TJRS - FACTORING - DUPLICATA ACEITA SEM PODERES - INEXISTÊNCIA DO DÉBITO

APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. ação cautelar de sustação de protesto e ação declaratória de inexistência de débito. REVELIA. PLURALIDADE DE RÉUS. duplicata com aceite. aceite dado por pessoa sem poderes para tanto. ausência de prova do negócio jurídico sujacente. honorários. sentença mantida.

Apelo da autora. Alegações, que não atacam diretamente os fundamentos da sentença e que configuram inovação recursal.

A revelia não gera o efeito de presunção de veracidade dos fatos, se um dos réus contestou a ação, logo, os fundamentos apresentados pela empresa de Factoring, devem ser considerados, ainda que a corré TC Serviços, tenha tido sua revelia decretada. Art. 320, I, do CPC.

O contrato de faturização não implica mero endosso de título, mas sim cessão de crédito, de tal modo que a faturizadora, em operação que lhe é financeiramente vantajosa, assumindo o crédito, assume também o risco de eventual não recebimento.

A duplicata com aceite dispensa a prova do negócio jurídico subjacente, se não houver alegação de fraude.

Caso concreto, em que a pessoa que deu o aceite, na duplicata, não detinha poderes para fazê-lo, tendo atuado em conluio com a corré, que deveria prestar o serviço contratado.

A empresa de factoring, a fundamentar seu protesto, apresentou a duplicata com aceite indevido e sem a prova do negócio jurídico, devendo, por isso, sofrer as consequências de seu agir negligente. Sentença mantida.

Honorários fixados adequadamente, em consonância com os ditames contidos no artigo 20, §§3º e 4º, do CPC.
 
APELO DA AUTORA NÃO CONHECIDO. APELO DA RÉ DESPROVIDO. UNÂNIME.
 
Apelação Cível
Décima Oitava Câmara Cível - Serviço de Apoio à Jurisdição
Nº 70042487066 (N° CNJ: 0181500-09.2011.8.21.7000)
Comarca de Porto Alegre
ASSOCIACAO COMERCIAL DE PORTO ALEGRE
APELANTE/APELADO
REDFACTOR FACTORING E FOMENTO COMERCIAL LTDA
APELANTE/APELADO
BANCO SAFRA S.A.
APELADO
TC SERVICOS DE MAO DE OBRA LTDA
APELADO
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Décima Oitava Câmara Cível - Serviço de Apoio à Jurisdição do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em não conhecer do apelo da autora e em negar provimento ao apelo da ré.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. João Moreno Pomar (Presidente e Revisor) e Des. Heleno Tregnago Saraiva.

Porto Alegre, 08 de maio de 2014.
 
DRA. ELAINE MARIA CANTO DA FONSECA,
Relatora.
 
RELATÓRIO

Dra. Elaine Maria Canto da Fonseca (RELATORA)

ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE PORTO ALEGRE E REDFACTOR FACTORING E FOMENTO COMERCIAL LTDA interpõem, respectivamente, recursos de apelação contra sentença (fls. 220/229), cujo dispositivo segue abaixo transcrito:
 
“Pelo analisado, ACOLHO a preliminar arguida por BANCO DO BRASIL S/A, de modo a exclui-lo do feito em face à ilegitimidade passiva e, no mérito, julgo PROCEDENTES a Ação Declaratória e a Ação de Sustação de Protesto in­tentadas por ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE PORTO ALEGRE contra BANCO SAFRA S.A e TC SERVIÇOS DE MÃO DE OBRA LTDA e REDFACTOR E FACTORING E FOMENTO COMERCIAL S.A., para, nos termos do art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil, declarar inexistente a dívida que ori­ginou o protesto, protocolado sob o nº 4.689.896.4 (fl. 29 dos autos da ação cautelar), e tornar definitiva a medida liminar concedida.

Sucumbente, arca a autora com o pagamento de um terço das custas processuais da demanda ordinária e com o de metade da caute­lar, assim como com honorários advocatícios à parte excluída que, nos mol­des do §4º do art. 20 do CPC, considerada a natureza dos feitos e o trabalho realizado, estabeleço em R$ 1.000,00 corrigidos pelo IGPM (consideradas as duas demandas).

Condeno a Redfactor Factoring Fomento Mercantil S.A., e a TC Serviços de Mão de Obra Ltda, modo solidário, ao pagamento de dois terços das custas processuais da demanda ordinária, assim como com ho­norários advocatícios à parte autora que, por idênticos critérios, vão fixados em R$ 1.200,00 corrigidos pelo IGPM.

Quanto à cautelar, arca a TC Serviços de Mão de Obra Ltda. com o paga­mento de metade das custas processuais e com verba honorária à autora que, por idênticos critérios, vão estabelecidos em R$ 800,00 corrigidos pelo IGPM.”
 
Foram opostos embargos de declaração (fls. 233/239 e 240/241), dos quais apenas os apresentados pelo Banco Safra foram acolhidos, a fim de ser retificado o nome do Banco que foi excluído do pólo passivo, senão vejamos:
 
“(...) Acolho os embargos interpostos pelo banco Safra (fls. 240/241), para corrigir o erro material e fazer constar no dispositivo da sentença “...a preliminar argüida por Banco Safra S/A ... Parcialmente procedente a declaratória e sustação de protesto, fl. 228 da sentença. (...)”
 
A Associação autora apelou (fls. 244/255), defendendo a legitimidade e responsabilidade do Banco Safra, em função dele ter apontado título em Cartório, que não era protestável. Refere que a Lei apenas autoriza a utilização do boleto bancário para protesto, em casos excepcionais. Entende que a responsabilidade do banco emerge do apontamento de documento não protestável, não importando se ele atuou como mandatário ou endossatário. Aduz que a solução do litígio passa pela legalidade ou regularidade da apresentação do boleto/duplicata por indicação para protesto, e não a condição de mandatário do banco. Impugna o valor dos honorários, aduzindo que eles foram fixados em montante irrisório. Requer o provimento do apelo.

Em razões (fls. 267/278), Redfactor Factoring e Fomento Comercial Ltda. aduziu ter adquirido os títulos mediante endosso translatício oneroso, consubstanciado no contrato de factoring. Alega ter adotado todas as cautelas necessárias para se certificar da legitimidade dos títulos que adquiriu. Afirma possuir o aceite expresso da apelada no título de crédito, não cabendo a anulação do mesmo. Salienta que se a apelada não possuía qualquer negócio, que autorizasse a emissão do título, deveria ter recusado o aceite. Refere que tal circunstância sequer foi analisada pelo Juízo singular, em face da decretação da revelia da ré TC Serviços e Mão de Obra. Requer o provimento do apelo.

As partes apresentaram contrarrazões às fls. 280/289, fls. 290/299 e fls. 302/312

Os autos vieram-me conclusos por redistribuição.

É o relatório, que submeti à douta revisão, com observância dos artigos 549, 551 e 552, todos do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

VOTOS

Dra. Elaine Maria Canto da Fonseca (RELATORA)

Cuida-se de apelações interpostas pelas partes, em face da sentença que, além de não ter reconhecido a legitimidade do banco para responder ao processo, ainda declarou a ilegalidade do protesto.

APELO DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL.

A parte autora recorreu da sentença, alegando que o banco deve ser responsabilizado, porquanto indicou, a protesto, boleto bancário, o qual entende não ser passível de tal ato, por falta de permissivo legal.

Segundo a autora, a discussão nada tem a ver com o fato de o banco atuar como simples mandatário do emitente, mas com a impropriedade do envio de um boleto bancário a protesto, que não pode ser confundido com uma duplicata.

Analisando os autos, verifico que as alegações vertidas no recurso da Associação autora não figuram na petição inicial, não sendo uma das causas de pedir, logo evidenciada está a inovação recursal.

A inovação recursal é vedada pelo nosso ordenamento jurídico, porque importa em alteração da causa de pedir.

“Por inovação entende-se todo elemento que pode servir de base para a decisão do tribunal, que não foi argüido ou discutido no processo, no procedimento de primeiro grau de jurisdição. Não se pode inovar no juízo de apelação, sendo defeso às partes modificar a causa de pedir ou o pedido (nova demanda).”
 
Pela impossibilidade de inovação recursal:
 
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CONTRATOS BANCÁRIOS. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. MULTA CONTRATUAL. INOVAÇÃO RECURSAL. Não merece conhecimento o recurso que pretende o exame de questões que não foram apreciadas no juízo a quo. A pretensão perante o juízo ad quem caracteriza inovação recursal. (...) RECURSO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70057310112, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em 20/03/2014)-grifei-
 
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DECLARATÓRIA E INDENIZATÓRIA. TELEFONIA MÓVEL. PLANO EMPRESARIAL. LEGALIDADE DAS COBRANÇAS E INEXIGIBILIDADE DOS DESCONTOS. RAZÕES DO RECURSO DISSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO. O recurso de apelação deve apresentar fundamentos de fato ou de direito que ataque diretamente a fundamentação da sentença, nos moldes do art. 514, do CPC. A mera interposição do apelo, com razões totalmente dissociadas dos fundamentos específicos da sentença, e que ventila questões que não foram objeto da contestação, não possui força para reformar o provimento judicial. Inovação recursal incabível. (...) NÃO CONHECERAM DE PARTE DO RECURSO DA RÉ E, NA EXTENSÃO EM QUE CONHECIDO, NEGARAM-LHE PROVIMENTO, E DERAM PARCAL PROVIMENTO AO APELO DA AUTORA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70057396525, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 20/03/2014)-grifei-
 
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PERDAS E DANOS. LUCROS CESSANTES. Inovação recursal no que tange ao pedido de indenização por dano moral. Pretensão recursal não conhecida. (...) NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNANIME. (Apelação Cível Nº 70041768185, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 24/10/2013)-grifei-
 
Conforme se vê da petição inicial, a parte autora fundamenta sua ação, no fato de que houve a emissão de duplicatas frias em seu nome e que a responsabilidade do banco reside em ter recebido as duplicatas, sem causa e sem aceite.

Ela, ainda, referiu que, não havendo o aceite nas duplicatas, cabia ao banco averiguar a existência ou não do negócio jurídico subjacente para, só assim, encaminhar o título a protesto.

Em nenhum momento houve a discussão da possibilidade, do cabimento do aponte de um boleto bancário em Cartório; a controvérsia ficou no âmbito da emissão fraudulenta do título, o qual, posteriormente, foi encaminhado à protesto.

Da mesma forma, as alegações da autora, em suas razões recursais, não atacam diretamente a sentença, cujo teor nada refere acerca do cabimento ou não do aponte de um boleto bancário, configurando, assim, verdadeira violação ao disposto no artigo 514, inc. II, do CPC.

Nesse ponto, permito-me destacar trecho da sentença, que bem esclarece o que acabei de referir:
 
“(...) Pois bem, a questão em comento possui seu cerne na existência ou não de causa subjacente da duplicata mercantil levada a protesto.”
 
Outrossim, ainda que se pudesse conhecer das alegações da autora, a ausência de responsabilidade do banco permaneceria intacta, em função do endosso-mandato, devidamente reconhecido na sentença.

Cumpre referir que o afastamento da legitimidade do banco, pela Juíza singular, foi correto e, exatamente, nos termos da causa de pedir.

Assim, não conheço do apelo interposto pela parte autora, na medida em que ele apresenta inovação recursal e razões dissociadas da sentença.

RECURSO REDFACTOR FACTORING E FOMENTO COMERCIAL LTDA.

A ré Redfactor alega que não pode ser penalizada, porquanto adotou todas as cautelas necessárias ao receber o título, em operação de factoring, além de a autora ter aposto seu aceite no mesmo.

Referiu, ainda, ter notificado a autora sobre a cessão de créditos e que, se ela não concordasse, deveria ter recusado o aceite, o que não fez, circunstância que, sequer, foi considerada pelo Juízo singular, em face da decretação da revelia da corré TC Serviços de Mão de Obra Ltda.

À ré assiste razão, apenas, no que diz respeito à necessidade de análise de suas alegações e documentos, ainda que a corré tenha tido sua revelia decretada, pois, nos termos do artigo 320, I, do CPC, a revelia não induz o efeito de presunção de veracidade dos fatos se, havendo pluralidade de réus, um deles contestar a ação, exatamente a hipótese dos autos, em que a ré Redfactor contestou.

Quanto ao mérito propriamente dito, adianto que não há como ser provido o recurso.

A ré recebeu a duplicata, através do contrato de fomento mercantil, onde houve verdadeira cessão de direitos sobre o mesmo, de modo que, com a transferência da propriedade, era ônus da faturizadora se munir de todos os elementos comprobatórios da relação comercial, que deu origem à emissão da cártula, sob pena de, não comprovando a relação originária, responder pelos prejuízos causados ao sacado do título.

Neste sentido:
 
“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUES. OPERAÇÃO DE FACTORING. AJUIZAMENTO DA AÇÃO DIRETAMENTE CONTRA A FATURIZADA. AUSÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. ASSUNÇÃO DOS RISCOS PELA EMPRESA DE FOMENTO MERCANTIL. Na operação de factoring, cessão onerosa de crédito em que a empresa faturizadora adquire créditos da faturizada, remunerada por elevada comissão, assume aquela os riscos que envolvem o negócio, inclusive aqueles ligados à liquidação do crédito. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. UNÂNIME.”. (Apelação Cível Nº 70047032685, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 19/04/2012) (grifo nosso).
 
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE PROIBIÇÃO DE PROTESTO. CESSÃO DE CRÉDITO. FACTORING. CAUSA DEBENDI. Na operação de factoring o endosso não é cambial, mas, sim, caracteriza a cessão de crédito. O faturizador adquire créditos da faturizada, não havendo transferência cambiária, tornando possível a verificação da causa debendi. Exigência da notificação, nos termos do artigo 290, do Código Civil. Empresa de factoring que deve, previamente ao ajuste, certificar-se da certeza e origem do crédito, bem como da validade do negócio jurídico que lhe deu origem, sob pena de não o fazendo, sujeitar-se aos riscos inerentes ao contrato de factoring. No caso concreto, a ausência de causa debendi, foi reconhecida expressamente pela empresa que negociou as cártulas com a facturizada. Oponíveis as exceções pessoais que caberiam frente ao endossante. Inteligência do artigo 294, do Código Civil. Inexigibilidade do crédito representado nos cheques a ensejar na proibição do protesto e na nulidade dos títulos. Reformada a sentença. Invertida e redimensionada a sucumbência. DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.”. (Apelação Cível Nº 70039895370, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson José Gonzaga, Julgado em 10/11/2011) (grifo nosso).
 
“APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CHEQUES. TRANSFERÊNCIA MEDIANTE CESSÃO DE CRÉDITO. OPERAÇÃO DE FACTORING. DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI. Na operação de faturização, não há endosso, mas cessão de crédito, pois o faturizador assume o risco sobre o recebimento, podendo, em relação a ele, ser oposta exceção que caberia frente ao beneficiário originário. Comprovada a não concretização do negócio subjacente, porquanto não houve o cumprimento da obrigação pela cedente do título para com a autora, resta afastada a liquidez e autonomia do título. Sentença mantida. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.”. (Apelação Cível Nº 70027943125, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, Julgado em 03/03/2011) (grifo nosso).
 
Para o protesto de uma duplicata, há duas situações a serem observadas:

a) se ela não contiver o aceite do sacado, o apresentante deve apresentar no Cartório, no momento do aponte, a prova do negócio jurídico subjacente, consistente na cópia da nota fiscal e no comprovante de entrega da mercadoria;

b) se a duplicata contiver aceite, basta a apresentação do título, pois no momento em que firmou o documento, assumiu a obrigação de pagar o título na data do vencimento, independentemente da prova do negócio jurídico, pois o aceite confere abstração à cártula.

A respeito disto:
 
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DUPLICATA ACEITA. CAUSA DEBENDI. REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7. IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL DADO EM HIPOTECA PARA GARANTIR DÍVIDA DE TERCEIRO. NÃO APLICAÇÃO DA EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 3º, INCISO V, DA LEI N. 8.009/90.
1. A discussão acerca da causa debendi subjacente à emissão de duplicata mercantil encontra óbice na Súmula 7/STJ. Ademais, a jurisprudência da Casa vem afirmando, de forma reiterada, que, havendo aceite, de regra, o aceitante se vincula à duplicata, afastada a possibilidade de investigação quanto ao negócio causal.
2. O caráter protetivo da Lei n. 8.009/90 impõe sejam as exceções nela estabelecidas interpretadas restritivamente. Nesse sentido, a exceção prevista no inciso V do artigo 3º da Lei 8.009/90 abarca somente a hipoteca constituída como garantia de dívida própria do casal ou da família, não alcançando aquela que tenha sido constituída em garantia de dívida de terceiro.
3. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 997.261/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/03/2012, DJe 26/04/2012)-grifei-
 
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ANULATÓRIA DE TÍTULO CAMBIAL CUMULADA COM CANCELAMENTO DE PROTESTO. FACTORING. DUPLICATA ACEITA. IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DA CAUSA SUBJACENTE. LIQUIDEZ DA DÍVIDA MENCIONADA NA CÁRTULA. REGULARIDADE DO PROTESTO DO TÍTULO NÃO QUITADO NA DATA DO SEU VENCIMENTO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ VERIFICADA. Não cabe a perquirição da causa debendi quando a duplicata fora aceita. O aceite da duplicata afasta a alegação de não recebimento da mercadoria, ou de entrega da mercadoria em desacordo com o pedido. Assim, firmada a assinatura do sacado no título, reconhecida está a obrigação de pagá-lo. No caso, todavia, não tendo sido quitada a duplicata na data do seu vencimento, regular o protesto, o qual pretende o autor, desarrazoadamente, ver cancelado. No mais, tentativa inexitosa da autora em desqualificar as provas acostadas pela ré. Contexto dos autos (contradições, pouca credibilidade da autora e documentos juntados pela demandada), que impõe a manutenção da sentença de improcedência da ação e condenação da demandante às penas da litigância de má-fé. À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. (Apelação Cível Nº 70016883449, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, Julgado em 12/03/2009)-grifei-
 
No caso em tela, porém, quem deu o aceite foi Juarez Lampert (fl. 159), que, pelos documentos contidos nos autos, não detinha poder para fazê-lo.
Conforme o artigo 39, V, do Estatuto Social (fls. 19/27), os atos, contratos e documentos que representam obrigações para a Associação devem ser assinados pelo seu Presidente, conjuntamente com o 1º Tesoureiro ou membro da Diretoria.

Cumpre referir que o Sr. Juarez, ao que se vê do teor da Denúncia oferecida pelo Ministério Público (fls. 62/75), aproveitou da confiança, que gozava junto à Associação autora, no período em que prestava serviço de gerenciamento da área financeira, e firmou contratos com a corré revel, TC Serviços de Mão de Obra Ltda., dando aceite nas duplicatas correspondentes, emitidas pelo sócio da empresa TC.

Uma vez que o aceite foi emitido fraudulentamente, só restava à Redfactor comprovar a relação jurídica subjacente, o que não fez, limitando-se a apresentar a Declaração, acostada à fl. 160, em que a TC Serviços informava estar na posse da documentação, que gerou a emissão da duplicata, comprovando, desta forma, que o título foi aceito pela factoring, sem as devidas precauções e, por isso, deve ser mantida a responsabilidade desta.

A par da responsabilidade, cito os seguintes precedentes:
 
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PROTESTO LASTRADO EM DUPLICATA EMITIDA COM BASE EM NEGÓCIO JURÍDICO INEXISTENTE. FRAUDE, INCLUSIVE NO ACEITE. ENDOSSO-TRANSLATIVO. LEGITIMIDADE DO ENDOSSATÁRIO PARA INTEGRAR O PÓLO PASSIVO DA DEMANDA EM APREÇO. CLÁUSULA CONTRATUAL DO BORDERÔ DE DESCONTOS QUE DISPENSAVA A REALIZAÇÃO DE PROTESTO (CASO CONCRETO). DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. Responsabilidade Civil. A licitude do protesto da duplicata mercantil, por falta de pagamento, passa pela análise de dois elementos: existência de aceite do sacado no corpo do título, o que confere à cártula abstração em relação à negociação que deu origem ao saque, ou, ainda, que sejam apresentados documentos que comprovem a ocorrência da relação originária. Em não sendo demonstrados tais elementos, deve de ser considerado ilícito o aponte por falta de pagamento, hipótese esta configurada no caso vertente. Caso, ainda, que restou evidenciada falsificação de assinatura, de endereço, e a existência de cláusula contratual que dispensava o protesto por parte do banco. Dano Moral. O mero protesto de título cambial baseado em negócio jurídico inexistente constitui afronta ao direito da personalidade do sacado, consubstanciada na indevida associação do nome deste à imagem de pessoa ímproba e não cumpridora das obrigações assumidas. Quantum Indenizatório. A verba indenizatória fixada na sentença merece ser majorada, atendendo às circunstâncias fáticas do caso em exame. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. RECURSO ADESIVO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70016731796, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 06/03/2008)-grifei-
 
Cumpre referir que tramitam e tramitaram vários outros processos idênticos, movidos pela Associação autora, nos quais, igualmente, não houve demonstração da causa jurídica subjacente.

A título ilustrativo, cito dois precedentes, dos quais o Acórdão 70042478149 envolve as mesmas partes do recurso em exame:
 
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. NULIDADE DE DUPLICATA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO ENDOSSATÁRIO. DUPLICATAS EMITIDAS SEM CAUSA SUBJACENTE. 1 - O Banco endossatário que recebeu o título apenas para cobrança é parte passiva ilegítima na demanda em que se busca a declaração da inexistência de dívida. A modalidade de endosso-mandato não transfere a propriedade do título ao endossatário, mas tão somente a sua posse. Jurisprudência pacífica da Câmara. 2 - De acordo com a Lei nº 5.474/68, a duplicata é um título de crédito formal e causal, só podendo ser extraída se fundada num crédito decorrente de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços, a partir da emissão da respectiva fatura. Caso em que as demandadas (credora originária e endossatária) não comprovaram o negócio subjacente. Ausente causa debendi, o encaminhamento das duplicatas a protesto se mostrou indevido APELAÇÕES DESPROVIDAS. (Apelação Cível Nº 70042478149, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira Rebout, Julgado em 05/12/2013)
 
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. TÍTULOS DE CRÉDITO. ENDOSSO SEM ACEITE. PROTESTO INDEVIDO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. NÃO COMPROVAÇÃO DA CAUSA DEBENDI. PROCEDÊNCIA DA DEMANDA. POR UNANIMIDADE, EM JUÍZO DE RETRATAÇÃO (ART. 543-C, § 7º, INCISO II, CPC), NEGARAM PROVIMENTO A AMBOS OS APELOS. (Apelação Cível Nº 70036923449, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angelo Maraninchi Giannakos, Julgado em 30/05/2012)
 
No último precedente colacionado, em que pese conste, na ementa, endosso sem aceite, a situação retratada é a mesma da que estamos diante, conforme demonstra a transcrição do seguinte trecho do voto do Eminente Relator:
 
“(...) Compulsando os autos, se verifica que a duplicata protestada (fl. 94) está sem data de aceite e sua autentificação cartorial é posterior ao processamento da mesma junto ao Banco do Brasil, conforme se extrai do boleto bancário da fl. 34, onde consta que a duplicata foi repassada ao banco sem aceite.
Ainda, destaco que o suposto aceitante, Juarez Lampert, não suficiente não detenha poderes para aceitar a duplicata em comento (...).”-grifei-
 
Assim, a prova colacionada aos autos, não permite que seja acolhida a tese da empresa Redfactor, a fim de afastar a sua responsabilidade.

Por fim, nenhum reparo há de ser feito na fixação da verba honorária, já que foram observados os ditames contidos no artigo 20, §§3º e 4º, do CPC e, em que pese não ter havido condenação, o valor deve ser mantido, especialmente pelo tempo de tramitação do feito, já que as ações foram propostas em 2005.

Ante o exposto, o voto é no sentido de não conhecer do apelo interposto pela autora e em negar provimento ao apelo da ré.

É como voto.
 
Des. João Moreno Pomar (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Heleno Tregnago Saraiva - De acordo com o(a) Relator(a).
 
DES. JOÃO MORENO POMAR - Presidente - Apelação Cível nº 70042487066, Comarca de Porto Alegre: "NÃO CONHECERAM DO APELO DA AUTORA E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DA RÉ. UNÂNIME."
  
Julgador(a) de 1º Grau: DRA CLAUDIA MARIA HARDT
 
[1] Código de Processo Civil Comentado, 10ª edição, p. 861.