TJPR - FACTORING - CHEQUE - SOMENTE PROVA IRREFUTÁVEL DE VÍCIO PODE TORNÁ-LO NULO -

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1055096-2, DE CIANORTE - 1ª VARA CÍVEL APELANTE : J. P. BENDER NETTO E CIA LTDA. APELADO : JURANDIR ANTÔNIO PAULINO RELATOR : DES. LUÍS CARLOS XAVIER APELAÇÃO CÍVEL ­ EMBARGOS À EXECUÇÃO ­ IMPROCEDÊNCIA. APELO DO EMBARGANTE ­ 1. EXECUÇÃO DE CHEQUES - ALEGAÇÃO DE PRÁTICA DE AGIOTAGEM NÃO EVIDENCIADA ­ AUSÊNCIA DE PROVAS ­ 2. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ­ MINORAÇÃO ­ POSSIBILIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A simples alegação de prática de agiotagem, sem comprovação, não tem o condão de dispensar o devedor do adimplemento. 2. O cheque é título executivo extrajudicial por definição legal, e como tal, somente prova irrefutável de vício de origem ou abusividade de preenchimento, teria o condão de torná-lo nulo, o que não ocorreu neste caso.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1055096-2, de Cianorte - 1ª Vara Cível, em que é Apelante J.P. Bender Netto e Cia Ltda. e Apelado Jurandir Antônio Paulino.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo autor J.P. Bender Netto e Cia Ltda. contra a sentença (fls.159/161) proferida nos embargos à ação de execução de título extrajudicial nº. 721/2009, que julgou improcedentes os pedidos, extinguindo o feito com julgamento do mérito (art. 269, I do CPC), condenando o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais), nos termos do artigo 20, § 4º do Código de Processo Civil.

O apelante J. P. Bender Netto e Cia Ltda, inconformado com a sentença, interpôs recurso de apelação (fls.
164/172) alegando, haver prática de agiotagem no presente caso, no qual o apelado exigiu a cobrança de juros sobre juros, além de exigi-los acima do máximo permitido.

Aduz ainda, que os títulos que embasam a ação são originários de ato ilícito, provenientes da prática de agiotagem, sendo que os documentos encartados nos autos demostram o pagamento de juros no decorrer da relação.

Sustenta que, ante todas as provas produzidas, bem como os pagamentos, aliada, ainda, a prova testemunhal produzida, vislumbra-se que os embargos merecem acolhimento.

Afirma que os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% do valor da condenação, por se tratar de matéria eminentemente de direito, dispensando-se a dilação probatória.

Com base em tais argumentos, requer seja conhecido e provido o recurso.

O Apelado Jurandir Antônio Paulino apresentou contrarrazões (fls. 175/185), refutando todas as alegações do apelante, requerendo o desprovimento do recurso.

No presente feito não houve a interposição de agravo retido nem de recurso de apelação adesivo.

É o relatório.

VOTO

Presente os pressupostos de admissibilidade é de se conhecer o recurso.

O recurso é parcialmente procedente.

DA NULIDADE DO TÍTULO

Sustenta o apelante que a relação jurídica existente entre as partes esta caracterizada pela agiotagem, razão pela qual deve ser declarada nulidade do título executivo.

Entretanto, não merece acolhida a insurgência do apelante.

Inicialmente deve ser destacado que a embargante, ora apelante, não negou o débito, limitou-se apenas a questionar o excesso, supostamente decorrente de agiotagem, que teria levado ao valor excessivo estampado nos cheques executados.

No entanto, é de se ressaltar que a simples alegação de prática de agiotagem não tem o condão de dispensá-lo do adimplemento dos cheques de fls. 76.

Ademais, o cheque é título executivo extrajudicial por definição legal, e como tal, somente prova irrefutável de vício de origem ou abusividade de preenchimento, teria o condão de torná-lo nulo, o que não ocorreu neste caso.

Nesse sentido, ao tratar, especificamente, do cheque, a Lei nº 7.357, de 02 de setembro de 1985, assim disciplina, em seu artigo 13, que as obrigações contraídas no cheque são autônomas e independentes.

Ademais, tratando-se, o cheque de título autônomo, ordem de pagamento à vista, e não existindo qualquer liame restritivo à sua emissão, por certo que ele deve ser considerado líquido e exigível, sendo irrelevante qualquer discussão acerca de sua origem.

Assim, verifica-se que ao apelado Jurandir Antônio Paulino, assiste o direito de exigir o pagamento do crédito nele declarado, não havendo que se falar em ausência de exigibilidade ou nulidade do cheque.

A partir daí, passa ao apelante o cumprimento do art.
333, II do CPC, cabendo a si o ônus de provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, no caso do exequente.

Com efeito, o ônus da prova é o que se espera da parte interessada em comprovar as suas alegações, logo, quedando-se inerte ou não se desincumbindo suficientemente, não pode esperar julgamento favorável.

Ainda, no presente caso não foram trazidos aos autos comprovação da agiotagem e da cobrança de juros acima do legalmente permitido. Além disso, a agiotagem caracteriza-se pela prática de mútuo com a cobrança de juros exorbitantes.

Assim, por consistir em ato ilícito, não se permitiria a cobrança de valores contraídos nestas circunstâncias, porém, repita-se, no presente caso não restou comprovada tal prática, pelo que exigíveis os valores representados pelos cheques executados.

Quanto a prova emprestada dos autos 931/2009, no que diz respeito ao depoimento pessoal do embargante testemunhas (CD encartado as fls.198), verifica-se do depoimento de Ozeas Aguilar de Souza, testemunha arrolada pelo apelante, que o mesmo respondeu que os cálculos, movimentações e a própria emissão dos cheques eram realizados na própria empresa do apelante, o que leva a conclusão de que sendo a própria empresa quem calculava os valores e emitia os cheques por certo não efetuaria referidos cálculos utilizando-se de taxas de juros exorbitantes, tal como alega a apelante.

Já o representante legal da apelante/embargante Valdecir Domingos Testa esclarece que na empresa não se faziam empréstimos, mas sim descontos de duplicatas e cheques para terceiros, tanto para pessoas físicas como para jurídicas e que os juros cobrados eram variáveis, restando em torno de 1% (um por cento) entre a captação e a aplicação.

Ainda, segundo a testemunha Silvio Roes, também arrolada pelo apelante, detém-se que as vésperas do fechamento da empresa, captava-se recursos de terceiros.

Em que pese tais declarações, observa-se que a apelante tem o objetivo de factoring, mas estava desvirtuando-se de sua finalidade. A propósito, consignou a sentença: "Assente-se, inicialmente, que a empresa embargada tem objetivo de factoring, mas que estava desviando-se de tal mister ao confessar, por meio de seu sócio, que efetivamente captava recursos com terceiros em verdadeiro contrato de mútuo feneratício e não mera cessão de crédito com apresentação de título de terceiros para desconto. E do depoimento pessoal do embargante se extrai exatamente que esta hipótese ocorreu, já que captou recursos junto ao embargado para aplicar em sua empresa, em total desacordo com seu objetivo social."

Desta feita, restou comprovado nos autos que os cheques executados correspondem a obrigação líquida, certa e exigível, não restando comprovado que os valores estampados nos mesmos tiveram origem em razão de prática de agiotagem.

Nesse sentido é a jurisprudência:

"APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CHEQUE.PRÁTICA DE AGIOTAGEM NÃO DEMONSTRADA.CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. REDUÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 01. A prova de que o débito é decorrente de agiotagem é ônus da parte que alega, ônus este do qual não se desincumbiu a contento o ora apelante.02. A alegação de anatocismo está isolada nos autos, não havendo qualquer elemento indicando sua cobrança.03.Redução do quantum fixado a título de honorários advocatícios. Apelação cível parcialmente provida." (TJPR, AC 1078911-2, 16ª C.Cível, Cianorte , Rel. Paulo Cezar Bellio, Unânime, J. 23.10.2013).

Por essas razões, ante a fragilidade das provas apresentadas pelo ora apelante acerca da ocorrência de agiotagem, deve prevalecer a presunção legal do título, o qual goza de abstração e literalidade.

DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

O apelante afirma que a condenação no valor total de R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais) a título de honorários mostra-se extremamente exagerada, frente ao tipo de ação e ao trabalho realizado pelo advogado do autor.

Com razão.

As alíneas do § 3º do art. 20 do CPC estabelecem que a fixação dos honorários seja realizada conforme o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo para o seu serviço.

Na hipótese, verifica-se que o arbitramento dos honorários não atendeu aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, bem como, pelo critérios colocados no artigo 20, §§ 3º e 4º do CPC, afinal, trata-se de demanda de reduzida complexidade, que exigiu a prática de poucos atos processuais, uma vez que não houve dilação probatória em audiência, nem tão pouco produção de provas técnicas.

Desta forma, entendo por minorar o valor fixado a título de honorários advocatícios devidos aos patronos da parte Apelada para R$ 8.000,00 (oito mil reais), suficiente para remunerar de forma adequada os serviços prestados, diante das circunstâncias fáticas do caso, restando vencida a Desembargadora Lenice Bodstein, que lavra voto em separado.

Nestas condições, dá-se parcial provimento ao recurso, tudo nos termos da fundamentação.

ANTE O EXPOSTO, acordam os Desembargadores integrantes da Décima Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por maioria de votos, em dar parcial provimento ao recurso, restando vencida a Desembargadora Lenice Bodstein que lavra voto em separado.

O julgamento foi presidido pela Senhora Desembargadora Rosana Andriguetto de Carvalho (sem voto) e dele participaram a Senhora Desembargadora Lenice Bodstein e o Senhor Desembargador Eduardo Sarrão.

Curitiba, 09 de julho de 2014.

Des. Luís Carlos Xavier ­ Relator

Des. Lenice Bodstein ­ Vencida, com declaração de voto