Requereu, outrossim, a citação das litisconsortes passivas e pugnou, ainda, a inclusão do Banco Bradesco S.A., Banco Itaú S.A., Banco do Brasil S.A. e Union National Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, Financeiros e Mercantis na relação jurídica processual (fls. 285-290).

Em atendimento a pedido de reconsideração formulado pela autora, foi aceito o produto ofertado para caucionar o juízo (fl. 304), sendo lavrado termo de caução à folha 306 dos autos.

As pessoas jurídicas incluídas no pólo passivo foram devidamente citadas (fls. 307-312; 321-323; 396 e 419).

A autora desistiu da ação relativamente ao Banco do Brasil S.A. (fls. 313-314), o que foi homologado na sentença proferida à folha 316 dos autos.

Banco Bradesco S.A. contestou o feito. Arguiu, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, pois teria recebido os títulos na forma de endosso-mandato. No mérito, argumentou que o protesto foi levado a efeito com observância às normas legais pertinentes, e que adotou as medidas que lhe cabiam, para efetivar o ato notarial. Quanto aos danos morais, arguiu que a parte não demonstrou a mácula passível de compensação e requereu, secundariamente, a fixação de quantum dentro do critério da ponderação.

Banco do Brasil S.A. também contestou a peça pórtica. Arguiu sua ilegitimidade passiva, sob idênticos argumento vertidos pela outra instituição financeira. No mérito, defendeu que a transferência do título se deu mediante endosso-mandato o que o eximiria da responsabilidade pela prática dita ilegal; defendeu, outrossim, sua boa-fé na conduta, e que o protesto do título residiria no exercício regular do seu direito e ausência de lesividade na sua conduta. Também argumentou ausência de prova do dano passível de indenização.

Banco Itaú S.A. respondeu. Pelos mesmos argumentos, defendeu, em preliminar de mérito, sua ilegitimidade passiva. No mérito, arguiu que não emitiu os títulos, razão por que não teria qualquer responsabilidade quanto às ilegalidades porventura praticadas. Suscitou inexistir ilicitude no ato notarial praticado e disse inexistir, outrossim, ilícito que ensejasse obrigação de indenizar. Subsidiariamente, aventou que, caso seja julgada procedente a demanda, incumbirá assegurar seu direito de regresso contra a emitente dos títulos. Ainda secundariamente, requereu a fixação de quantia módica, a título de compensação e alegou que não poderia sofrer o ônus sucumbencial, diante da licitude da sua conduta em levar os títulos a protesto.

Por fim, Dantry Factoring Fomento Mercantil Ltda. também respondeu. Defendeu sua ilegitimidade passiva. Relatou que recebeu da emitente dos títulos a nota fiscal n. 22901, que serviu de referência à emissão de duplicatas de igual numeração, cada uma no valor de R$ 6.478,20. Ademais, a emitente teria lavrado uma declaração de responsabilidade sobre todos os ditos títulos adquiridos pela contestante e, após a sua aquisição, a contestante ainda enviou uma correspondência ao sacado informando a cessão de crédito, sem que a autora houvesse informado qualquer circunstância a retirar a higidez dos títulos.

No mérito, defendeu sua boa-fé e que a efetivação do ato notarial se consubstanciaria em exercício regular do seu direito. Aventou, outrossim, que não houve qualquer abuso do exercício do seu direito, a dar ensejo à condenação requerida na peça pórtica.

Sobreveio sentença de mérito. Quanto às teses de ilegitimidade passiva das rés, constou no decisum que a titularidade dos títulos havia sido transferida às apresentantes que, portanto, deviam figurar no pólo passivo da contenda e tiveram responsabilidade pelo ato perpetrado, bem como o seu emitente, que devia ser responsabilizado solidariamente. Ademais, considerou-se que, estando a totalidade dos títulos impugnados destituídos de aceite, era imperativo que os réus trouxessem documentos hábeis a demonstrar a entrega das mercadorias, ônus a que não se desincumbiram, no entanto. Dessarte, irrompia o dever de compensar a autora pela mácula de ordem moral sofrida, identificada na indevida lavratura de atos notariais pautados em títulos emitidos sem lastro. Os pleitos preambulares foram, assim, julgados procedentes, para declarar inexigíveis todos os títulos listados à fl. 170 dos autos, bem como todas as duplicatas em que figurasse a Têxtil Comércio e Indústria Ltda. ou Dantry Factoring Mercantil Ltda. como cedentes, sacadoras ou avalistas, no valor de R$ 1.410,66; R$ 1.410,68; R$ 4.772,50; R$ 4.887,00; R$ 4.887,50; R$ 6.13416 ou R$ 6.478,66.

As rés Banco Bradesco S.A., Banco Itaú S.A., Union National Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios, Financeiros e Mercantis e Dantry Factoring Ltda. foram condenadas ao pagamento de R$ 4.000,00, cada uma, à autora, a título de danos morais, enquanto que a Tony Textil Comércio e Indústria Ltda. foi condenada a pagar solidariamente a indenização fixada a cada uma das rés. Outrossim, a Tony Textil Comércio e Indústria Ltda. também foi condenada ao pagamento dos honorários advocatícios devidos à procuradora da autora, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação (art. 20,§ 3º, CPC).

Irresignado, Banco Itaú S.A. recorreu. Alegou sua ilegitimidade passiva para figurar na relação jurídica processual, pois as duplicatas teriam sido emitidas pela empresa Tony Textil Comércio e Indústria Ltda, e contra endossatário de boa-fé não poderiam ser opostas exceções pessoais existentes entre devedor e credor originário, excetuados os casos de defeito de forma do título.

No mérito, defendeu que não participou da relação jurídica subjacente, não lhe sendo oponíveis exceções pessoais. Outrossim, arguiu, seria irrelevante a inexistência do negócio jurídico subjacente frente ao endossatário de boa-fé e que não teria se vinculado à relação jurídica que fez nascer o título, esta somente envolvendo a endossante e o sacado.

Opôs-se, outrossim, ao ônus da sucumbência, da forma que foi distribuído; argumentou, em sua defesa, que não poderia responder pela conduta praticada, uma vez que levou a protesto títulos que recebeu de boa-fé, na condição de endossatário.

Dantry Factoring Fomento Mercantil Ltda. também apelou do feito. Argumentou que seria ilegítima para figurar na ação, pois foi a Tony Textil Comércio e Indústria Ltda. quem emitiu as cártulas. Ao arremate, levantou a tese de que comunicou a apelada sobre a cessão dos direitos creditícios contidos nos títulos e que agiu com boa-fé no negócio jurídico pactuado. Também se insurgiu contra a condenação ao pagamento de compensação a título de danos morais. Asseverou que havia outras restrições creditícias precedentes, no nome da autora e suscitou a incidência da Súmula n. 385, do STJ, para requerer a reforma da sentença nesse ponto.

Apresentou documento novo à folha 461.

Instada, Stilo da Moda Ltda. ME contra-arrazoou às folhas 468-460. Na sequência, os autos ascenderam a este Sodalício.

 

VOTO

Trata-se de recursos de apelação cível interpostos pelo Banco Itaú S.A. e pela Dantry Factoring Fomento Mercantil Ltda. em face de sentença proferida nos autos de ação de rito ordinário com pedidos de declaração de inexistência de débito e de condenação à compensação por danos morais ingressada pela Stilo da Moda Ltda. ME contra as ora recorrentes, em litisconsórcio passivo com Tony Textil Comércio e Indústria Ltda. Banco Bradesco S.A., Union National Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios, Financeiros e Mercantis.

Inicialmente, necessário que se assinale a inviabilidade do exame do documento colacionado à folha 461 dos autos, porquanto é cediço que não se pode apreciar documentos novos não analisados pelo Juízo de primeiro grau quando o recorrente não demonstrou a impossibilidade de trazê-los durante a instrução processual ou comprovou força maior impeditiva da exibição no momento oportuno (Apelação Cível n. 2010.045224-8, de Meleiro, rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, j.25-5-2011).

Ora, se tal documentação já existia ao tempo em que a parte contestou a ação, e a apelante tinha condições de acostá-lo na origem, a sua juntada deveria ter ocorrido no prazo de resposta.

Vê-se, portanto, que a parte não atendeu aos preceitos relativos ao prazo para produzir provas do seu direito, o que deu ensejo, por consequência, à preclusão prevista no art. 183 do Código de Processo Civil:

Art. 183. Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte provar que não o realizou por justa causa.

Ao comentar tal dispositivo, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery ensinam:

1. Preclusão. É a perda da faculdade de praticar ato processual. Pode ser temporal, prevista na norma sob comentário, mas também lógica ou consumativa. A preclusão tem como destinatários principais as partes, mas também incide sobre os poderes do juiz, que não pode decidir novamente questões já decididas (CPC 473), salvo as de ordem pública, que não são atingidas pela preclusão. (Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 578).

Desse modo, não se conhece do sobredito documento.

As recorrentes suscitaram suas ilegitimidades passivas sob semelhante argumento, o de que não participaram da relação jurídica e que procederam com boa-fé ao protestar os títulos. Porém, percebe-se que tal tese se confunde com o próprio mérito da causa, porquanto as alegações vertidas para suscitar suas ilegitimidades dizem respeito ao negócio jurídico do qual os títulos se originaram, merecendo análise com o mérito da contenda.

A resolução do litígio clama por um breve estudo sobre a duplicata mercantil, as suas características e formas de transmissão, além de uma análise acerca da relação existente especificamente entre a Dantry Factoring Fomento Mercantil Ltda. e a sacada (ou seja, a devedora originária).

No que tange à duplicata mercantil é cediço que se trata de um título eminentemente causal, isto quer dizer que sua emissão só se justifica diante da existência de um contrato mercantil de compra e venda ou de prestação de serviços.

E sobre o fato gerador da duplicata mercantil, esclarece Amador Paes de Almeida:

Sem estes, como adverte Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, é inexistente. Conquanto mantenha traços comuns com a letra de câmbio, desta distingue-se por ter a sua origem necessariamente presa a um contrato mercantil - disso decorrendo sua natureza causal (Teoria e prática dos títulos de crédito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 186).

Logo, não se pode olvidar que a duplicata possui vinculação ao negócio jurídico que deu causa à sua origem, como se observa pelo quanto exposto nos arts. 1º e 20 da Lei n. 5.474/1968, in verbis:

Art. 1º Em todo o contrato de compra e venda mercantil entre partes domiciliadas no território brasileiro, com prazo não inferior a 30 (trinta) dias, contado da data da entrega ou despacho das mercadorias, o vendedor extrairá a respectiva fatura para apresentação ao comprador.

§ 1º A fatura discriminará as mercadorias vendidas ou, quando convier ao vendedor, indicará somente os números e valores das notas parciais expedidas por ocasião das vendas, despachos ou entregas das mercadorias.

[...]

Art . 20. As empresas, individuais ou coletivas, fundações ou sociedades civis, que se dediquem à prestação de serviços, poderão, também, na forma desta lei, emitir fatura e duplicata.

§ 1º A fatura deverá discriminar a natureza dos serviços prestados.

§ 2º A soma a pagar em dinheiro corresponderá ao preço dos serviços prestados.

§ 3º Aplicam-se à fatura e à duplicata ou triplicata de prestação de serviços, com as adaptações cabíveis, as disposições referentes à fatura e à duplicata ou triplicata de venda mercantil, constituindo documento hábil, para transcrição do instrumento de protesto, qualquer documento que comprove a efetiva prestação, dos serviços e o vínculo contratual que a autorizou.

Outrossim, devem estar presentes para a validação do título os seguintes requisitos, insculpidos no art. 2º da referida lei; veja-se:

Art. 2º No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador.

§ 1º A duplicata conterá:

I - a denominação "duplicata", a data de sua emissão e o número de ordem;

II - o número da fatura;

III - a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista;

IV - o nome e domicílio do vendedor e do comprador;

V - a importância a pagar, em algarismos e por extenso;

VI - a praça de pagamento;

VII - a cláusula à ordem;

VIII - a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial;

IX - a assinatura do emitente.

§ 2º Uma só duplicata não pode corresponder a mais de uma fatura.

§ 3º Nos casos de venda para pagamento em parcelas, poderá ser emitida duplicata única, em que se discriminarão todas as prestações e seus vencimentos, ou série de duplicatas, uma para cada prestação distinguindo-se a numeração a que se refere o item I do § 1º deste artigo, pelo acréscimo de letra do alfabeto, em seqüência.

[...].

Indubitável, por conseguinte, que a característica da abstração na duplicata mercantil é mitigada em razão da causalidade, de forma que a circulação deste título é plausível, tão somente, se ocorrer a compra e venda ou prestação de serviços, pois na ausência de lastro, sobeja deflagrada a ilegalidade do título.

Passa-se, agora, à analise da relação tida entre a sacadora e a factoring, e entre esta e a sacada.

É consabido que o direito brasileiro não incorporou o contrato de factoring como uma avença típica e que não há regulamentação legal, stricto sensu, desta atividade. Entretanto, isso não é capaz de negar a sua existência factual, a qual, inclusive, clama por uma prestação jurisdicional em casos como o que ora se debate; passemos, então, ao seu conceito.

Para a doutrina, o contrato de factoring contempla uma relação jurídica entre duas empresas, "em que uma delas entrega à outra título de crédito, recebendo, como contraprestação, o valor constante do título, do qual se desconta certa quantia correspondente à remuneração pela transação" (RIZZARDO. Arnaldo. Factoring. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 13).

Já o Banco Central do Brasil definiu-o, em sua Resolução n. 2.144, de 22-2-1995, assim:

[...] a atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de créditos, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, e compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços".

Essa mesma disposição é encontrada na Lei n. 9.249/1995, art.15, §1º, III, d, que trata do imposto de renda.

Mas vale destacar aqui o quanto foi professado pela Ministra Nancy Andrighi no REsp. n. 612.423/DF sobre as principais características do contrato de factoring, in ipsis verbis:

O contrato de factoring não se resume à mera cessão de títulos de crédito por endosso, mediante o pagamento de valor previamente acordado pelas partes. Esse é apenas um aspecto dessa figura contratual, que é muito mais rica e complexa. O art. 15, inc. III, da Lei n. 9.249/95 define factoring como a 'prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços'.

Ou seja, pela definição legal, vê-se que a atividade de factoring compõe um leque de serviços interligados. Segundo Luiz Lemos Leite, 'factoring é uma atividade complexa, cujo fundamento é a prestação de serviços, ampla e abrangente, que pressupõe sólidos conhecimentos de mercado, de gerência financeira, de matemática e de estratégia empresarial, para exercer suas funções de parceiro dos clientes' ('O contrato de factoring', in Revista Forense, 253/458-9, apud Arnaldo Rizzardo, Factoring, 3ª ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004, pág. 160.

Disso decorre que é fundamental para a caracterização do contrato de factoring um envolvimento entre a faturizadora e a faturizada bem mais profundo que a mera transferência de títulos. Há também a prestação de serviços de consultoria tendentes a, em última análise, otimizar a administração e o gerenciamento da carteira de clientes e dos créditos da sociedade faturizada".

Pelo exposto, ainda que a duplicata mercantil tenha por característica o vínculo à compra e venda mercantil ou prestação de serviços realizada, ocorrendo o aceite, desaparece a causalidade, passando o título a ostentar autonomia bastante para obrigar a recorrida ao pagamento da quantia devida, independentemente do negócio jurídico que lhe tenha dado causa.

Diante desses conceitos, é certo que a operação de factoring pode ser classificada como atividade comercial que envolve serviços, tais como assessoria e/ou gestão, bem como compras de créditos. Contudo, a hipótese dos autos restringe-se à típica atividade de compra de faturamento de empresas, oriunda de vendas mercantis a prazo - contrato de factoringconvencional. E sobre este, vale transcrever a didática lição de Luiz Lemos Leite:

A empresa-cliente, com base no contrato de fomento mercantil, transfere, mediante uma venda, para uma empresa especializada 'fomento mercantil', os créditos derivados do exercício da sua atividade empresarial na relação comercial com a sua própria clientela - os sacados, na realidade, os devedores na transação mercantil.

[...]

De observar que não podem ser objeto da operação de fomento mercantil todos ou quaisquer créditos da empresa-cliente, mas somente aqueles oriundos das transações mercantis realizadas com sua clientela constituída dos compradores de seus produtos ou mercadorias. São os sacados-devedores.

[...]

O devedor-sacado é quem compra produtos ou mercadorias vendidos pela empresa-cliente. Como visto, o devedor-sacado não é parte do contrato de fomento mercantil, mas, no plano do direito cambiários, é o devedor responsável perante a sociedade de fomento mercantil (endossatária) pela liquidação do título de crédito negociado, cujos direitos foram formalmente transferidos pelo endosso em preto." Ocorre, então, que as empresas tidas por clientes vendem os créditos obtidos com as vendas mercantis que realizam, e o comprador, que é a sociedade de fomento mercantil, os compra efetuando pagamento à vista (Factoring no Brasil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p63-64).

A par disso tudo e ao examinar o âmago recursal, extrai-se que entre a factoring e a empresa-cliente (que in casu é a de Tony Têxtil, Comércio e Indústria Ltda.) há uma relação civil, estampada pela cessão de crédito, pois às empresas defactoring não é permitida a realização de operações bancárias, como se instituições financeiras fossem (é isto que impede a feitura do endosso-mandato).

D'outra banda, o que conecta a factoring (ora apelante) à sacada (Stilo da Moda Ltda. ME) é tão somente a relação gerada pelo endosso-translativo. E neste tipo de endosso é consabido que diante da natureza eminentemente causal da duplicata mercantil, a endossatária, antes de assumir a posição de adquirente dos direitos creditórios, deveria ter agido com diligência e ter investigado, de forma escorreita e diligente, o fato que deu causa à emissão das malsinadas duplicatas (que não se efetiva por meio de simples ciência dada à sacada sobre a circulação do título), uma vez que é indispensável para conferir ao título a liquidez, certeza e exigibilidade.

Por isso, nessas hipóteses, em que o título é objeto de endosso-translativo, a responsabilidade pelo protesto indevido é solidária entre a endossante - por ter emitido duplicata sem causa debendi - e a endossatária, esta em razão da aquisição divorciada dos cuidados inerentes à espécie de negócio.

Sem divergir, ensina Ricardo José Martins:

No caso de operação de desconto de duplicata na qual ela é negociada diretamente, mediante a antecipação pelo banco do valor respectivo, este, ao receber o título devidamente endossado (endosso pleno), passa a ser titular do crédito, podendo exigi-lo de todos os coobrigados. Esse chamado endosso translatício ou endosso pleno é o que transfere a propriedade do título, sem qualquer ressalva, implicando, conseqüentemente, na responsabilidade solidária da pessoa que o endossa (Da duplicata mercantil. São Paulo: Aquarela, 1988. p.79).

No mesmo norte, eis o que pronuncia este Tribunal:

1. Havendo transferência da duplicata mediante endosso translativo da propriedade (endosso pleno), a empresa que protestou o título responde pelos danos causados solidariamente com a emitente, uma vez que se sub-rogou nos direitos e obrigações do suposto credor [...] (Apelação Cível n. 2003.024618-5, de Chapecó, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, j. 31-3-2005).

Nesse sentido, verifica-se que a responsabilidade inerente ao título irregular permanece, por óbvio, para a endossatária, a responder pelos prejuízos porventura existentes.

Por conseguinte, rejeitam-se os pontos da rebeldia da Factoring, que objetivavam excluir a sua responsabilidade.

Nesse passo, ao assumir a posição de adquirente dos direitos creditórios, a recorrente deveria ter agido com a diligência necessária para investigar, de forma escorreita, a ocorrência de causa à emissão das duplicatas, e certificar-se da comprovação da realização de transação mercantil, requisitos indispensáveis para conferir aos títulos a liquidez, certeza e exigibilidade.

Por isso, deverá a recorrente responder pelos danos advindos do protesto indevido (art. 942, caput e parágrafo único, do CPC), já que endosso-translativo importa na transferência do direito referente ao crédito estampado na cártula.

Consequentemente, é impossível excluir a responsabilidade da apelante que, na qualidade de adquirente do título, deve responder pelos prejuízos causados pelo protesto indevido.

E idêntico argumento deverá ser vertido relativamente à outra recorrentepois "a instituição financeira que desconta duplicata assume risco próprio ao negócio. Se a leva a protesto por falta de aceite ou de pagamento, ainda que para o só efeito de garantir o direito de regresso, está legitimada passivamente à ação do sacado (...). O sacado injustamente envolvido nessa relação entre instituição financeira e cliente não deve responder pelas despesas decorrentes de negócio feito por terceiros. Agravo regimental não provido" (AgRg no REsp. n. 195.701/PR, rel. Min. Ari Pargendler).

Nessa senda, eis a posição consolidada desta Corte em casos da espécie:

Havendo endosso translativo de duplicata à instituição bancária, esta se torna litisconsorte passivo necessário do endossante em ação movida pelo sacado objetivando a declaração de inexigibilidade do título (Apelação Cível n. 2005.020823-0, de Itajaí, rel. Des. Subst. Paulo Roberto Camargo Costa, j. 22-2-2007).

Veja-se, também, a intelecção desta Câmara sobre o tema:

DECLARATÓRIAS DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. Cautelar preparatória. Julgamento conjunto. Procedência. Inconformismo da instituição financeira. Prática de ato ilícito indemonstrada. Apelante que constou como credora nos instrumentos de protesto. Responsabilidade solidária pela regularidade dos títulos. Dano moral suportado por pessoa jurídica. Possibilidade. Prejuízo presumido. Decisão mantida. Litigância de má-fé da apelada. Inocorrência.

A instituição financeira que, na qualidade de credora, encaminha títulos para protesto responde por sua regularidade, juntamente com a emitente (Apelação Cível n. 2010.048919-7, de Itajaí, rel. Des. José Inácio Schaefer, j. 2-8-2011).

E o norte advém de posicionamento sedimentado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Confira-se:

Ao encaminhar a protesto título endossado, a instituição financeira assume o risco sobre eventuais danos que possam ser causados ao sacado. O risco é criado pela própria atividade bancária e por ele há de responder aquele que dela se beneficia.

Cuidando-se de contrato de desconto de duplicatas, pelo qual se transfere o próprio crédito constante da cártula ao endossatário, a responsabilidade pelo ato lesivo na cobrança pertence ao banco credor. Inclusive, na hipótese, o endossatário foi alertado, pelo emitente, a não proceder ao protesto (Fl. 72)

Assim, não se pode alegar que o protesto foi realizado com o objetivo de assegurar eventual ação de regresso contra o endossante, pois aquele que não é devedor não pode ser prejudicado com o protesto de duplicata sem lastro, pois, inclusive, o direito de regresso é de todo modo assegurado contra a empresa sacadora (AgRg no Agravo de Instrumento n. 1.359.341/PR, rel. Min. Sideni Beneti, j. 30-3-2011).

No que tange à tese de ausência de demonstração do dano passível de compensação, sobeja evidente a sua configuração, mormente porque foram realizados protestos indevidos de títulos de crédito emitidos fraudulentamente, o que evidencia verdadeiro dano moral presumido - in re ipsa -, razão por que desnecessária a sua comprovação. Dessa forma, não há como as apeladas esquivarem-se da responsabilidade pelo protesto indevido e devem indenizar a apelante pelos danos morais ocasionados, consoante entendimento consolidado na jurisprudência:

O dano moral tipifica-se mercê da negativação indevida em cadastro de proteção creditícia, sendo prescindível a prévia comprovação do prejuízo, eis que presumível (Apelação Cível n. 2006.005977-1, rel. Des. João Henrique Blasi, 3-9-2008).

Derruída a tese suscitada pelo Banco Itaú S.A. acerca da sua responsabilidade no ato ilegal, por corolário, também é rechaçado o argumento sobre o qual pautou seu pleito de readequação dos ônus sucumbenciais, que foi firmado na alegação de que os atos notariais representariam exercício regular do seu direito.

Ante o todo exposto, conhece-se, porém nega-se provimento aos recursos interpostos.

 

Gabinete Des. Subst. Altamiro de Oliveira