TJRJ - ENDOSSO DE CHEQUE - AUTONOMIA E ABSTRAÇÃO - INDEPENDÊNCIA DA CAUSA DE EMISSÃO

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004733-66.2012.8.19.0007
SEXTA CÂMARA CÍVEL

APELANTE: DORMIR E SONHAR COMÉRCIO DE ROUPAS LTDA
APELADO: VILA FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA-ME
RELATORA: DES. INÊS DA TRINDADE CHAVES DE MELO
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. EMBARGOS MONITÓRIOS REJEITADOS. GRATUIDADE DE JUSTIÇA DEFERIDA SOMENTE PARA O PRESENTE RECURSO. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTES OS EMBARGOS MONITÓRIOS E CONSTITUIU DE PLENO DIREITO O TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL REPRESENTADO PELOS CHEQUES DE FLS. 17/8, NO VALOR DE R$ 11.361,55 (ONZE MIL E TREZENTOS E SESSENTA E UM REAIS E SETENTA E CINQUENTA E CINCO CENTAVOS), A TEOR DO ARTIGO 1102, C, PARÁGRAFO 3º, DO CPC, CONDENANDO A RÉ NOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA E FIXANDO JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA DA DATA DA CONDENAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DA EMPRESA DE FACTORING. O FACTOR ADQUIRE OS CRÉDITOS MEDIANTE O NEGÓCIO DE FACTORING, COM A AQUISIÇÃO DO TÍTULO DE CRÉDITO VIA ENDOSSO PLENO SEM GARANTIA E, DESTA FORMA, LEGITIMADO PARA A COBRANÇA DO TÍTULO. DESNECESSIDADE DE EXISTÊNCIA DE CAUSA DEBENDI, TENDO EM VISTA QUE SE TRATA DE CHEQUE, TÍTULO DE CRÉDITO POR EXCELÊNCIA, AUTÔNOMO E QUE INDEPENDE DE CAUSA PARA SUA EMISSÃO. CABIMENTO DE FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM SEDE DE EMBARGOS MONITÓRIOS. VALOR COBRADO NA INICIAL DE R$ 8.649,00, SOBRE O QUAL DEVEM INCIDIR JUROS DE MORA A PARTIR DA CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA A PARTIR DO VENCIMENTO DE CADA TÍTULO. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 161, DO TJRJ. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL E DO STJ. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO E, DE OFÍCIO, REFORMAR PARCIAL DA SENTENÇA SOMENTE PARA DETERMINAR QUE SOBRE O VALOR DE R$ 8.649,00 NOMINAL DA DÍVIDA DEVE INCIDIR JUROS DE MORA DESDE A CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA DESDE A DATA DO VENCIMENTO DE CADA CHEQUE.

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível- Processo nº 0004733-66.2012.8.19.0007, em que é apelante DORMIR E SONHAR COMÉRCIO DE ROUPAS LTDA e apelado VILA FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA-ME. ACORDAM os Desembargadores que integram a Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por UNANIMIDADE, em NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO CÍVEL E, DE OFÍCIO, REFORMAR PARCIALMENTE A SENTENÇA SOMENTE PARA DETERMINAR QUE SOBRE O VALOR DE R$ 8.649,00 NOMINAL DA DÍVIDA DEVE INCIDIR JUROS DE MORA DESDE A CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA DESDE A DATA DO VENCIMENTO DE CADA CHEQUE, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

VOTO
A empresa de factoring, ora apelante, ajuizou ação monitória em face da ré, considerando que é credora do valor de R$ 8.649,00, representado por cheques emitidos pela ré e devolvidos ora por falta de fundos e ora por sustação de pagamento.

Foi proferida sentença em fls. 85/86, nos termos do dispositivo abaixo:

Pelo exposto, julgo improcedente o pedido deduzido nos embargos monitórios, na forma do artigo 269, I, Código de Processo Civil, constituindo de pleno direito o título executivo judicial representado pelos cheques de fls. 17/8, no valor de R$ 11.361,55 (onze mil e trezentos e sessenta e um reais e setenta e cinquenta e cinco centavos), a teor do artigo 1102 c, parágrafo 3º, Código de Processo Civil, condenando a embargada ao pagamento das custas processuais e honorários de advogado em dez por cento sobre o valor do débito.

Sentença integrada pela decisão proferida em embargos de declaração de fls. 91/92, que os acolheu para condenar a ré nos ônus da sucumbência e fixar juros e correção monetária da data da condenação. 

Em face dessa sentença a ré interpôs recurso de apelação, fls. 96/104, requerendo, inicialmente, gratuidade de justiça para o presente recurso, juntando aos autos declaração do Contador de que já solicitou baixa de seus registros, encontrando-se com sua atividade empresarial paralisada; que dentre os três pedidos feitos nos Embargos Monitórios a sentença analisou apenas um, qual seja, o da ilegitimidade ativa, decidindo pela sua rejeição; que a apelada não comprovou que os títulos emitidos pelo Sr. José C. Oliveira tinham por finalidade o pagamento de seus serviços empresariais de factoring; que o títulos emitidos à ordem só podem circular mediante endosso ou cessão de crédito, o que não ocorreu no presente caso; que assim prevê o artigo 7º, da Lei 7.357/85; que, em não havendo endosso em favor do apelado ou comprovação de que os títulos visavam o pagamento dos serviços empresariais está clara a ilegitimidade para pleitear o pagamento dos cheques nº 010172, 010173, 010174 e 010175; que, em se tratando de ação monitória, para promover a execução de título extrajudicial, deve ser comprovada a relação causal que ensejou a emissão dos títulos, ônus do qual a apelada não se desincumbiu; que a apelada não comprovou a relação jurídica existentes entre as partes; que o
desacordo comercial entre as litigantes, que reforça a inexistência da relação jurídica entre as partes, é que ensejou a sustação do título 502331, a fim de evitar enriquecimento sem causa da apelada; que questionou o valor do débito, visto que a apelada inseriu atualização monetária com índices mais gravosos para a apelante, bem como impôs o pagamento de honorários advocatícios que não são devidos; que a sentença não está fundamentada, de acordo com o artigo 93, IX, da CF; que os documentos juntados pela apelada em fls. 66/74 não se amoldam ao artigo 397, do CPC, visto que não são novos, não se podendo fazer prova com eles. Por tudo isso, requer o acolhimento da preliminar de ilegitimidade ativa ad causam e, no mérito, pela improcedência do pedido, por ausente a relação causal do título e, eventualmente, a redução do valor da condenação para R$ 8.649,00.

Contrarrazões em fls. 109/119, pelo não provimento do recurso.

É o Relatório.

A Apelação é tempestiva e estão presentes os demais requisitos de admissibilidade.

Inicialmente, DEFIRO a gratuidade de justiça ao apelante, somente para o presente recurso, em homenagem ao princípio do acesso à justiça.

A Autora, ora apelada, ajuizou a presente Ação Monitória em face da Ré, emitente do cheque, título de crédito, objetivando a sua constituição em título executivo e consequente cobrança.

Em suma, em seu recurso de apelação, a apelante sustenta que a apelada não comprovou 1. que os títulos tinham por finalidade o pagamento dos serviços empresariais de factoring; 2. que os títulos emitidos à ordem só podem circular mediante endosso ou cessão de crédito, o que não ocorreu no presente caso, de acordo com o artigo 7º, da Lei 7.357/85 e 3. que, em não havendo endosso em favor do apelado ou comprovação de que os títulos visavam o pagamento dos serviços empresariais, está clara a ilegitimidade para pleitear o pagamento dos cheques.

Com relação à legitimidade, tem-se que os citados Títulos foram adquiridos de boa-fé pela empresa Autora que legalmente realiza operações de Factoring, que consiste, em síntese, na cessão ou compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços, sendo um instrumento de que as empresas se valem para obter liquidez a partir de transações com títulos de crédito em seu poder (cheques, etc).

Dessa forma, por ser uma operação legal, a autora se subrogou nos direitos de cobrança dos títulos em questão, tendo em vista que, em se tratando de cheque, deve-se considerar que ele é um título de crédito que configura uma ordem de pagamento à vista, que terá como beneficiário aquele que o apresentar se outro não for apontado, no próprio título, portanto, o portador do cheque pode exigir o seu adimplemento.

Ademais, o factor adquire os créditos mediante o negócio de factoring, com a aquisição do título de crédito via endosso pleno sem garantia, e desta forma legitimado para a cobrança do título.

Confira-se:

0026635-69.2012.8.19.0203 – APELACAO. DES. MARCELO LIMA BUHATEM - Julgamento: 25/03/2014 - VIGESIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO MONITÓRIA - CHEQUE SEM FUNDOS - REJEIÇÃO DOS EMBARGOS MONITÓRIOS - CHEQUE CEDIDO À EMPRESA DE FACTORING - CESSÃO DE CRÉDITO POSSIBILIDADE DE OPOSIÇÃO DE EXCEÇÕES PESSOAIS LIGADAS À CAUSA DA OBRIGAÇÃO, MESMO EM RELAÇÃO AO TERCEIRO DE BOAFÉ - VIABILIDADE DE DISCUSSÃO DA CAUSA SUBJACENTE AO TÍTULO - SENTENÇA QUE SE MODIFICA. DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO.

0003890-78.2006.8.19.0212 - APELACAO . DES. FERNANDO FERNANDY FERNANDES - Julgamento: 29/06/2010 - DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. RELAÇÃO CONTRATUAL. DÉBITO REPRESENTADO POR CHEQUES QUE APÓS A EMISSÃO FORAM OBJETO DE CONTRATO DE FACTORING. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. AUSÊNCIA DE PROVA DA QUITAÇÃO POR REPRESENTANTE LEGAL DA EMPRESA CREDORA. DEVEDOR QUE SUBSISTE RESPONSÁVEL PELO PAGAMENTO DO CRÉDITO. APELAÇÃO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

Não há necessidade de análise da causa debendi, tendo em vista que se trata de cheque, o qual é um título de crédito por excelência, é autônomo e independe de causa para sua emissão.

Por tudo isso, entendo que o apelante não comprovou fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autoral, na forma do art. 333, II, do CPC.

Sobre os honorários advocatícios, sem razão o apelante, tendo em vista que eles foram corretamente fixados, na forma do § 3º, do artigo 20, do CPC.

No mesmo sentido, é a jurisprudência abaixo do STJ:

REsp 913579 / RS RECURSO ESPECIAL 2006/0258714-0 Relator(a) Ministro JORGE SCARTEZZINI (1113) Relator(a) p/ Acórdão Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA (1127) Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA Data do Julgamento 19/06/2007 Data da Publicação/Fonte DJ 19/11/2007 p. 239 (...) No que tange à verba honorária, correto o seu arbitramento nos do § 3º do artigo 20 do CPC, uma vez que a sentença de improcedência nos embargos monitórios será sempre dotada de eficácia condenatória, quer secundária, quer principal, de acordo com a orientação que se adote acerca da natureza dos embargos, se contestação ou ação incidental, respectivamente. (...).

Com relação à suposta inserção na planilha de débito Dde fls. 20, de atualização monetária com índices mais gravosos para o apelante, onde se apurou o valor de R$ 11.361,55, ao passo que o valor cobrado na inicial é de R$ 8.649,00, entendo, realmente, que os juros e correção monetária devem incidir uma única vez.

Assim, considerando a Súmula nº 161, que diz “questões atinentes a juros legais, correção monetária, prestações vincendas e condenação nas despesas processuais constituem matéria apreciáveis de ofício pelo Tribunal”, entendo que os juros e a correção monetária devem ser corrigidas de ofício, já que eles não serão modificados na forma requerida pelo apelante.

Dessa forma, sobre o valor apontado na inicial, R$ 8.649,00 (oito mil seiscentos e quarenta e nove reais), deve incidir juros de mora desde a citação, na forma do artigo 405, do CC, na razão de 0,1% ao mês e atualização monetária de acordo com os índices da Corregedoria Geral de Justiça, a contar do vencimento de cada título.

É esse o entendimento da jurisprudência abaixo colacionada:

0004702-32.2007.8.19.0036 – APELACAO. DES. WAGNER CINELLI - Julgamento: 26/09/2012 - SEXTA CAMARA CIVEL. Apelações cíveis. Ação monitória. Cobrança de cotas condominiais. Reconhecimento do débito. Ré que não impugna especificamente o valor cobrado, tendo sido devidamente comprovado. Ausência de prescrição da cobrança da multa, cujo prazo prescricional corre juntamente com o da obrigação principal. Juros moratórios e correção monetária que hão de incidir a partir do vencimento de cada cota. Jurisprudência do STJ. Acerto da sentença. Recurso conhecido e desprovido. 

AREsp 541688 
Relator(a) Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI 
Data da Publicação 14/08/2014 
(...) A data de emissão do cheque é o termo inicial de incidência de atualização monetária. (...) 

Por tais fundamentos, VOTO PELO DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO CÍVEL E, DE OFÍCIO, REFORMAR PARCIALMENTE A SENTENÇA SOMENTE PARA DETERMINAR QUE SOBRE O VALOR DE R$ 8.649,00 (oito mil, seiscentos e quarenta e nove reais), NOMINAL DA DÍVIDA, DEVE INCIDIR JUROS DE MORA DESDE A CITAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA DESDE A DATA DO VENCIMENTO DE CADA CHEQUE.

Rio de Janeiro, 20 de agosto de 2014.

DES. INÊS DA TRINDADE CHAVES DE MELO
Relatora