TJSC - CHEQUE SUSTADO - ÔNUS DA PROVA QUANTO AO VÍCIO É DO EMITENTE - NÃO INCIDÊNCIA DO CDC - SENTENÇA FAVORÁVEL À FACTORING

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CONEXA COM MEDIDA CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. CHEQUE SUSTADO. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DO AUTOR.IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO. AUSÊNCIA DO CONTRATO SOCIAL DA SEGUNDA RÉ. INEXISTÊNCIA DE VÍCIO. DISPENSABILIDADE DO DOCUMENTO. INAPLICABILIDADE DAS REGRAS ATINENTES AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ADOÇÃO DA TEORIA FINALISTA. APELANTE QUE NÃO SE CONFIGURA NO CONCEITO DE CONSUMIDOR FINAL (ART. 2º, CDC), EIS QUE UTILIZA AS MERCADORIAS DA APELADA COMO INSUMOS DE SUA ATIVIDADE.

Apelação Cível n. 2013.008712-9, de Guaramirim
Relator: Des. Guilherme Nunes Born

"A relação de consumo existe apenas no caso em que uma das partes pode ser considerada destinatária final do produto ou serviço. Na hipótese em que produto ou serviço são utilizados na cadeia produtiva, e não há considerável desproporção entre o porte econômico das partes contratantes, o adquirente não pode ser considerado consumidor e não se aplica o CDC, devendo eventuais conflitos serem resolvidos com outras regras do Direito das Obrigações" (REsp 836.823/PR, Rel. Min. SIDNEI BENETI, Terceira Turma, DJ de 23.08.2010).

CAUSA DEBENDI. FACTORING. TRANSFERÊNCIA DA CÁRTULA POR MEIO DE CESSÃO DE CRÉDITO. POSSIBILIDADE DA DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI. PRINCÍPIOS DE ABSTRAÇÃO E AUTONOMIA QUE RESTAM AFASTADOS. EXISTÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. ARTIGO 302 DO CPC. DOCUMENTOS DEVIDAMENTE IMPUGNADOS NA CONTESTAÇÃO. CHEQUE SUSTADO EM VIRTUDE DA AUSÊNCIA DE ENTREGA DE TODAS AS MERCADORIAS E DE DEFEITO EM UM DOS PRODUTOS. ACERVO PROBATÓRIO QUE APONTA PARA INEXISTÊNCIA DE DEFEITO. FATO CONSTITUTIVO DE DIREITO DA PARTE AUTORA NÃO COMPROVADO. EXEGESE DO ARTIGO 333, INCISO I DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

Recurso conhecido e desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2013.008712-9, da comarca de Guaramirim (1ª Vara), em que é apelante Quality-Pó Serviços de Pintura Eletrostática, e são apelados Fonte Fomento Mercantil e outro.

A Quinta Câmara de Direito Comercial decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso para negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado no dia 11 de setembro de 2014, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Cláudio Barreto Dutra, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Jânio Machado.

Florianópolis, 11 de setembro de 2014.

Guilherme Nunes Born
Relator

RELATÓRIO

1. Das ações

As partes litigam em duas ações, uma declaratória de inexistência de débito e outra cautelar de sustação de protesto, as quais são conexas, tendo sido decididas na mesma sentença, motivo pelo qual passa-se à análise conjunta.

1.1) Da medida cautelar (026.07.004194-1)

1.1.1) Da inicial

Quality-Pó Serviços de Pintura Eletrostática Ltda - ME ajuizou Medida Cautelar de Sustação de Protesto em face de Fonte Fomento Mercantil Ltda e Madim Indústria Mecânica Ltda, objetivando, em síntese, a sustação do protesto do cheque n.º 000051. Assim, requereu a concessão de liminar para sustar aquele ato.

1.1.2) Das contestações

Devidamente citada, a requerida Fonte Fomento Mercantil apresentou contestação sustentando, preliminarmente que nunca manteve relação comercial com a requerente. No mérito, aduziu a impossibilidade de discussão da causa debendi, diante da autonomia do título, desvinculando-se do negócio jurídico subjacente. Destacou que recebeu o cheque como forma de negociação comercial com a empresa Madim Indústria Mecânica Ltda. Por fim, pugnou pela improcedência dos pedidos iniciais.

Citada, a requerida Madim Indústria Mecânica Ltda deixou transcorrer in albis o prazo para apresentar resposta (fl. 93).

1.1.3) Do encadernamento processual

O pedido de liminar foi concedido às fls. 28/29.

Manifestação à contestação às fls. 96/105.

1.2) Da ação declaratória de inexistência de débito (026.08.000091-1)

1.2.1) Da inicial

Quality-Pó Serviços de Pintura Eletrostática Ltda-ME ajuizou Ação Declaratória de Inexistência de Débito em face de Fonte Fomento Mercantil Ltda e Madim Indústria Mecânica Ltda, alegando em síntese, que foi intimada do apontamento ao protesto do cheque n.º 000051, no valor de R$10.000,00, tendo como sacado o Banco do Estado de Santa Catarina - BESC.

Aduziu que a cártula fora emitida para pagamento parcial do conjunto de cabine de pintura MA 1500 com túnel 700x1450 e CPPE A2f/D, no valor de R$18.000,00 e R$40.000,00, respectivamente, decorrente da transação comercial realizada com a segunda ré.

Mencionou que a máquina no valor de R$40.000,00 apresentou problemas e que os demais equipamentos adquiridos não foram entregues, quais sejam: 12 metros de trilho, 6 peças trolley manual, 4 colunas; porta para isolamento; parte do peneirador pneumático com cone para caixa com alimentação manual e caixa de lâmpadas para CPPE a 2f.

Ressaltou que a segunda ré não realizou qualquer manutenção no equipamento, bem como não realizou a entrega dos produtos faltantes, motivo pelo qual a autora sustou o pagamento do cheque em discussão, ocasionando no apontamento indevido ao protesto.

Diante desses fatos, requereu a declaração de inexistência de débito e a condenação da segunda ré na substituição da máquina no valor de R$40.000,00, bem como na entrega dos demais equipamentos faltantes. Subsidiariamente, no caso de impossibilidade de cumprimento da obrigação, seja a segunda ré condenada ao pagamento de indenização por perdas e danos em valor equivalente a referida máquina, ou na devolução dos valores pagos no importe de R$40.000,00.

Atribui valor à causa e juntou documentos (fls. 20/72).

1.2.2) Das contestações

Devidamente citada, a ré Fonte Fomento Mercantil, apresentou resposta, na foram de contestação, alegando os mesmos argumentos suscitados na defesa apresentada na medida cautelar de sustação de protesto.

Igualmente citada, a ré Madim Indústria Mecânica Ltda, apresentou contestação, sustentando que o valor de R$10.000,00 corresponde a parte do pagamento do conjunto de cabine de pintura MA 1500 com túnel 700x1450, no valor de R$18.000,00, não havendo qualquer queixa acerca desta mercadoria. Destacou a inexistência de relação consumo e a inocorrência dos defeitos alegados. Por fim, pugnou pela improcedência dos pedidos iniciais.

1.2.3) Do encadernamento processual

Manifestação às contestações às fls. 105/114 e fls. 131/138.

1.3) Da sentença

Prestando a tutela jurisdicional, o Dr. Gustavo Schwingel prolatou sentença resolutiva de mérito para julgar improcedente a pretensão deduzida na Ação Declaratória de Inexistência de Débito e na Medida Cautelar de Sustação de Protesto.

"III Dispositivo. Ante o exposto, resolvo o mérito da demanda nos termos do art. 269, I do CPC para julgar improcedente o pedido inicial condenando o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios no total de 20% sobre o valor da causa (10% para cada requerido) corrigido monetariamente pelo INPC desde o protocolo da inicial. No que diz respeito ao procedimento cautelar, resolvo o mérito da demanda nos termos do art. 269, I do CPC para julgar improcedente o pedido inicial, revogando a liminar, condenando o autor ao pagamento das custas e honorários advocatícios no total de 10% sobre o valor a causa corrigido monetariamente pelo INPC desde o protocolo da inicial. P.R.I. Oficie-se o Cartório para informar sobre a revogação do impeditivo do ato de protesto. Transitada em julgado, pagas as custas ou remetidas para cobrança via GECOF, oficiado o Cartório e decorrido o prazo de 06 meses sem impulso do feito pelas partes, arquive-se." (fls. 146).

1.4) Dos embargos de declaração e decisão.

A parte autora opôs embargos de declaração (fls. 151/154), aduzindo que houve omissão e obscuridade no julgado. Os embargos foram rejeitados pelo juízo a quo (fls. 156).

1.5) Do recurso

Irresignada, a autora Quality-Pó Serviços de Pintura Eletrostática Ltda-ME ofertou recurso de Apelação Cível (fls. 160/189 - ação declaratória), aduzindo que "restou devidamente comprovado o descumprimento contratual por parte da segunda apelada, não havendo que se falar que os documentos juntados na ação cautelar e declaratória seriam unilaterais, posto que sequer foram impugnados pela apeladas." (fl. 167). Destacou que diante da ausência de impugnação das apeladas quanto aos documentos juntados, deve ser aplicado no caso em comento o princípio da eventualidade, presumindo-se verdadeiros os fatos não impugnados (artigo 300 do CPC). Ressaltou a possibilidade de investigação da causa debendi. Alegou que diante da irregularidade processual da segunda apelada, em razão da ausência do contrato social deve ser decretada a sua revelia. Sustentou a incidência do Código de Defesa do Consumidor e a possibilidade de substituição da máquina com defeito. Po fim, pugnou pela inversão do ônus sucumbencial e pelo provimento do recurso.

1.6) Das contrarrazões

Contrarrazões da apelada Fonte Fomento Mercantil às fls. 213/216, a apelada Madim Indústria Mecânica Ltda não apresentou contrarrazões.

Após, ascenderam os autos a este Colegiado.

Este é o relatório.

VOTO

2.1) Do objeto recursal

Compulsando os anseios recursais, observa-se que o cerne da irresignação está atrelado a existência de defeitos no produto, a possibilidade de discussão da causa debendi, a ausência de impugnação específica, do Código de Defesa do Consumidor e da necessidade de substituição do produto.

2.2) Do juízo de admissibilidade

Conheço do recurso porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, eis que ofertado a tempo e modo, recolhido o devido preparo e evidenciado o objeto e a legitimação.

2.3) Do mérito

2.3.1) Da revelia da empresa Madim Indústria Mecânica Ltda

Pugna a apelante pelo reconhecimento da revelia da segunda apelada, diante da ausência do contrato social, caracterizando a irregularidade processual.

Contudo, razão não assiste.

Isto porque, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta e. Corte quanto ao tema, é da desnecessidade da juntada do contrato social, nos casos em que não houver indícios ou dúvidas quanto ao representante da empresa, o que é o caso dos autos, uma vez que a apelante suscitou questão meramente formal.

Nesse sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

"I - Orientou-se a jurisprudência do STJ no sentido de que desnecessária a juntada dos atos constitutivos da pessoa jurídica que é parte no processo, salvo a hipótese de fundada dúvida sobre a validade da sua representação em juízo, o que não é o caso dos autos, não bastando a mera alegação, de caráter formal, sobre tal ausência documental" (AR n. 334/MS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 27.4.05).

E, desta Corte:

"APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL FUNDADA EM NOTA PROMISSÓRIA PROVENIENTE DE CONTRATO DE FORNECIMENTO DE FUMO. PRELIMINAR SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES. INTEMPESTIVIDADE PROCESSUAL. NÃO OCORRÊNCIA. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO QUE INTERROMPEM O PRAZO RECURSAL PARA INTERPOSIÇÃO DE OUTROS RECURSOS. EMBARGOS REJEITADOS. EXEGESE DO DISPOSTO NO ART. 538 DO CPC. PRELIMINAR AFASTADA. "Consoante regra inserta no art. 538 do CPC, os embargos de declaração, ainda que considerados incabíveis, interrompem o prazo para a interposição de outros recursos; a penalidade prevista pela protelação é apenas pecuniária." (STJ, EREsp 302177/SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins). PRELIMINAR ARGUIDA EM CONTRARRAZÕES. IRREGULARIDADE NA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL DA EXEQUENTE. PESSOA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE JUNTADA DO CONTRATO SOCIAL. DESNECESSIDADE SE AUSENTES DÚVIDAS FUNDADAS QUANTO AO CREDENCIAMENTO DO REPRESENTANTE QUE EM NOME DA SOCIEDADE OUTORGOU MANDATO JUDICIAL. VALIDADE DA REPRESENTAÇÃO. PRELIMINAR AFASTADA. "Orientou-se a jurisprudência do STJ no sentido de que desnecessária a juntada dos atos constitutivos da pessoa jurídica que é parte no processo, salvo a hipótese de fundada dúvida sobre a validade da sua representação em juízo, o que não é o caso dos autos, não bastando a mera alegação, de caráter formal, sobre tal ausência documental" (AR n. 334/MS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior). [...]" (TJSC, Apelação Cível n. 2010.067852-9, de Braço do Norte, rel. Des. Paulo Roberto Camargo Costa, j. 19-07-2012).

Bem como:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E LUCROS CESSANTES. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REVELIA DA RÉ ORSEG VIGILÂNCIA, POR IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DO CONTRATO SOCIAL. AUSÊNCIA DE DÚVIDA QUANTO À LEGITIMIDADE DO REPRESENTANTE DA PESSOA JURÍDICA. PRELIMINAR AFASTADA.
A ausência do contrato social não enseja irregularidade processual, porquanto a lei não exige que a pessoa jurídica faça prova de seus atos constitutivos para representação em juízo. Essa prova somente é necessária se houver dúvida quanto à legitimidade do representante. (...) (Apelação Cível n. 2007.031041-4, de Blumenau, rel. Des. Victor Ferreira, j. em, 10.05.2012).

Ainda:

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO. SUPOSTA IRREGULARIDADE NA REPRESENTAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE DÚVIDAS FUNDADAS QUANTO À LEGITIMIDADE DO REPRESENTANTE, OUTORGANTE DA PROCURAÇÃO. DESNECESSIDADE DA JUNTADA AOS AUTOS DO CONTRATO SOCIAL. REJEIÇÃO. INTERDITO PROIBITÓRIO. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 501, DO CC/16, E 932, DO CPC. EXERCÍCIO DE POSSE E JUSTO RECEIO DE AMEAÇA: FATOS CONSTITUTIVOS DO DIREITO DO AUTOR. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. DECISUM ESCORREITO. IMPROVIMENTO" (Apelação Cível n. 1999.011843-6, Rela. Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j. em 14.02.06).

Portanto, a simples ausência do contrato social não caracteriza a irregularidade processual e, por consequência não induz a revelia.

Por fim, cabe destacar que caso fosse reconhecida a existência de irregularidade e, por consequência decretada a revelia da segunda apelada, não induziria os seus efeitos, na medida que há pluralidade de réus e a primeira apelada apresentou contestação (artigo 320, inciso I, do CPC).

Diante disso, não merece prosperar o apelo neste ponto.

2.3.2) Aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

A apelante/autora pugna pela aplicação das regras atinentes ao Código de Defesa do Consumidor.

Primeiramente, para aplicação dos ditames esculpidos no Código de Defesa do Consumidor, exige-se que a relação negocial estabelecida entre as partes se enquadre no conceito jurídico de "relação de consumo" e, para tanto, deve aportar nos seus pólos um destinatário final dos produtos e serviços, de acordo com o esculpido no art. 2º, CDC e noutro um fornecedor, segundo os regramentos delineados no art. 3º do mesmo Diploma Legal.

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Analisando perfunctoriamente a relação entre as partes, pode-se afirmar que a apelante - conforme contrato social (fl. 26) -, atua no serviço de industrialização de processo de pintura-pó em máquinas e equipamentos, assim, como fora adquirido da segunda ré/apelada conjuntos de cabine de pintura, fazendo parte da cadeia produtiva, o que não pode ser considerada destinatária final, como exige o caput do art. 2º, do CDC.

Ademais, com relação a vulnerabilidade da apelante, constata-se que esta não é tecnicamente vulnerável, eis que os produtos adquiridos são colocados na sua cadeia de produção e o serviço é ofertado ao consumidor final.

Nesse sentido, já decidiu este E. Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MAGISTRADO A QUO QUE INACOLHE O INCIDENTE E MANTEM O CURSO DO PROCESSO JUNTO À COMARCA DE VIDEIRA.
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INTERPRETAÇÃO CONFORME A TEORIA FINALISTA ATENUADA. AUSÊNCIA DE VULNERABILIDADE DOS AUTORES. PRODUTOS DISPONIBILIZADOS AO CONSUMIDOR FINAL QUE INTEGRAM A CADEIA DE PRODUÇÃO OU SERVIÇO. NÃO APLICAÇÃO DO PERGAMINHO CONSUMERISTA AO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE INSUMOS UTILIZADOS NA ALIMENTAÇÃO E DEMAIS TRATOS DE SUÍNOS.
DEMANDA QUE VISA À REPARAÇÃO DE DANOS. INCIDÊNCIA DO CRITÉRIO ESPECIAL VAZADO NO ART. 100, INCISO V, ALÍNEA A, DO CÓDIGO DE RITOS. LOCAL EM QUE A HONRA DOS SUPLICANTES TERIA SIDO MACULADA. INEVITÁVEL CONCLUSÃO DE QUE OS ATOS NOTARIAIS E A INSCRIÇÃO NO CADASTRO DE MAUS PAGADORES PRETENSAMENTE INDEVIDOS GANHARIAM PROPORÇÕES DANOSAS NA COMARCA DE DOMICÍLIO DOS AGRAVADOS. POSICIONAMENTOS DO TRIBUNAL DA CIDADANIA E DESTE PAÇO DA JUSTIÇA NA MESMA ALHETA.(Agravo de Instrumento n. 2011.010031-1, de Videira, Relator: Des. José Carlos Carstens Köhler, j. 12/07/2011).

Não sendo possível enquadrar a apelante como destinatária final do produto adquirido junto à segunda ré/apelada, não se pode estabelecer a existência do vínculo consumeirista e, consequentemente, o julgado deve ter como embasamento, unicamente, as regras atinentes ao direito civil.

2.3.3) Da causa debendi

Sustenta a apelante a possibilidade de discussão da causa debendi.

Sabe-se o que o cheque é ordem de pagamento à vista, sendo caracterizado pela autonomia e abstração, razão pela qual se impossibilita, via de regra, a discussão acerca da causa debendi do referido título.

Da análise dos autos, percebe-se que o cheque foi emitido pela apelante à segunda apelada - Madim - a qual repassou para a primeira apelada - Fonte Fomento Mercantil, possivelmente em virtude do contrato de faturização, muito embora este não esteja presente aos autos, é a conclusão obtida pelo cheque (fl. 16 - medida cautelar).

Em razão do contrato de factoring, em que o faturizador adquire os títulos da faturizada, há perda da autonomia do referido título, não caracterizando o endosso puro, mas sim, a cessão de direitos, possibilitando a discussão da origem dos títulos, já que o faturizador passa a assumir o risco do negócio.

É a lição da doutrina de Arnaldo Rizzardo:

"um comerciante ou industrial, denominado faturizado, cede a outro, que é o faturizador ou factor, no todo ou em parte, créditos originados de vendas mercantis. Assume este, na posição de cessionário, o risco de não receber os valores. Por tal risco, paga o cedente uma comissão". (Contratos, Editora Forense, Rio de Janeiro, 4º edição, 2005, p. 1385).

Nos termos, é a jurisprudência deste Tribunal de Justiça :

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CHEQUE. EMPRESA DE FACTORING. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. CESSÃO DE CRÉDITO CONFIGURADA. RECURSO DESPROVIDO. Não se configura o cerceamento de defesa sem que a parte indique especificamente as provas a serem produzidas e a respectiva finalidade. Precedente: AC n. 2008.027648-3, Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi. "Sendo transferido o título de crédito mediante operação de fomento mercantil, não se caracteriza o endosso puro e simples do direito cambial, mas sim a cessão de crédito prevista no código civil (arts. 286 e seguintes), por conseguinte, permite-se ao devedor opor as exceções pessoais que caberiam frente ao endossante (cc/2002, art. 294)" (AC n. 2007.047392-9, Des. Cláudio Valdyr Helfenstein). "'As empresas de 'Factoring' assumem, nas operações que travam com os faturizados, os riscos do negócio, o que as leva a arcar, de regra, com os prejuízos decorrentes de eventual inadimplemento dos devedores dos títulos adquiridos [...]'" (AI n. 2008.055769-9, Des. Cláudio Valdyr Helfenstein). (TJSC, Apelação Cível n. 2007.064271-3, de Itajaí, rel. Des. Soraya Nunes Lins, j. 17-03-2011).

Sendo transferido o título de crédito mediante operação de fomento mercantil, não se caracteriza o endosso puro e simples do direito cambial, mas sim a cessão de crédito prevista no código civil (arts. 286 e seguintes), por conseguinte, permite-se ao devedor opor as exceções pessoais que caberiam frente ao endossante (cc/2002, art. 294)" (TJSC. AC n. 2007.047392-9, Des. Cláudio Valdyr Helfenstein).

Portanto, perfeitamente possível a discussão da causa debendi no caso em comento, diante da perda da autonomia da cártula.

2.3.4) Da ausência de impugnação específica

Alega a apelante a ausência de impugnação específica da segunda apelada em relação as declarações firmadas por duas empresas, as quais comprovariam o suposto defeito na máquina CPPE A2f/D (fls. 31/32 -ação declaratória).

Entretanto, a segunda apelada quando da apresentação da sua defesa na ação declaratória, manifestou-se precisamente sobre os documentos e os fatos narrados na peça inaugural.

Vejamos parte da contestação:

"É absolutamente cômodo à Requerente juntar aos autos declarações unilaterais dando conta de supostos defeitos na máquina adquirida. Se de fato tais imperfeições existissem, por que não requereu pericia judicial às suas expesas para comprovar o alegado." (fl. 123)

Desta forma, fica claro que a segunda apelada se desincumbiu do ônus da impugnação específica retratado no caput do art. 302 do Código de Processo Civil.

Por fim, destaca-se que mesmo que fosse aplicado ao caso a ausência de impugnação específica, esta permite a aplicação da presunção juris tantum dos fatos articulados pela apelante, ou seja, a presunção relativa da veracidade dos fatos articulados na inicial.

Desprovido o apelo neste ponto.

2.3.5) Do Cheque

A apelante mencionou que a dívida não é devida, porquanto ocorrido uma desavença comercial, por culpa da segunda apelada, que culminou na contra-ordem do cheque, eis que não foram entregues todas as mercadorias e a máquina CPPE A2f/D apresentou problemas.

A regra basilar de que o ônus da prova incumbe a quem alega é perfeitamente aplicável à espécie, por caracterizar fato constitutivo do direito da parte autora, como se traduz do art. 333, inciso I, do CPC.

Dispõe o Código de Processo Civil:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
A respeito, ensina Cândido Rangel Dinamarco:
"Ônus da prova é o encargo, atribuído pela lei a cada uma das partes, de demonstrar a ocorrência dos fatos de seu próprio interesse para as decisões a serem proferidas no processo.
(...)

Segundo o art. 333 do Código de Processo Civil, cabe ao autor a prova relativa aos fatos constitutivos de seu alegado direito (inc. I) e ao réu, a dos fatos que de algum modo atuem ou tenham atuado sobre o direito alegado pelo autor, seja impedindo que ele se formasse, seja modificando-o ou mesmo extinguindo-o (inc. II; fatos impeditivos, modificativos ou extintivos - supra, n. 524). A síntese dessas disposições consiste na regra de que o ônus da prova incumbe à parte que tiver interesse no reconhecimento do fato a ser provado (Chiovenda), ou seja, àquela que se beneficie desse reconhecimento; essa fórmula coloca adequadamente o tema do ônus probandi no quadro do interesse como mola propulsora da efetiva participação dos litigantes, segundo o empenho de cada um em obter vitória. O princípio do interesse é que leva a lei distribuir o ônus da prova pelo modo que está no art. 333 do Código de Processo Civil, porque o reconhecimento dos fatos constitutivos aproveitará ao autor e o dos demais, ao réu; sem prova daqueles, a demanda inicial é julgada improcedente e, sem prova dos fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, provavelmente a defesa do réu não obterá sucesso.". (Instituições de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, v. III, p.71-73).

Humberto Theodoro Júnior acrescenta:

"No processo civil, onde quase sempre predomina o princípio dispositivo, que entrega a sorte da causa à diligência ou interesse da parte, assume especial relevância a questão pertinente ao ônus da prova.

Esse ônus consiste na conduta processual exigida da parte para que a verdade dos fatos por ela arrolados seja admitida pelo juiz.

Não há um dever de provar, nem à parte contrária assiste o direito de exigir a prova do adversário. Há um simples ônus, de modo que o litigante assume o risco de perder a causa se não provar os fatos alegados dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar através da tutela jurisdicional. Isto porque, segundo máxima antiga, fato alegado e não provado é o mesmo que fato inexistente.
(...)

Cada parte, portanto, tem o ônus de provar os pressupostos fáticos do direito que pretenda seja aplicado pelo juiz na solução do litígio.". (Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. I, p. 462).

No caso em apreço, toda a argumentação feita pelo apelante carece de prova. Não há indício de desavença comercial, de que todas as mercadorias não foram entregues ou que a máquina CPPE A2f possui defeitos.

Ademais, a forma de pagamento do negócio jurídico firmado entre as partes, era de uma entrada no valor de R$12.000,00 e sete parcelas de R$6.500,00, portanto, caso houvesse defeito na máquina e não fosse entregue todas as mercadorias, as demais cártulas deveriam também ser sustadas, o que não ocorreu no caso em comento, conforme o extrato da conta corrente da apelante à fl. 66 da ação declaratória.

Destaca-se também que as ligações efetuadas para a segunda apelante não comprovam a existência de vício no negócio jurídico, na medida que poderia a apelante ter ligado por diversos motivos.

Da mesma forma, o "e-mail" enviado à segunda apelada (fl. 29), não comprova a existência de defeito na máquina, em que pese o assunto ser o alegado vício, mormente que não há qualquer resposta da possível existência de defeito no produto, ou até mesmo que a segunda apelada esteja resolvendo o aludido problema.
Não pode-se deixar de ressaltar que as declarações das empresas Metalúrgica Vegini Ltda e Real Equipamentos Industriais Ltda (fls. 31/32 - declaratória), foram produzidas unilateralmente, motivo pelo qual não servem para demonstrar a existência de defeito na máquina.

Portanto, como competia exclusivamente à apelante comprovar a existência de vício do negócio jurídico feito com a segunda apelada e não o fez, resta injustificada a contra-ordem dada ao cheque, impossibilitando o acolhimento do pleito de modificação da sentença, ficando prejudicada a análise dos demais argumentos suscitados no apelo.

2.4) Do prequestionamento

No tocante ao prequestionamento dos dispositivos legais aplicados à espécie, já é pacífico o entendimento de que o magistrado não está obrigado a responder a todas as alegações das partes, quando já possua motivos e fundamentos suficientes para sua decisão.

A respeito:

Ainda que a parte alegue a intenção de ventilar matéria para fins de pré-questionamento, o julgador não é obrigado a examinar exaustivamente todos os dispositivos legais apontados pela recorrente quando a fundamentação da decisão é clara e precisa, solucionando o objeto da lide. A atividade jurisdicional não se presta para responder a questionários interpostos pelas partes, provocar lições doutrinárias ou explicitar o texto da lei, quando a matéria controvertida é satisfatoriamente resolvida. [...]. (Ap. Cível n. 1998.009640-5, rela. Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j. 21/8/2003).

Ainda:

[...] PLEITO DE PREQUESTIONAMENTO A DISPOSITIVOS DE LEI- REJEIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE AO EQUACIONAMENTO DO TEMA LITIGIOSO, ATINGINDO A FINALIDADE PREVISTA NO ART. 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. (Ap. Cível n. 2010.072050-5, de Lages , rel. Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, j. em 12/1/2011).

Logo, deixa-se de promover o prequestionamento.

3.0) Conclusão:

Diante da fundamentação acima exarada:

3.1) conheço do recurso para negar-lhe provimento.

Este é o voto.

Gabinete Des. Guilherme Nunes Born