TJRS - REVISIONAL FACTORING - NÃO APLICABILIDADE CDC - MULTA PODERÁ SER SUPERIOR A 2% - NÃO COBRANÇA DE JUROS REMUNERATÓRIOS - COBRANÇA FATOR DE DESÁGIO

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA. DÉBITO ORIUNDO DE CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. 1. Revisão de contratos extintos que é admitida. A Súmula 286, do STJ, pacificou entendimento no sentido de que a renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores. Destarte, não há óbice à revisão judicial de contrato extinto, inclusive na via dos embargos, a efeito de apurar eventuais irregularidades na avença, com a finalidade de evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes contratantes, em detrimento da outra. 2. Indemonstrada a cobrança de encargos abusivos. 3. Em operação de factoring não há que se falar em aplicação de juros. A remuneração da faturizadora advém do denominado "fator de compra", consistente na diferença entre o preço de compra e o valor nominal dos títulos, na modalidade de deságio. 4. Juros moratórios fixados em 1% ao mês, não comportando alteração. 5. Multa moratória mantida no patamar fixado, porquanto não sujeita à limitação imposta pelo CDC, que é inaplicável à espécie.
Apelação parcialmente provida.
 
Apelação Cível
Vigésima Câmara Cível
Nº 70050367093 (N° CNJ: 0343301-94.2012.8.21.7000)
Comarca de Nova Prata
KENDY MOVEIS LTDA
APELANTE
SEVEN STONE FOMENTO MERCANTIL LTDA
APELADO
LINO MURARO
INTERESSADO
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Carlos Cini Marchionatti (Presidente) e Des.ª Walda Maria Melo Pierro.

Porto Alegre, 11 de junho de 2014.
 
DES. GLÊNIO JOSÉ WASSERSTEIN HEKMAN,
Relator.
 
RELATÓRIO
Des. Glênio José Wasserstein Hekman (RELATOR)

Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por KENDY MÓVEIS LTDA. contra sentença de fls. 172/178v dos autos, que julgou procedentes em parte os embargos à execução opostos em desfavor de SEVEN STONE FOMENTO MERCANTIL LTDA., para desconstituir a penhora havida sobre o pavilhão industrial nº 03, do Distrito Industrial, com seu respectivo terreno, descrito no Auto de Penhora da fl. 32 da execução em apenso, nos termos da fundamentação. Outrossim, considerando a sucumbência mínima da parte embargada (art. 21, parágrafo único, do CPC) condenou os embargantes ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios do patrono da embargada, estes fixados em R$ 1.500,00, corrigidos, a contar da sentença, pelo IGP-M, e com juros legais da citação.

Em suas razões de recurso (fls. 207/211), a embargante sustenta o cabimento da revisão dos contratos que deram origem à dívida. Entende pela aplicação do CDC à espécie. Defende a redução dos juros para 1% ao mês e a aplicação de multa de no máximo 2%. Defende que sejam afastados todos os encargos que tenham sido aplicados acima dos parâmetros legais. Pede o provimento para a reforma da sentença vergastada.

Tempestivo e preparado, o apelo foi recebido no seu duplo efeito (fl. 213).

Contrarrazões ofertadas às fls. 217/226, pugnando, a apelada, pelo desprovimento do apelo.

Os autos foram remetidos para esta e. Corte de Justiça e, depois de distribuídos,vieram-me conclusos para julgamento (fl. 236).

Registro, por fim, que tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos para observância dos ditames dos arts. 549, 551 e 552 do CPC foram simplificados, mas observados na sua integralidade.

É o relatório.

VOTOS
Des. Glênio José Wasserstein Hekman (RELATOR)

Eminentes Colegas. Conheço do apelo, eis que preenchidos os seus pressupostos de admissibilidade recursal.

Inicialmente, impende consignar que a Súmula 286, do STJ, pacificou entendimento no sentido de que a renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores. Destarte, não há óbice à revisão judicial de contrato extinto, inclusive na via dos embargos, a efeito de apurar eventuais irregularidades na avença, com a finalidade de evitar o enriquecimento sem causa de uma das partes contratantes, em detrimento da outra.

Acerca do tema, os precedentes desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. REVISÃO DE TODA CADEIA CONTRATUAL. IMPOSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. AUSENTE OS CONTRATOS QUE RESULTARAM NO DÉBITO OBJETO DA COMPOSIÇÃO DE DÍVIDA. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. POSSIBILIDADE. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA NO CASO CONCRETO. MORA. OCORRÊNCIA. ENCARGOS DEVIDOS. I. Revisão de contratos extintos: Conforme posição consolidada no STJ, é possível a revisão de contratos bancários já extintos em razão de novação de dívida, para que se analisem eventuais ilegalidades ou abusividades nos contratos anteriores, inclusive em embargos à execução, consoante Súmula n. 286 do STJ. (...) À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DA EMBARGANTE E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DO EMBARGADO. (Apelação Cível Nº 70040151953, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 06/10/2011)
 
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATOS DE EMPRÉSTIMOS E DE ABERTURA DE CONTA-CORRENTE. EXTENSÃO DA REVISÃO. CONTRATOS NOVADOS. POSSIBILIDADE, NO CASO. Os pactos novados, findos ou quitados, via-de-regra, não podem ser revisados, pena de comprometimento da segurança jurídica. Verificada, porém, a ocorrência de abusividade e/ou ilegalidade, torna-se possível a revisão desde o início da relação negocial, a fim de se afastar, também, a antijuridicidade que maculou as avenças anteriores. Entendimento pacificado no Egrégio STJ. (...) DERAM PARCIAL PROVIMENTO A AMBOS OS RECURSOS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70041254210, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 28/04/2011)
 
APELAÇÕES CÍVEIS. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO JULGADOS PARCIALMENTE PROCEDENTES. CARÊNCIA DE AÇÃO POR AUSÊNCIA DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Instrumento Particular de Confissão, Composição de Dívida Forma de Pagamento e Outras Avenças. Documento particular assinado pelo devedor e duas testemunhas. Título executivo extrajudicial líquido, certo e exigível previsto no art. 585, inc. II, do CPC. Preliminar afastada. EMBARGOS DO DEVEDOR. REVISÃO DOS CONTRATOS ANTERIORES. Em conformidade com o enunciado da Súmula 286 do STJ, e o disposto no art. 745, V, do CPC, é possível a revisão de toda a relação contratual na via dos embargos do devedor, especialmente quando o título executivo tratar-se de contrato de renegociação ou confissão de dívida. REJEITARAM A PRELIMINAR E PROVERAM O APELO DOS EMBARGANTES PARA DESCONSTITUIR A SENTENÇA. PREJUDICADO O APELO DO EMBARGADO. (Apelação Cível Nº 70027672302, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 24/11/2010)
 
No tocante à relação contratual que vigorou entre as partes litigantes, anteriormente à confissão de dívida objeto da execução, restou demonstrado nos autos que se consubstanciava em contrato de fomento mercantil e aditivos (fls. 84/93v), firmado em agosto de 2005. Em virtude de tal contrato, entabularam as partes instrumento particular de confissão de dívida de fls. 31/34.

Como se vê, a dívida em questão é oriunda de operação de faturização (contrato de fomento mercantil). Como o contrato de factoring possui natureza mercantil, pois versa sobre compra e venda de ativos financeiros, e a empresa faturizadora não pode ser considerada instituição financeira, não se cogita da aplicação das normas atinentes aos negócios jurídicos bancários, nem mesmo do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, sendo inviável a revisão do contrato nos termos pretendidos.

Nesse sentido:
 
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. REVISÃO DE CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. INAPLICABILIDADE DO Código de Defesa do Consumidor. JUROS MORATÓRIOS E CLÁUSULA PENAL. ABUSIVIDADE NÃO COMPROVADA.
1. OPERAÇÕES DE FOMENTO MERCANTIL OU FACTORING. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Em se tratando de empresa que opera no ramo de factoring, ela não integra o Sistema Financeiro Nacional, de modo que não poderá ser aplicado a esse tipo de pessoa jurídica as normas relativas aos negócios jurídicos bancários, nem o Código de Defesa do Consumidor. Ora, o cliente da empresa faturizadora no contrato de fomento mercantil (cessão de crédito) “apresenta-se como tomador de recursos para fomentar sua empresa, ou seja, para ser empregado em sua atividade ou cadeia produtiva (linha de produção, montagem, transformação de matéria-prima, aumento de capital de giro e pagamento de fornecedores) que não se enquadra como consumidor ou destinatário final”. Logo, a relação entre o faturizador e o faturizado tem natureza mercantil, e não de consumo – o que inviabiliza a incidência das normas consumeristas a esse tipo de negócio jurídico.
APELAÇÃO DESPROVIDA.
(Apelação Cível Nº 70025411794, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 17/12/2008). Grifo nosso.
 
Ademais, da análise dos documentos constantes nos autos não deflui a alegada abusividade e ilegalidade dos encargos contratuais.

Sabidamente, não se aplicam juros nos contratos de factoring. A remuneração da faturizadora advém do chamado “fator de compra”, consistente na diferença entre o preço de compra e o valor nominal dos títulos. Trata-se, pois, de um deságio, sem natureza de juros, justamente porque tal modalidade contratual não constitui um negócio jurídico bancário.

Quem recebe os títulos para faturizar, assumindo os riscos inerentes à transação, possui o direito de cobrar pelo serviço e, no caso dos autos, não há qualquer prova de que o deságio tenha sido exorbitante.

Outrossim, oportuno transcrever, acerca do tema, parte da fundamentação exarada pelo eminente Des. Pedro Celso Dal Prá, no julgamento da apelação cível n° 70022619761:
 
(...)
De outro lado, ainda que eventualmente o fator de compra mensal (deságio verificado no mês) supere 1%, o contrato não é abusivo ou eivado de nulidade, porque não se pode perder de vista que repousa justamente neste percentual a remuneração da empresa de factoring, na qual está inserta não só a remuneração pela prestação do serviço, como, também, os encargos, as despesas advindas da futura obtenção do crédito junto ao devedor originário do título, assim como os riscos assumidos pela faturizadora.

Não se vê, assim, ilegalidade na contratação, devendo preponderar o princípio segundo o qual o contrato faz lei entre as partes, obrigando-as ao seu cumprimento (pacta sunt servanda).
(...)
 
Os juros moratórios, estipulados em 12% ao ano no instrumento de confissão de dívida (fl. 33, cláusula 5ª, parágrafo único, II), estão em conformidade com o art. 5° do Decreto n° 22.626/33 (Lei da Usura) e com o art. 406 do Código Civil c/c o art. 161, § 1°, do Código Tributário Nacional.

A multa moratória não fica adstrita ao patamar previsto no Código de Defesa do Consumidor (2%), que é inaplicável à espécie, como visto acima. Sendo assim, nada há a alterar na estipulação contratual, inicialmente prevista em 10%, no termo de confissão de dívida (fl. 33, cláusula 5ª, parágrafo único, III).

Destaca-se as considerações exaradas em julgado da c. 19ª Câmara Cível (apelação cível n° 70025199357), de relatoria do eminente Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior, quanto à liberdade contratual na fixação da multa, em casos como o presente:
(...)

MULTA CONTRATUAL.

A multa de 10% fixada no contrato vai mantida, haja vista, como acima se assentou, não incidir o Código de Defesa do Consumidor em tal espécie de contrato e haver liberdade contratual a respeito.
(...)
 
Ante o exposto, dou parcial provimento ao apelo, apenas para declarar que a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores, mas que, no caso sob análise, não se constatou qualquer ilegalidade ou abusividade em suas cláusulas.

Sem alteração na sucumbência.
 
Des.ª Walda Maria Melo Pierro (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Carlos Cini Marchionatti (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).
 
DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI - Presidente - Apelação Cível nº 70050367093, Comarca de Nova Prata: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."
 
Julgador(a) de 1º Grau: PAULO MENEGHETTI