TJRS - CHEQUE - CIRCULAÇÃO

DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CHEQUES, CUMULADA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA (SUSTAÇÃO DE PROTESTO).

Mostra-se inviável a pretensão anulatória, pois tendo os cheques circulado, por meio de endosso, descabe questionar o negócio jurídico subjacente, em face dos princípios da abstração e da autonomia cambiária.  Por conseqüência, não há falar em sustação do protesto do cheque.

Sucumbência a cargo do autor.

Apelação provida.

APELAÇÃO CÍVEL
DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Nº 70020959516
COMARCA DE ESTEIO
CIRIO ADMINISTRADORA DE VALORES LTDA.,  APELANTE
DEJAIR DE OLIVEIRA,  APELADO
MAX BY KIM PRODUCTS,  INTERESSADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA E DES. ANTÔNIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD.

Porto Alegre, 11 de junho de 2008.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES, Relator.

RELATÓRIO

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (RELATOR)

Trata-se de recurso de apelação interposto por CIRIO ADMINISTRADORA DE VALORES LTDA., na ação declaratória de nulidade de título que DEJAIR DE OLIVEIRA move contra a ora apelante e MAX BY KIM PRODUCTS, em face da sentença que julgou procedente o pedido para declarar inexistente a dívida lançada em nome do autor referente aos cheques nºs 00269, 00270, 00271 e 00272 por ele emitidos e protestados sob o nº de protocolo 598147-6, 598148-4 e 598149-2. Condenou as rés, solidariamente, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 2.000,00.

Em razões recursais, sustenta a apelante que recebeu os títulos mediante endosso, dizendo que, no caso, não podem ser opostas as exceções pessoais do emitente, especialmente considerando que não houve qualquer oposição a que os cheques circulassem. Refere que, na qualidade de endossatária de boa-fé, não adquiriu o cheque em detrimento do devedor. Salienta ainda que a verba honorária fixada mostra excessiva, devendo ser reduzida, especialmente considerando o valor dado à causa. Postula o provimento do recurso.

Intimado (fl. 84), o apelado deixou transcorrer in albis o prazo para apresentação de contra-razões, nos termos da certidão de fl. 84v.

É o relatório.

VOTOS

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES (RELATOR)

Dou provimento à apelação.

E isso porque entendo que a obrigação inserta nos cheques  deve ser cumprida, pois não há como admitir a recusa baseada na causa que deu origem ao título, na medida em que o autor não logrou comprovar que a segunda demandada tivesse recebido o cheque em seu prejuízo, ônus processual que lhe incumbia. 

Ademais, o cheque é título cambiário literal, abstrato e autônomo, razão pela qual, mostra-se inviável a pretensão anulatória, pois tendo o cheque circulado, por meio de endosso, descabe questionar o negócio jurídico subjacente.

Não há qualquer proibição de endosso no cheque criado pelo autor, nem qualquer referência a permanecer ele ligado à sua origem.  Dessa forma, regular sua circulação, passando das mãos do favorecido inicial (Max By Kim Products) a outrem (Cirio – Administradora de valores Ltda), pelo endosso.

Afora isso, o cheque em tela está revestido das formalidades extrínsecas, na forma do art. 2º da Lei nº 7.357/85.

Na lição de RUBENS REQUIÃO (in Curso de Direito Comercial, 2º vol., 17ª ed., 1988, Ed. Saraiva, pp. 304-305) sobre a inoponibilidade das exceções, assim ele preleciona: “(...) Mas, se o mesmo título houver saído das mãos do credor direto e for apresentado por um terceiro, que esteja de boa fé, já nenhuma exceção de defesa ou oposição poderá usar o devedor contra o novo credor, baseado na relação pessoal anterior. Este, ao receber o título, houve-o purificado de todas as relações pessoais anteriores que não lhe dizem respeito.

“Esse princípio, que resulta do conceito já exposto da ‘autonomia das relações cartulares (nº 505 supra)’, pois o portador de boa fé exercita um ‘direito próprio’, e não derivado de relação anterior, está consagrado em algumas normas de lei. O Código Civil, ao regular os títulos ao portador, consagra no art. 1.507 o princípio da ‘inoponibilidade das exceções’, expressando que ‘ao portador de boa fé, o subscritor, ou emissor, não poderá opor outra defesa além da que assente em nulidade interna ou externa do título, ou em direito pessoal ao emissor, ou subscritor, contra o portador.’ O Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1908, também regula a matéria no setor cambiário, dispondo, no art. 51, que ‘na ação cambial somente é admissível defesa fundada no direito pessoal do réu contra o autor, em defeito de forma do título e na falta de requisito necessário ao exercício da ação.’ Esse preceito ressurge no art. 17 da Lei Uniforme, de Genebra, segundo o qual ‘as pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as exceções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.’”

Nesse mesmo sentido também cabe destacar o seguinte aresto desta Corte:

“AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TÍTULO (CHEQUE). CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. ÔNUS DA PROVA. CONTRA-ORDEM DE CHEQUE. NULIDADE DO TÍTULO POR FALTA DE REQUISITOS: LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE. Tendo sido endossado o título, tornando-se abstrato, não é passível de discussão a relação que deu lhe deu causa. A terceira, que recebeu o título por endosso, nada tem a ver com a relação principal, entre o emitente e o beneficiário. Obriga-se, portanto, o emitente, ao pagamento do crédito do título. A nulidade de cheque é de ser reconhecida quando ausente um de seus requisitos essenciais, não sendo o inadimplemento de obrigação contratual causa que legitime tal declaração. Sendo assim, não tem relevância se a contra-ordem dada no título faz prova da imperfectibilização do negócio jurídico tendo em vista a abstração do cheque, face o endosso. Não há nada a ser provado, uma vez que não se discute a relação causal. E, ainda que tivesse que se fazer prova, seria ônus do autor provar o fato constitutivo de seu direito. Artigo 333, I, do Código de Processo Civil. Liquidez, certeza e exigibilidade são características que dizem respeito à condição de um título executivo. Não tem relação com o que está sendo discutido nos autos. Apelo improvido. Unânime.” (Apelação Cível nº 70002583870, 12ª Câmara Cível, Rel. Drª. Agathe Elsa Schmidt da Silva).

Por tais razões, dou provimento à apelação para julgar totalmente improcedente o pedido constante da petição inicial.

Em razão disso, condeno o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono da ré (Cirio – Administradora de Valores Ltda), fixados em R$ 700,00 (art. 20, § 4º, do CPC), corrigido monetariamente pelo IGP-M a conta desta decisão colegiada. Fica suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais por litigar o autor ao abrigo da gratuidade da justiça (fl.13 v). 

É o voto.

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (REVISOR) - De acordo.
DES. ANTÔNIO MARIA RODRIGUES DE FREITAS ISERHARD - De acordo.

DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES - Presidente - Apelação Cível nº 70020959516, Comarca de Esteio: "DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: UIARA MARIA CASTILHOS DOS REIS

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