TJSC - GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA POR UM DOS INTERLOCUTORES - VIABILIDADE - PROVA LÍCITA

Habeas Corpus n. 2012.013674-2, de Laguna
 
Relator: Des. Jorge Schaefer Martins
 
AÇÃO PENAL. CONVERSA TELEFÔNICA GRAVADA POR UM DOS INTERLOCUTORES. VIABILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA. PEDIDO DE DESENTRANHAMENTO DA PROVA INDEFERIDO EM PRIMEIRO GRAU E MANTIDO NO JUÍZO AD QUEM. [...] É lícita a prova consistente em gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido" (STF, AI n. 560223 AgR, rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, j. em 12.04.2011, disponível em www.stf.jus.br, acesso em 2 ago. 2011) [...] (Apelação Criminal n. 2011.006808-2, de Gaspar, rel. Des. Sérgio Paladino).
 
PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA EM RELAÇÃO AOS FUNDAMENTOS PREVISTOS NO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NECESSIDADE COM BASE NA SITUAÇÃO FÁTICA. GRAVIDADE GENÉRICA E ABSTRATA QUE NÃO SERVE DE AMPARO PARA A MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. VEDAÇÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA PREVISTA NO ARTIGO 44 DA LEI DE DROGAS INVOCADA PELO JUIZ SINGULAR COM BASE NO ARTIGO 5º, INCISO XLIII, DA CRFB. ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO NO SENTIDO DE QUE O FUNDAMENTO, PER SE NÃO É SUFICIENTE PARA ALICERÇAR A MANUTENÇÃO DA PRISÃO PROVISÓRIA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE DO JUÍZO AD QUEM COMPLEMENTAR A DECISÃO A QUO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA PARCIALMENTE PARA DETERMINAR AO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU A APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES E, EM SEGUIDA, EXPEDIR ALVARÁ DE SOLTURA. EXTENSÃO AOS CORRÉUS, COM BASE NO ARTIGO 580 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
 
Não basta a afirmativa genérica de que existem elementos capazes de permitir a manutenção da prisão cautelar, tampouco a menção à vedação de liberdade provisória prevista no artigo 44 da Lei de Drogas, devendo a autoridade judiciária fundamentar a continuação da medida extrema, com base nos pressupostos (materialidade e indícios de autoria) e pelo menos um dos fundamentos (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal) previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, estes últimos extraídos de fatos concretos presentes na situação fática, em tese, criminosa, sob pena de nulidade da decisão e conseqüente constrangimento ilegal do acusado, impondo sua soltura por meio de habeas corpus.
 
Ainda que presentes elementos concretos que demonstrem a necessidade da clausura provisória, "não é dado ao Tribunal estadual, inovando, agregar fundamentos não presentes na decisão do Juízo singular" (HC 147.404/MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/11/2009, DJe 07/12/2009), impondo-lhe, na verdade, o reconhecimento da ilegalidade da prisão decretada sem fundamentação idônea.
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 2012.013674-2, da comarca de Laguna (Vara Criminal), em que é impetrante Luís Fernando Nandi Vicente e paciente Bruno Siqueira de Souza:
 
ACORDAM, em Quarta Câmara Criminal, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem, determinando ao juiz a avaliação da aplicação das medidas cautelares previstas nos incisos do artigo 319 do Código de Processo Penal que entender pertinentes e, na sequência, expedir alvará de soltura em favor do paciente, se por outro motivo não estiver preso, estendendo-se os benefícios aos corréus Daniel Demétrio José e Pedro Paulo Bernardo, em favor de quem também se deverá expedir alvará de soltura se por al não estiverem presos, observada a avaliação quanto à aplicação de medidas cautelares. Custas legais.
 
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Desembargadores Roberto Lucas Pacheco e Leopoldo Augusto Brüggemann. Emitiu parecer pela Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. Francisco Bissoli Filho.
 
Florianópolis, 22 de março de 2012.
 
Jorge Schaefer Martins
PRESIDENTE E RELATOR
 
RELATÓRIO
 
Omissis impetrou habeas corpus, com pedido de liminar, em favor de Bruno Siqueira de Souza, alegando que o paciente vem sofrendo constrangimento ilegal em razão de prisão preventiva decretada nos autos de ação penal deflagrada para apurar o pretenso cometimento do crime de tráfico de drogas.
 
Sustenta, em primeiro lugar, a ilegalidade da prova obtida por meio de gravação de conversa entre o paciente e os policiais que efetuaram sua prisão em flagrante.
 
Ademais, argumenta que falta fundamentação idônea para a manutenção da segregação cautelar, bem como a inconstitucionalidade da vedação legal prevista no artigo 44 da Lei de Drogas.
 
Indeferida a liminar e prestadas as informações, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Francisco Bissoli Filho, opinou pela concessão parcial da ordem para substituir a prisão preventiva do paciente pela medida cautelar de comparecimento mensal em juízo para informar e justificar suas atividades.
 
VOTO
 
Primeiramente, mantém-se a decisão atacada em relação à legalidade da prova realizada por um dos participantes do diálogo, conforme já decidiu esta Corte, verbis:
 
[...]
 
GRAVAÇÃO REALIZADA POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO. DIÁLOGO QUE NÃO PODE SER TIDO POR CONFIDENCIAL. LEGALIDADE. PRECEDENTES DO EXCELSO PRETÓRIO. "Omissis. 2. É lícita a prova consistente em gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido" (STF, AI n. 560223 AgR, rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, j. em 12.04.2011, disponível em www.stf.jus.br, acesso em 2 ago. 2011)
 
[...] (Apelação Criminal n. 2011.006808-2, de Gaspar, rel. Des. Sérgio Paladino).
 
No mais, acertado o judicioso parecer do Dr. Francisco Bissoli Filho de fls. 161 a 173, pois em consonância com entendimento da maioria dos membros titulares dessa Câmara.
 
Com efeito, observa-se da decisão juntada nas fls. 175 a 179 que a Autoridade Judiciária de Primeiro Grau decretou a prisão preventiva do paciente tão-somente na gravidade abstrata do delito, em tese, praticado pelo paciente, sequer houve menção à vedação legal do artigo 44 da Lei de Drogas, o qual, segundo corrente doutrinária e jurisprudencial tem amparo no artigo 5º, inciso XLIII, da CRFB.
 
Assim, não se pode negar que a motivação apresentada corresponde à fundamentação genérica e abstrata, pois não há menção a fatos concretos que alicerçariam a necessidade da custódia preventiva do réu, ora paciente.
 
A propósito, sobre o assunto, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, verbis:
 
HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. REVOGAÇÃO DA CUSTÓDIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. GRAVIDADE GENÉRICA. REQUISITOS NÃO DEMONSTRADOS CONCRETAMENTE.
 
1. A prisão anterior à condenação transitada em julgado somente pode ser imposta por decisão concretamente fundamentada, mediante a demonstração explícita da sua necessidade, observado o art. 312 do CPP.
 
2. Na espécie, tanto o juízo de primeira instância quanto o Tribunal Estadual fundamentaram suas decisões na gravidade em abstrato do crime de tráfico de entorpecentes e nas conseqüências que ele causa na sociedade, sem apresentar fatos concretos ensejadores da custódia preventiva.
 
3. "A existência de indícios de autoria e prova da materialidade e gravidade da prática supostamente criminosa, bem como a simples menção à alegada necessidade de resguardar o meio social, não constituem motivação idônea para o indeferimento da liberdade provisória" (HC nº 99029/RS, DJ de 02/06/2008, rel. Ministra Jane Silva). Precedentes.
 
4. Ordem concedida para revogar o decreto prisional, mediante assinatura de termo de compromisso a todos os atos do processo (HC 107.589/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, Sexta Turma, julgado em 28.8.2008).
 
Colhe-se, ainda, julgado mais recente:
 
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. CUSTÓDIA MANTIDA EM RAZÃO DE CONSIDERAÇÕES GENÉRICAS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM CONCEDIDA.
 
1 - A Sexta Turma desta Corte tem reiteradamente proclamado que, mesmo nas hipóteses de crimes hediondos ou equiparados, é imprescindível que se demonstre, com base em elementos concretos, a necessidade da custódia, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal, e, isso, inclusive em relação aos acusados da prática de tráfico de entorpecentes presos em flagrante, não obstante a vedação contida no artigo 44 da nova Lei de Drogas, Lei nº 11.343/2006.
 
2 - Na hipótese, a custódia cautelar do paciente foi mantida essencialmente em razão da gravidade abstrata do delito, para assegurar a ordem pública e a conveniência da instrução criminal, sem apresentação, contudo, de fundamentos concretos que demonstrem a imprescindibilidade da medida extrema, destacando-se, ainda, que a quantidade de droga apreendida em seu poder - 10,3 gramas de cocaína - não leva à presunção de que o acusado faz do ilícito seu meio de vida, nem tampouco evidencia risco à ordem pública ou possibilidade de reiteração criminosa, restando configurado, dessarte, o constrangimento ilegal.
 
3 - Ademais, é certo que as condições pessoais favoráveis do paciente, embora não sejam garantidoras de eventual direito à liberdade, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrados na decisão os motivos que justifiquem a permanência da custódia excepcional. Assim, tratando-se de réu primário, possuidor de bons antecedentes, com profissão definida e residência fixa no distrito da culpa, nada impede que lhe seja concedido o direito de aguardar em liberdade o julgamento do processo.
 
4 - Habeas corpus concedido (HC 179.770/MS, Rel. Ministro Haroldo Rodrigues, Sexta Turma, julgado em 1.3.2011).
 
Aqui, destaca-se que segundo consta dos autos a quantidade de droga apreendida corresponde a 48 (quarenta e oito) buchas de cocaína, o que, conforme bem salientado pelo Dr. Procurador de Justiça poderia justificar a manutenção da prisão cautelar, porém sequer houve menção a este fato concreto pela Autoridade Judiciária de Primeiro Grau, sendo vedado a este juízo ad quem complementar a decisão atacada, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (HC 147.404/MS, Rela. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 19.11.2009, DJe 7.12.2009).
 
Finalmente, este Órgão Julgador, por sua maioria, entende que a vedação legal prevista no artigo 44 da Lei de Drogas per se não tem o condão de afastar a concessão da liberdade provisória, pois a sustentação encontrada para a constitucionalidade do dispositivo, ou seja, o inciso XLIII do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil menciona que: "a lei considerará crimes inafiancáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins [...]"
 
Ora, não há menção expressa à vedação da liberdade provisória.
 
Assim, a vedação legal não tem amparo constitucional no inciso acima citado, mas Alexandre de Moraes ao comentar o dispositivo constitucional em relação à Lei dos Crimes Hediondos diz que:
 
Parece, portanto, que o legislador poderia por meio de legislação ordinária vedar a concessão de liberdade provisória em relação a determinados delitos, o que seria suficiente para manter a segregação provisória. Ocorre que o texto constitucional além de não negar a liberdade provisória ao crime de tráfico, no inciso LXI do artigo 5º dispõe "que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei", ou seja, não excepcionou a necessidade de fundamentação escrita para a decretação da prisão provisória decorrente do cometimento, em tese, do crime de tráfico de drogas.
 
O próprio Alexandre de Moraes ao interpretar o inciso LXI diz que
 
[...] em relação ao binômio liberdade-prisão, poderíamos apontar a seguinte regulamentação constitucional, referente a todas as espécies de prisões (penais, processuais, civis e disciplinares): regra geral - Liberdade; exceções excepcionais e taxativas - Flagrante delito; ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente nas hipóteses descritas em lei, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definido em lei" (ob. cit. p. 348).

Por sua vez, o inciso LXVI do artigo 5º da CRFB garante que "ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança". Ora, aqui o constituinte de 88 fez questão de vedar a possibilidade de prisão decorrente de delitos que admitem a liberdade provisória, ou seja, para estas hipóteses, sequer há possibilidade de segregação cautelar, seja ela prisão em flagrante, temporária, preventiva etc.
 
Esta inserção demonstra que a vedação legal à liberdade provisória fixada pelo legislador serve apenas para permitir a prisão provisória, desde que decorrente de flagrante ou mediante decisão escrita e fundamentada pela Autoridade Judiciária competente. Assim, o artigo 44 da Lei de Drogas foi inserido pelo legislador no sentido que a gravidade do delito apenas possibilita a decretação da prisão provisória, o que pode ser realizado infraconstitucionalmente, conforme advertido por Alexandre Moraes na citação acima. Contudo, por si só, a vedação legal não serve de fundamento, sendo necessária a motivação baseada nos pressupostos (prova da materialidade e indícios de autoria) e pelo menos um dos fundamentos (garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, para assegurar a aplicação da lei penal) do artigo 312 do Código de Processo Penal.
 
A propósito, José Afonso da Silva ao comentar os incisos LXI a LXVII do artigo 5º da CRFB assevera que
 
2. REAFIRMAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LIBERDADE: NINGUÉM SERÁ PRESO (...): 2.1 Prisão cautelar. Aí está a reafirmação do princípio da liberdade, traduzindo por um signo universal negativo: 'ninguém será preso (...)'. Esse o princípio que há de orientar o intérprete, sempre em favor da liberdade pessoal. O demais, em contrário, como exceção, há que ser expressamente estabelecido e restritivamente interpretado: só em caso de flagrante e ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente. Aqui se trata, como se viu, de prisão cautelar, ou seja, prisão sem pena, prisão apenas para garantir a presença do imputado na fase de instrução criminal, prisão para evitar que o imputado se evada e escape à ação da Justiça (Comentário contextual à constituição. 7. ed. atualizada até a Emenda Constitucional 66, de 13.07.2010. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 160).
 
Nesse contexto, afirma-se que a possibilidade ou não de liberdade provisória pode ser fixada pelo legislador infraconstitucional no sentido de que eleja os delitos que entende de maior gravidade, como é o caso do tráfico ilícito de entorpecentes, porém a Constituição da República Federativa do Brasil não deixou de exigir a nenhum delito, sequer aos crimes hediondos, a necessidade de manutenção da prisão mediante decisão escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.
 
Esta conclusão também encontra eco na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, da qual cita-se voto do Ministro Celso de Mello no HC 95.685-8/SP, nestes termos:
 
[...] desejo ressaltar que não invoco, para tanto, o que dispõe o art. 44 da Lei n. 11.343/2006, por entender que essa regra legal mostra-se altamente questionável quanto à sua própria validade constitucional.
 
É que o art. 44 do diploma legislativo ora referido proíbe, de modo abstrato e "a priori", a concessão da liberdade provisória nos "crimes previstos nos art. 33, 'caput' e §1º e 34 a 37 desta Lei".
 
Cabe assinalar que emitentes penalistas, examinando o art. 44 da Lei n. 11.343/2006, sustentam a inconstitucionalidade da vedação legal à liberdade provisória prevista em mencionado dispositivo legal. [...]
 
Cumpre observar, ainda, por necessário, que regra legal, de conteúdo material virtualmente idêntico ao do preceito em exame, consubstanciada no art. 21 da Lei n. 10.826/2003, foi declarada inconstitucional por esta Suprema Corte.

A regra legal ora mencionada, cuja inconstitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, inscrita no Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003), tinha a seguinte redação:
 
'Art. 21. Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade provisória.' (grifei)

Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no art. 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do "due procces", dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República.
 
Foi por tal razão, como precedentemente referido, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.112/DF Rel. Min. Ricardo Lewandovski, declarou a inconstitucionalidade do art. 21 da Lei n. 10.826/2003, (Estatuto do Desarmamento), em decisão que, no ponto, está assim ementada:
 
'[...] V - Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão 'ex lege', em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente." (grifei)
 
Essa mesma situação registra-se em relação ao art. 7º da Lei do Crime Organizado (Lei n. 9.034/95), cujo teor normativo também reproduz a mesma proibição que o art. 44 da Lei de Drogas estabeleceu, "a priori", em caráter abstrato, a impedir, desse modo,que o magistrado atue, com autonomia, no exame da pretensão de deferimento da liberdade provisória.[
 
Essa repulsa a preceitos legais, como esses que venho de referir, encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (LUIZ FLÁVIO GOMES, em obra escrita com Raúl Cervini [...]).
 
Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em sede processual penal, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.
 
Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo.
 
O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público.

Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.
 
Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais [...] - como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.
 
Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do "due process of law" [...]
 
Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais.
 
Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio do poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.
 
A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas [...]
 
Daí a advertência de que a interdição legal "in abstracto", vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 44 da Lei n. 11.343/2006, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar legal.
 
É por tal motivo que não acolho a regra legal em questão, por entender que a proibição nela contida - considerados os termos em que enunciado tal preceito normativo - não se legitima em face da própria Constituição.
 
São estas as razões, Senhores Ministros, que me levam a não aceitar o fundamento da eminente Relatora que indefere este pedido também com apoio no reconhecimento, que não acolho, de que seria plenamente constitucional o art. 44 da Lei n. 11.343/2006.
 
Ainda, da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal colhe-se precedente mais recente, verbis:
 
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. PRISÃO EM FLAGRANTE. GRAVIDADE DO CRIME. REFERÊNCIA HIPOTÉTICA À POSSIBILIDADE DE REITERAÇÃO DE INFRAÇÕES PENAIS. FUNDAMENTOS INIDÔNEOS PARA A CUSTÓDIA CAUTELAR. VEDAÇÃO DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA AO PRESO EM FLAGRANTE POR TRÁFICO DE ENTORPECENTES [ART. 44 DA LEI N. 11.343/06]. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. A jurisprudência desta Corte está sedimentada no sentido de que a gravidade do crime não justifica, por si só, a necessidade da prisão preventiva. Precedentes. 2. A referência hipotética à mera possibilidade de reiteração de infrações penais, sem nenhum dado concreto que lhe dê amparo, não pode servir de supedâneo à prisão preventiva. Precedente. 3. A vedação da concessão de liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes, veiculada pelo artigo 44 da lei n. 11.343/06, consubstancia afronta escancarada aos princípios da presunção da inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana [arts. 1º, III, e 5º, LIV e LVII, da CB/88]. Daí a necessidade de adequação desses princípios à norma veiculada no artigo 5º, inciso XLII, da CB/88. 4. A inafiançabilidade, por si só, não pode e não deve constituir-se em causa impeditiva da liberdade provisória. 5. Não há antinomia na Constituição do Brasil. Se a regra nela estabelecida, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade, sendo a prisão a exceção, existiria conflito de normas se o artigo 5º, inciso XLII estabelecesse expressamente, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória. Nessa hipótese, o conflito dar-se-ia, sem dúvida, com os princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência, da ampla e do devido processo legal. 6. É inadmissível, ante tais garantias constitucionais, possa alguém ser compelido a cumprir pena sem decisão transitada em julgado, além do mais impossibilitado de usufruir benefícios da execução penal. A inconstitucionalidade do preceito legal me parece inquestionável. Ordem concedida a fim de que a paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença condenatória (HC 97579/MT, Rel. Desig. Min. Eros Grau, Segunda Turma, j. 2.2.2010).
 
Enfim, recentemente, no dia 30 de novembro de 2011, a Seção Criminal desta Corte julgou embargos infringentes 2011.067475-1, por meio do qual, por maioria de votos, entendeu insuficiente a vedação legal prevista no artigo 44 da Lei 11.343/2006.
 
Nessa conformidade, concede-se parcialmente a ordem para determinar a soltura do paciente, se por outro motivo não estiver preso, e determina-se ao juiz a avaliação da aplicação de uma ou mais medidas cautelares previstas nos incisos do artigo 319 do Código de Processo Penal que entender pertinentes ao caso concreto, estendida a ordem aos demais corréus Daniel Demétrio José e Pedro Paulo Bernardo, uma vez que também não há decisão fundamentada idoneamente em relação a eles, conforme informações prestadas pela Autoridade Judiciária de Primeiro Grau nas fls. 152 a 156, bem como consulta processual realizada no site do Tribunal em que se consta a existência de decisão desfavorável ao corréu Daniel, porém tambéma sem apontar elementos concretos que alicercem a necessidade da segregação provisória.
 
Gabinete Des. Jorge Schaefer Martins