TJSP - ANULAÇÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO E CANCELAMENTO DE PROTESTO - CHEQUE SUSTADO RECEBIDO POR FACTORING - RELAÇÃO CIVIL, NÃO CAMBIAL

AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO C.C. CANCELAMENTO DE PROTESTO Legitimidade passiva da empresa de factoring que se apresentou como credora e levou os títulos a protesto nesta condição Cheque que foi emitido para pagamento de negócio que não se consumou repassado à empresa de factoring Viabilidade da discussão da causa subjacente Inaplicabilidade das regras de direito cambial - Cessão de Crédito Relação que passa a ser regida pelo Direito Civil, nos termos dos artigos 286 a 298 Título inexigível ante a anulação da causa ensejadora da emissão da cártula Protesto indevido - Sentença de procedência mantida, nos termos do art. 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal Recurso não provido
 
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2013.0000387042
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0000573-61.2005.8.26.0067, da Comarca de Borborema, em que é apelante GARANTIA FOMENTO COMERCIAL LTDA, é apelado KENNEDY ULIAN.
 
ACORDAM, em 17ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
 
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores SOUZA LOPES (Presidente) e LUIZ SABBATO.
 
São Paulo, 19 de junho de 2013. 
 
Paulo Pastore Filho
RELATOR
 
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
 
Apelação nº 0000573-61.2005.8.26.0067 - Borborema 2
 
VOTO Nº: 13182
 
APEL.Nº: 0000573-61.2005.8.26.0067
 
COMARCA: BORBOREMA
 
APTE. : GARANTIA FOMENTO COMERCIAL LTDA
 
APDO. : KENNEDY ULIAN
 
INTERDO: GUICOL MÁQUINAS AGRÍCOLAS LTDA
 
AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO C.C. CANCELAMENTO DE PROTESTO Legitimidade passiva da empresa de factoring que se apresentou como credora e levou os títulos a protesto nesta condição Cheque que foi emitido para pagamento de negócio que não se consumou repassado à empresa de factoring Viabilidade da discussão da causa subjacente Inaplicabilidade das regras de direito cambial - Cessão de Crédito Relação que passa a ser regida pelo Direito Civil, nos termos dos artigos 286 a 298 Título inexigível ante a anulação da causa ensejadora da emissão da cártula Protesto indevido - Sentença de procedência mantida, nos termos do art. 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal Recurso não provido.
 
Acresça-se ao relatório da r. sentença proferida a fls. 184/187 que foi julgado procedente o pedido formulado, para declarar inexigível o cheque levado a protesto neste feito, confirmando a antecipação de tutela inicialmente deferida.
 
A apelante pretende a reforma da r. decisão alegando, em preliminar, que o autor é carecedor da ação, porquanto ela se trata de empresa de fomento mercantil, terceira de boa-fé e parte ilegítima para figurar no polo passivo da presente ação, uma vez que recebeu o cheque através de contrato mercantil, conforme documentação anexa.
 
Ressalta que não há lei em nosso ordenamento jurídico que legitime a pretensão do emitente de cheque não pago a requerer declaração de nulidade do próprio após a sua circulação, já que tal título é possuidor das características da cartularidade, literalidade e autonomia, fato que evidencia a impossibilidade jurídica do pedido.
 
No mérito, afirma que não pode ser prejudicada no caso, sob pena de insegurança jurídica com relação à legislação que prevê a emissão de cheque; ao contrário, entende que se deve punir, nesse sentido, quem emite a cártula e a coloca em circulação sem os devidos cuidados.
 
O recurso foi recebido no duplo efeito e o preparo está anotado.
 
O apelado ofereceu contrariedade, sustentando o acerto do decisum.
 
É o relatório.
 
A r. sentença deve ser confirmada pelos seus próprios fundamentos, os quais ficam inteiramente adotados como razão de decidir para o desprovimento do recurso.
 
O art. 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal estabelece que “nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la”.
 
Primeiramente, insta salientar que, diante do fato de apresentar-se como credora e levar os títulos a protesto nesta condição, a apelante é, evidentemente, parte legítima para responder pelos atos que praticou e, em consequência, pelos termos da ação que objetiva a decretação da nulidade da cambial e atos notariais lavrados a seu pedido e a seu favor.
 
Quanto à matéria preliminar de impossibilidade jurídica do pedido que a apelante suscita esta está ligada àquela de direito e será analisada a seguir.
 
Pois bem. É incontroverso que o cheque em voga nos autos fora emitido com o objetivo de compra de maquinários agrícolas pelo autor, os quais, porém, não foram entregues pela empresa vendedora corré Guicol Máquinas Agrícolas. Ocorre que, inobstante o negócio não tenha sido concretizado, o título foi adquirido por meio de contrato de fomento mercantil pela empresa de factoring corré, ora apelante, que, por sua vez, levou o título a protesto.
 
Na hipótese, nem a apelante, nem a interessada corré Guicol, foram capazes de comprovar a efetiva concretização do negócio.
 
Verifique-se que, além da revelia da empresa corré Glicol, circunstância que já implica na veracidade dos fatos apresentados na exordial no que concerne ao descumprimento contratual, tais acontecimentos vieram corroborados pelos documentos de fls. 09/11, 42, 122/123 e 141/144, onde se pode aferir que, em depoimento colhido no processo crime interposto em face do proprietário da empresa corré Guicol, este assume de fato que as máquinas não foram entregues.
 
Diante disso, a conclusão indeclinável é que o título é indevido e, nesse ponto, o protesto afigurou-se abusivo.
 
Com efeito, trata-se o cheque de título cambial autônomo, abstrato, passível de livre negociação e circulação; representa uma ordem de pagamento à vista, dada por quem possui provisão em mãos do sacado, em favor próprio ou de terceiros, não prescindindo da comprovação do negócio que o originou.
 
No entanto, conforme bem dispôs o MM Juiz da causa, “No presente caso não se aplicam os princípios da autonomia, literalidade e cartularidade, pois ao celebrar contrato de factoring, a relação passa a ser regida pelo direito civil (cessão de crédito).
 
Nesse caso se permite a discussão da causa debendi, não se aplicando a inoponibilidade das exceções pessoais a terceiro de boa-fé. Aplica-se o art. 294 do Código Civil, segundo o qual: 'o devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente”. A apelante assumiu os riscos do negócio jurídico subjacente ao adquirir a cártula por meio de transação que lhe é inerente - factoring, cuja natureza não é cambial, regulando-se pelos artigos 286 a 298 do Código Civil. Não pode, portanto, se escudar no princípio da abstração ou da inoponibilidade das exceções pessoais que vigoram no direito cambial, constatada a anulação do negócio subjacente à emissão do título.
 
De rigor, assim, o acolhimento do pleito de inexigibilidade do título e cancelamento do protesto, haja vista a invalidade do negócio que lhe deu origem.
 
Diante destas considerações, na forma do art. 252 do Regimento Interno deste E. Tribunal, a r. sentença fica integralmente mantida.
 
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.
 
PAULO PASTORE FILHO
Relator