TJRS - CDC - FACTORING - NÃO APLICABILIDADE

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FACTORING. APLICAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INOCORRÊNCIA. Preliminar. Inepcia da Inicial. Preenchidos os requisitos estabelecidos pelo artigo 282, do Còdigo de Processo Civil, não há que se falar em inépcia da exordial da demanda executiva. Preliminar rejeitada. Defeito na representação processual. Inexiste regramento que determine a juntada de contrato social atualizado aos autos, para fins de regularização de representação processual de pessoa jurídica, a possibilitar o acolhimento da preliminar suscitada. Preliminar rejeitada.

Mérito.

Tratando-se, a contenda, de valores objeto de cobrança implementada por empresa de factoring, não há que se falar em aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor, nem tampouco de capitalização de juros.

Nos contratos firmados com empresa de faturização, inexiste a cobrança de juros remuneratórios, mas apenas de valores decorrentes do deságio, inerente ao tipo de operação entabulada. 

Excesso de execução não demonstrado.
 
RECURSO DESPROVIDO.
 
Apelação Cível

Décima Sexta Câmara Cível

Nº 70056232374 (N° CNJ: 0347864-97.2013.8.21.7000)

Comarca de Vacaria

LEONEL BORGES DE LIMA - APELANTE

VACARIA ASSESSORIA CREDITICIA LTDA - APELADO
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar as preliminares, e negar provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. Ergio Roque Menine (Presidente e Revisor) e Des. Paulo Sergio Scarparo.
Porto Alegre, 19 de dezembro de 2013.
 
 
DESA. CATARINA RITA KRIEGER MARTINS,
Relatora.
 
RELATÓRIO
Desa. Catarina Rita Krieger Martins (RELATORA)
Objeto. Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por LEONEL BORGES LIMA, nos autos dos Embargos à Execução opostos em desfavor de VACARIA ASSESSORIA CREDITÍCIA LTDA. 
Sentença recorrida. A sentença recorrida, da lavra da Dra. CARINA Paula Chini Falcão, Juíza de Direito da 2ª. Vara Cível da Comarca de Vacaria, foi proferida nos seguintes termos (fl. 426/428):
[...]
ANTE O EXPOSTO, com base no art. 269, I, do CPC, julgo IMPROCEDENTE o pedido deduzido nos embargos.
Condeno o embargante ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios devidos ao procurador da embargada, que vão fixados em R$ 850,00, considerando a natureza da demanda e o trabalho desenvolvido pelo profissional, nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, garantida a AJG.
Com o trânsito em julgado, traslade-se cópia da presente decisão para o respectivo feito executivo.
Após, arquive-se com baixa.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
 
Razões Recursais. A parte embargante, ora apelante, alega que:
- o feito deve ser extinto, por ausência de pressuposto processual, considerando que a exequente/embargada não colacionou aos autos seu contrato social;
- há inépcia da inicial da execução, porquanto os fatos que deram ensejo à demanda executiva não foram explicitados  a contento, pela parte adversa;
-  se aplicam, ao caso em testilha, as disposições constantes no Código de Defesa do Consumidor, a possibilitar, portanto, a revisão dos encargos inseridos nos títulos;
- os juros remuneratórios aplicados ao cálculo do valor exeqüendo se afiguram abusivos, merecendo limitação de 12% ao ano;
- a capitalização mensal de juros deve ser afastada, em consonância com o disposto na Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal;
- a multa contratada, à razão de 20% , se afigura abusiva, devendo ser reduzida para 2%, nos termos do artigo 52, §1º, do Código de Defesa do Consumidor.
Requer o provimento do recurso, com a reforma da sentença, a fim de que sejam julgados procedentes os Embargos à Execução (fls. 430/452).
Recebimento do recurso. O recurso foi recebido no efeito devolutivo (fl. 453).
Contrarrazões. Foram apresentadas contrarrazões (fls. 453/459).
Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, todos do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.
É o relatório.
VOTOS
Desa. Catarina Rita Krieger Martins (RELATORA)
Inicialmente, recebo o recurso manejado pela parte embargante, porquanto preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade.
Pretende, o embargante/apelante, o acolhimento de suas razões recursais, com o fito de ver reformada a decisão proferida pela Magistrada de primeiro grau, a qual julgou improcedentes os Embargos à Monitória opostos.
Aduz, o embargante, sobre a necessária aplicação das disposições constantes do Código de Defesa do Consumidor ao caso sub judice, a possibilitar a revisão do pacto, para a exclusão dos juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, bem como, para expurgar da conta, a rubrica de capitalização mensal dos juros, e para reduzir a multa moratória fixada.
Entretanto, analisando os documentos colacionados aos autos, entendo que a sentença proferida pela Magistrada a quo deve ser mantida, em sua integralidade.
E diante da correta análise das provas produzidas durante a instrução do feito, adoto as ponderações da sentença, por bem postas, como razões de decidir, motivo pelo qual, passo a transcrevê-las:
 
Preliminares
A representação processual da embargada está regular, tendo ela, inclusive, juntado seus atos constitutivos, e nem a inicial executiva é inepta, eis que claramente compreensível.
De mais a mais, a eventual falta de juntada de peças entendidas como essenciais aos embargos não desemboca na rejeição liminar, mormente se o Juízo, antes do recebimento, não instou a parte à juntada do que tenha sido entendido faltante.
 
Mérito
Trata-se o processo o processo nº 038/1.08.0000372-6 de execução de dez notas promissórias emitida pelo embargante, no valor de R$ 300,00, cada uma.
Inegavelmente, a nota promissória constitui título executivo extrajudicial, consoante o disposto no art. 585, I, do CPC. Portanto, a referida execução de título extrajudicial está devidamente instruída por nota promissória, título dotado de força executiva, que materializa o crédito e comprova o fato constitutivo do direito alegado pelo ora embargado.
Em face do título, encontra-se estabelecida a obrigação de pagar do emitente da nota promissória.
Ao emitente, entretanto, e caso intente eximir-se da obrigação, é possível comprovar a existência de fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do credor em receber o crédito materializado no título, conforme disposto no artigo 333, II, do CPC.
Oportuno destacar, também, que não há necessidade de o credor comprovar a causa debendi, tendo em vista subsistir a obrigação pelos princípios cambiários próprios do título de crédito dotado de presunção de liquidez, certeza e exigibilidade.
No mais, o contrato de fomento mercantil ou factoring, caracteriza-se como um contrato de prestação de serviços no qual o faturizador recebe do faturizado a cessão de créditos, assumindo o risco de sua liquidação. Trata-se, à toda evidência, de cessão onerosa de créditos.
Assim, por não ser o faturizado destinatário final do serviço, ou seja, por não se enquadrar na definição de consumidor prevista no art. 2º do CDC1, inaplicável, a toda evidência, a legislação consumerista, devendo ser mantida a multa de 20%, conforme estabelecida no contrato.
As notas promissórias emitidas para o operacionalizar o negócio havido entre as partes não foram quitadas, daí a responsabilidade do executado.
Outrossim, a empresa que recebe os títulos para faturização tem o direito de cobrar pelos serviços prestados. É o chamado deságio, o qual se justifica em virtude dos riscos por ela assumidos na transação.  Esse não tem natureza de juros, mas sim de remuneração, especialmente porque o contrato de factoring é atípico, de gênese complexa, não consistindo em negócio jurídico bancário.
O embargante, quando da contratação, estava ciente das cláusulas contratuais, em especial dos valores que seriam cobrados pela embargada em face dos riscos assumidos, tendo, inclusive, se beneficiado do negócio, com isso fomentando suas atividades. De outra banda, não se verifica nos autos, qualquer prova de abusividade com relação aos encargos cobrados, ônus do qual o embargante não se desincumbiu.
A isolada afirmação de agiotagem, desprovida, no caso concreto, de qualquer prova, não tem o condão de tornar nulo os títulos de crédito.
Na espécie, era ônus do embargante a prova da ilegalidade dos juros cobrados, porém, assim não procedeu.
Assim, inexistindo, no caso, a comprovação de terem sido cobrados juros abusivos, não há se falar em nulidade dos títulos.
No sentido de todo o exposto, é a jurisprudência do eg. TJRS:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO. EMBARGOS DO DEVEDOR. NOTA PROMISSÓRIA. 1. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA, POR CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. 2. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE COBRANÇA ABUSIVA DE JUROS. AUSÊNCIA DE PROVA DA ALEGADA PRÁTICA DE AGIOTAGEM. ÔNUS DA PROVA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 333, INCISO II, DO CPC. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. Em sede de embargos do devedor, incumbe ao executado-embargante a prova da suposta agiotagem praticada no negócio jurídico que deu origem ao valor constante na nota promissória objeto da execução. Todavia, no caso concreto, assim não procedeu a parte executada. APELAÇÃO DESPROVIDA, REJEITADA A PRELIMINAR. (Apelação Cível Nº 70041874520, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 16/05/2012)
 
Ementa: EMBARGOS DE DEVEDOR. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. ALEGAÇÃO DE PRÁTICA DE AGIOTAGEM. CASO CONCRETO. EXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. A prova de que o débito é decorrente de agiotagem é ônus da parte executada/embargante, ônus este do qual não se desincumbiu a contento. IMPENHORABILIDADE DO BEM CONSTRITO EM RAZÃO DE SE TRATAR O MESMO DE BEM DE FAMÍLIA. Impossibilidade de se alegar a impenhorabilidade de bem destinado a residência da família para anular penhora quando o referido bem foi oferecido em garantia ao próprio credor, consoante regra do art. 3º, inc. V, da Lei 8.009/90. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70047898093, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Otávio Augusto de Freitas Barcellos, Julgado em 16/05/2012)
 
Ora, vencidas as Notas Promissórias, e impago o débito em questão, não comprovada a alegada abusividade dos encargos contratos, não há que se falar em inexigibilidade do título, porquanto existente dívida líquida, certa e exigível.
Por fim, não vislumbro a presença de nenhuma das hipóteses do art. 17, do CPC, não havendo que se falar em condenação do embargante nas penas da litigância de má-fé.
 
Registro, para que não pairem dúvidas, que inexiste a alegada inépcia da inicial da demanda executiva, porquanto descritos, de forma satisfatória, os fatos que deram ensejo à lide proposta pela parte exequente/embargada, restando, portanto, afastada a preliminar.
Com efeito, diante da natureza mercantil da operação realizada entre os litigantes, não há que se falar em aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor ao caso em comento, mormente porque o embargante não se enquadra no conceito de destinatário final.
Colaciono, por oportuno, precedentes deste Egrégio Tribunal de Justiça, acerca do tema em liça:
DIREITO PRIVADO NÃO-ESPECIFICADO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. Não se aplica o Código de Proteção e Defesa do Consumidor à relação jurídica havida entre o faturizador e o faturizado. Precedentes deste Tribunal de Justiça. É da essência do contrato de fomento mercantil a aplicação de deságio sobre o valor nominal dos títulos faturizados, de modo que sua incidência sobre as operações de faturização não é abusiva. Não desnatura o contrato de fomento mercantil a cláusula contratual que prevê, na hipótese de insolvência, a responsabilização do faturizado pela satisfação da obrigação. Precedentes do STJ e TJRS. DESPROVERAM O APELO. (Apelação Cível Nº 70051987634, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 29/11/2012)
 
Outrossim, nas operações decorrentes de contrato de factoring, inexiste a inclusão de valores alusivos a juros remuneratórios, incidindo sobre o total da pactuação, apenas o montante decorrente do deságio, que nada mais é do que a remuneração devida pelo serviço prestado pela factoring.
Nesse passo, sequer existe a incidência de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, nos valores previstos nos termos aditivos objeto da execução implementada em face dos embargantes, a legitimar o acolhimento da tese vertida na inicial dos presentes embargos à execução.
A respeito do tema, há precedentes desta Câmara:
 
AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE FACTORING. 1. AGRAVO RETIDO. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. Desnecessária a realização de prova pericial, porque presentes elementos de prova suficientes para solução da contenda. Agravo retido desprovido. 2. IMPOSSIBILIDADE DE REVISAR TAXA DE JUROS. DESÁGIO. INEXISTÊNCIA DE JUROS. Descabe a revisão de contrato de factoring, porque não há incidência de juros, sim de cobrança do chamado deságio. Não se confunde com contrato bancário. Precedentes nesta Corte. 3. DESCARACTERIZAÇÃO DO CONTRATO. AUSÊNCIA. Ausência de descaracterização da natureza do negócio de factoring, que difere da operação de desconto bancário. 4. DIREITO DE REGRESSO DA FACTORIZADORA. EXCEÇÃO. HIPÓTESE DE NULIDADE DOS TÍTULOS EMITIDOS E TRANSFERIDOS PELA FATURIZADA. NAO-ENTREGA DAS MERCADORIAS. Nos contratos de factoring, o faturizador somente possui direito de regresso contra o faturizado quando ocorrer vício na relação jurídica havida entre as partes e/ou nos títulos que a representam, hipótese dos autos, porque as mercadorias objeto do negócio jurídico originário dos cheques e das duplicatas não foram entregues pela autora (faturizada), sendo nulos os títulos emitidos sem causa subjacente. Precedentes nesta Corte. 5. RECONVENÇÃO. PROCEDÊNCIA RECONHECIDA. Não havendo reconhecimento expresso, nem título executivo a ensejar a habilitação do credor (faturizador) nos autos da concordata da empresa autora (faturizada), é competente este juízo para a cobrança objeto da reconvenção, no sentido de a faturizadora reaver o valor dos títulos transferidos mediante operação de factoring sem causa legítima, porque não entregues as mercadorias transacionadas. 6. VERBA HONORÁRIA. O valor arbitrado pela sentença se mostra condizente com o trabalho desenvolvido pelo procurador da ré, e remunera condignamente o profissional, desmerecendo a majoração postulada. AGRAVO RETIDO DESPROVIDO. APELAÇÃO DA AUTORA DESPROVIDA E DA RÉ PROVIDA EM PARTE. UNÂNIME. UNÃNIME. (Apelação Cível Nº 70020287488, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Augusto Monte Lopes, Julgado em 26/09/2007)
 
Da mesma forma, inexiste a incidência de capitalização de juros, nas operações faturizadas, a ensejar o acolhimento do pleito recursal, no ponto.
A respeito do tema:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO. FACTORING. CDC. INAPLICABILIDADE. CONTRATO MERCANTIL. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. JUROS. CAPITALIZAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PACTUAÇÃO E INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE. NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70045348679, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nara Leonor Castro Garcia, Julgado em 24/11/2011)
 
Outrossim, a multa moratória deve ser mantida, na forma como pactuada, diante da ausência de irregularidade sob dita rubrica.
Destarte, não verificada qualquer ilegalidade nos títulos que embasam a demanda executiva, há de ser negado provimento ao apelo, mantendo-se, portanto, hígida a sentença proferida pelo juízo a quo.
Voto, pois, por rejeitar as preliminares e negar provimento ao recurso.
 
Des. Ergio Roque Menine (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
 
Des. Paulo Sergio Scarparo - De acordo com o(a) Relator(a).
 
DES. ERGIO ROQUE MENINE - Presidente - Apelação Cível nº 70056232374, Comarca de Vacaria: "REJEITARAM AS PRELIMINARES E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME."
 
Julgador(a) de 1º Grau: CARINA PAULA CHINI FALCAO