TJRS - PROTESTO INDEVIDO - ABALO DE CRÉDITO E DANO MORAL

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PROTESTO DE TÍTULO. DUPLICATA EMITIDA SEM CAUSA SUBJACENTE. EMPRESA DE FACTORING. DEVER DE INDENIZAR. DANO EXTRAPATRIMONIAL. PESSOA JURÍDICA. CABIMENTO. MANUTENÇÃO DO QUANTUM.

No factoring há a cessão dos créditos do faturizado para a instituição faturizadora. E a cessão de crédito tem como característica fundamental o fato de o cedente não se responsabilizar pela solvência do devedor (art. 296 do CC). Não se trata, pois, de endosso, não se aplicando à espécie os princípios reservados aos títulos de crédito.

A apelante/demandada recebeu a duplicata em operação de factoring. Portanto, ao protestá-lo, agiu em interesse próprio e não de terceiro em face ao aparente inadimplemento da sacada. Logo, é responsável pelo indevido protesto de título emitido sem causa subjacente.

Ao concordar com o recebimento de duplicata sem o aceite do sacado, em operação de desconto, e tratando-se de título eminentemente causal, deveria se acercar de todas as cautelas necessárias no sentido de exigir do emitente a comprovação da efetiva entrega da mercadoria ou da prestação do serviço. Título emitido sem causa subjacente.

Caracterizado ato ilícito, indenizável na forma de reparação dos danos morais, que são presumíveis, prescindindo da prova do prejuízo.

DANO EXTRAPATRIMONIAL. PESSOA JURÍDICA.

É indubitável o dano extrapatrimonial sofrido pela parte autora, pois a restrição de crédito, in casu representada pelo indevido protesto, é capaz de acarretar o mencionado dano, ainda que na espécie atinja a honra objetiva de pessoa jurídica.

A ofensa à reputação, ao bom nome e conceito que a empresa goza na sociedade configura dano passível de ser tutelado pelo direito. A matéria, inclusive, está sumulada pelo STJ, sob o enunciado 227.

Manutenção do valor da indenização, consideradas as peculiaridades do caso e a jurisprudência do STJ e desta Corte.

NEGADO SEGUIMENTO AO APELO, NA FORMA DO ART. 557, CAPUT, DO CPC, EM RAZÃO DA MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA.

APELAÇÃO CÍVEL
 
NONA CÂMARA CÍVEL
Nº 70053715249
COMARCA DE SOLEDADE
SOLEIL TECNOLOGIA DE ATIVOS LTDA -  APELANTE
DAROIT MATERIAIS DE CONSTRUCAO LTDA -  APELADO
MARIUZI OLIVEIRA DAROIT -  INTERESSADO

DECISÃO MONOCRÁTICA

Vistos.

DAROIT MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO LTDA. Ajuizou ação contra SOLEIL TECNOLOGIA DE ATIVOS LTDA.

Segundo relatório da r. sentença:

“Mairuizi Oliveira Daroit moveu ação cautelar de sustação de protesto em face de Cobol Química. Aduziu a autora que, na data de 25/02/2009, recebeu intimação do Tabelionato de Protestos de Títulos de Soledade do aponte a protesto de título no valor de R$ 289,54. Refere que não recebeu as mercadorias adquiridas da ré. Posteriormente recebeu comunicado da realização do protesto no valor de R$ 255,64. Aduzindo que o protesto foi ilegal, requereu a sua sustação.

A antecipação de tutela foi deferida, sendo deferido o prazo de 10 dias para emenda à petição inicial (fl. 09).

Nova petição inicial foi apresentada, com pretensão indenizatória em razão dos mesmos fatos narrados (fls. 12/17).

A emenda foi acolhida acolhida (fl. 29).

Citada, a ré não apresentou contestação (fl. 32,v.).

O julgamento foi convertido em diligência, determinando-se a a regularização do polo ativo e a representação processual (fl. 36).

E empresa Daroit Materiais de Construção Ltda passou a figurar no polo ativo (fl. 41).

Nova conversão do julgamento em diligência (fl. 43).

A demandante requereu a inclusão no polo passivo da empresa Soleil Tecnologia de Ativos Ltda (fl. 45).

Nova petição inicial foi juntada (fls. 48/54).

A autora foi intimada para esclarecer e comprovar a pertinência da inclusão da Cobol no polo passivo (fl. 55).

A autora, às fls. 57/58, requereu a exclusão do polo passivo da empresa Cobol.

Citada, a ré Soleil, apresentou contestação (fls. 61/66). Preliminarmente, arguiu a sua ilegitimidade passiva. No mérito, em síntese, sustentou que a culpa no evento foi da empresa Cobol Química, que lhe repassou duplicata fria. Sustentou, ainda, que não há comprovação de prejuízo por parte da empresa autora. Requereu a improcedência do pleito.

Réplica às fls. 88 e ss..

Em audiência, foram ouvidas três testemunhas (fls. 108/110).

Memoriais às fls. 112/114.”

A magistrada de 1º grau decidiu pela procedência do pedido, nos seguintes termos:

“Em face do exposto, tornando definitiva a antecipação de tutela, julgo PROCEDENTE a ação ajuizada por Daroit Materiais de Construção Ltda em face de Soleil Tecnologia de Ativos Ltda, para:

1. declarar a nulidade do título protestado e a inexigibilidade do débito de R$ 255,64, que originou o protesto e a inscrição, e determinar a exclusão definitiva do nome da autora dos cadastros de inadimplentes;

2. condenar a demandada a pagar à demandante, a título de indenização por dano moral, o valor equivalente a R$ 7.000,00 (sete mil reais), corrigidos pelo IGPM e com a incidência de juros, ambos desde a publicação da sentença.

Condeno a parte requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos advogados do autor, no valor equivalente a 20% (vinte por cento), sobre o valor da condenação, a teor do § 3º, do art. 20, do CPC.

Em razões recursais, a requerida SOLEIL imputa a responsabilidade pelo protesto da duplicata à empresa COBOL QUÍMICA. Alega que comprou da empresa Cobol Química vários títulos, dentre eles a duplicata sub judice. Afirma que a empresa cedente (Cobol) efetuou a recompra do título objeto do protesto, tendo a apelante se incumbido de retirar imediatamente o gravame da autora, fornecendo à emitente do título a carta de anuência para retirada do protesto. Nega hipótese de responsabilidade objetiva. Aduz que não há qualquer comprovação acerca de danos ocorridos à autora. Postula o provimento do apelo para que seja considerada a boa-fé da apelante. Alternativamente, pede a redução do valor arbitrado a título de danos extrapatrimoniais.

Intimada, a autora apresentou contrarrazões.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório.

Decido.

I - CABIMENTO DA DECISÃO MONOCRÁTICA (ARTIGO 557 DO CPC).

O artigo 557 do Código de Processo Civil dispõe:

Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

§ 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.

§ 1º Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.

O dispositivo supra é decorrência da própria concepção constitucional de acesso à Justiça e da duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII, CF), configurando-se no direito público subjetivo do cidadão de obter a tutela jurisdicional adequada, conforme destaca Nelson Nery Júnior . Em relação aos poderes que o texto atribui ao relator, vale referir:

“O art. 557 do CPC concedeu ao relator ‘os mesmos poderes conferidos ao colegiado: pode negar conhecimento ao recurso, inadmitindo-o; conhecendo-o; pode dar-lhe ou negar-lhe provimento’. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que o caput do dispositivo confere poderes ao relator para negar seguimento, monocraticamente, a recurso manifestamente sem perspectiva de êxito, o §1º-A concede poderes para que ele julgue o mérito recursal, dando provimento ao recurso” .

Com efeito, perfeitamente cabível a aplicação do aludido artigo ao caso em tela, considerando a matéria veiculada no recurso e os diversos precedentes dos tribunais, razão pela qual de plano examino o recurso.

II – PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE.

Conheço do recurso, posto que tempestivo e devidamente preparado, bem como presentes os demais pressupostos de admissibilidade.

III – MÉRITO.

Trata-se de ação em que a empresa autora postula a declaração de nulidade da duplicata emitida fraudulentamente em seu nome e a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais, alegando a inexistência de relação jurídica que ensejasse a emissão da cártula protestada.

A requerida SOLEIL afirma que é empresa de factoring, e adquiriu a duplicata em questão da empresa COBOL QUÍMICA, alegando que “também é vítima de artimanha fraudulenta”. Postula seja chamada novamente à lide a COBOL QUÍMICA.

No magistério de Arnaldo Rizzardo, pelo contrato de factoring, “um comerciante ou industrial, denominado ‘faturizado’, cede a outro, que é o ‘faturizador’ ou ‘factor’, no todo ou em parte, créditos originados de vendas mercantis. Assume este, na posição de cessionário, o risco de não receber os valores. Por tal risco, paga o cedente uma comissão” .

E prossegue:

“Salientam-se os seguintes efeitos do contrato:

a) Cessão de crédito pelo faturizado, a título oneroso, para o faturizador;

b) Sub-rogação do faturizador nos direitos do faturizado, que se torna credor do comprador-devedor, contra o qual é reconhecido o direito de ação, se inadimplente;

c) Criação de vínculo entre o faturizador e o comprador-devedor, desde que notificado o último da cessão e para efetuar os pagamentos ao primeiro.

Tem o faturizador os seguintes direitos: selecionar os créditos que lhe interessar; cobrar as faturas pagas; deduzir a sua remuneração das importâncias creditadas ao faturizado; examinar os documentos com respeito a certas transações levadas a efeito pelo mesmo.

Deverá, por outro lado, pagar as importâncias das faturas que apresentar o faturizado; assumir o risco do não pagamento dessas faturas; informar o cedente dos títulos a respeito dos devedores.”

Como visto, no factoring há a cessão dos créditos do faturizado para a instituição faturizadora. E a cessão de crédito tem como característica fundamental o fato de o cedente não se responsabilizar pela solvência do devedor (art. 296 do CC ).

Não se trata, pois, de endosso, não se aplicando à espécie os princípios reservados aos títulos de crédito. A faturizadora deve assumir os riscos que envolvem o negócio, que lhe é financeiramente vantajoso. Trata-se, pois, de um risco inerente à essência do seu negócio, e que não pode ser imputado a outrem.

Assim, a faturizadora (SOLEIL) que adquiriu créditos da faturizada está legitimada a responder pelo eventual dano causado ao sacado em razão do protesto de título sem causa subjacente, sobretudo porque foi quem apontou a protesto a duplicata.

A propósito, vale citar os seguintes precedentes desta Corte:

DECISÃO MONOCRÁTICA. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PRELIMINAR. LEGITIMIDADE PASSIVA DO FATURIZADOR. Na operação de factoring, a transferência, feita sob o lastro de compra e venda de ativo financeiro, é definitiva. Nesse passo, a faturizadora que adquire créditos da faturizada está legitimada a responder pelo eventual dano causado ao sacado em razão do protesto realizado de título sem causa subjacente. PROTESTO INDEVIDO. DUPLICATA. CULPA CONCORRENTE. INOCORRÊNCIA. Hipótese dos autos em que restou comprovado que o protesto levado a efeito foi abusivo e ilegal, mormente porque o negócio de compra e venda, no qual se baseou a retirada da duplicata protestada não se concretizou. O fato determinante do protesto indevido foi o comportamento leviano da sacadora que emitiu e endossou duplicata sem lastro em negócio válido e da faturizadora que levou o título a protesto, não se podendo imputar à lesada qualquer responsabilidade pelos fatos, inexistindo a alegada culpa concorrente. CIRCULAÇÃO DO TÍTULO. ENDOSSO TRANSLATIVO. EMPRESA DE FACTORING. A empresa de factoring assume o risco inerente à sua atividade, bem como os ônus de sua conduta marcadamente negligente, cedendo a boa-fé e tornando-se corresponsável perante o sacado pelos gravames experimentados a partir da insubsistência de lastro negocial a embasar a extração da duplicata. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. CONFIGURAÇÃO IN RE IPSA. O aponte e retirada de protesto sem causa subjacente, considerando que o título mercantil tem natureza causal, é indevido e sujeita o sacador e aquele que levou a protesto sem investigação da origem do título a compensação dos danos morais que ocorrem in re ipsa, inclusive às pessoas jurídicas (Sumula 227, STJ) bastando a prova do fato, decorrendo daí o prejuízo que é presumido, devido ao abalo de crédito pelo protesto indevido. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS. MANUTENÇÃO. O valor da indenização, em razão da natureza jurídica da reparação por danos morais, deve atender as circunstâncias do fato e a culpa da parte envolvida, o caráter retributivo e pedagógico para evitar a recidiva do ato lesivo, além da extensão do dano experimentado e suas consequências. Valor da indenização mantido (R$ 8.000,00) de acordo com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. Honorários mantidos no valor estabelecido pela sentença, pois em consonância com os parâmetros do art. 20, § 3º, do CPC. PRELIMINAR AFASTADA. APELOS MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTES. SEGUIMENTO NEGADO. (Apelação Cível Nº 70052926912, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 06/03/2013)

APELAÇÃO CÍVEL. DECISÃO MONOCRÁTICA. RESPONSABILIDADE CIVIL. 1. TÍTULO DE CRÉDITO. ENDOSSO. FACTORING. DUPLICATA SEM ACEITE. A endossatária - empresa de factoring, que recebe crédito representado por duplicata não aceita, deve agir com redobrada cautela na compra do título, assumindo os riscos de crédito inexistente, circunstância que, obviamente, lhe torna responsável, eis que se trata de título não abstrato. 2. PROTESTO INDEVIDO. DÍVIDA INEXISTENTE. DANO MORAL PRESUMIDO. O protesto de títulos representativos de dívida inexistente, por quitada e/ou por ausente causa debendi, é ilegal e traz prejuízos - inclusive morais -, que devem ser indenizados. Em casos como este se faz dispensável a prova objetiva do prejuízo moral, bastando a demonstração da circunstância que revele a situação ofensiva à honra e reputação da pessoa física ou jurídica, entendimento ao qual me filio. 3. VALOR A SER REPARADO. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. MANUTENÇÃO. 4. JUROS DE MORA. TERMO DE INCIDÊNCIA. DATA DA FIXAÇÃO DO VALOR. CONSEQUENTE MINORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70050138114, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 01/08/2012)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO ORDINÁRIA. NULIDADE DO PROTESTO DE DUPLICATA MERCANTIL SEM ACEITE E SEM PROVA DE ENTREGA DA MERCADORIA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA DE FACTORING E DANOS MORAIS. 1. Cabe ao faturizador proceder uma criteriosa análise dos créditos objeto da faturização e só aceitar aqueles que lhe pareçam seguros. No caso de duplicata sem aceite, é seu dever exigir a comprovação da entrega da mercadoria, sob pena de responder pelo protesto indevido. 2. A reparação de dano moral deve proporcionar a justa satisfação à vítima e, em contrapartida, impor ao infrator impacto financeiro, a fim de dissuadi-lo da prática de novo ilícito, porém de modo que não signifique enriquecimento sem causa do ofendido. No caso concreto, a verba indenizatória vai confirmada no montante fixado na sentença, mantidos os critérios de correção monetária e juros moratórios fixados naquele ato processual. Precedentes desta Corte. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70035381797, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário Crespo Brum, Julgado em 20/10/2010)

Essa igualmente é a orientação do Eg. Superior Tribunal de Justiça, verbis:

AGRAVO REGIMENTAL. FACTORING. TÍTULOS DE CRÉDITO. DUPLICATAS SEM CAUSA. PROTESTO. IRREGULARIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACÓRDÃO FUNDADO NOS ELEMENTOS FÁTICOS DOS AUTOS. SÚMULA 07/STJ. PRECEDENTES.
1. Ao firmar a conclusão acerca da irregularidade do protesto, o Tribunal recorrido tomou em consideração os elementos fáticos carreados aos autos. Incidência da Súmula 07/STJ.
2."O risco assumido pelo faturizador é  inerente à atividade por ele desenvolvida, ressalvada a hipótese de ajustes diversos no contrato firmado entres as partes" (REsp 992421/RS, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 12/12/2008) 3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 88.022/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/09/2012, DJe 02/10/2012)

RECURSO ESPECIAL. TÍTULOS DE CRÉDITO. DUPLICATAS SEM CAUSA. PROTESTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REDUÇÃO.
1. O contrato de factoring convencional é aquele que encerra a seguinte operação:  a empresa-cliente transfere, mediante uma venda cujo pagamento dá-se à vista, para a empresa especializada em fomento mercantil, os créditos derivados do exercício da sua atividade empresarial na relação comercial com a sua própria clientela – os sacados, que são os devedores na transação mercantil.
2. Nada obstante os títulos vendidos serem endossados à compradora, não há por que falar em direito de regresso contra o cedente em razão do seguinte: (a) a transferência do título é definitiva, uma vez que feita sob o lastro da compra e venda de bem imobiliário, exonerando-se o endossante/cedente de responder pela satisfação do crédito; e (b) o risco assumido pelo faturizador é  inerente à atividade por ele desenvolvida, ressalvada a hipótese de ajustes diversos no contrato firmado entres as partes.
3. Na indenização por dano moral por indevido protesto de título, mostra-se adequado o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Precedentes
4. Recurso especial conhecido em parte e provido.
(REsp 992.421/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 12/12/2008)

Na presente hipótese, o protesto da duplicata nº 075A, no valor de R$ 255,64, foi efetivado em 03.03.2009 (fl. 07), constando como credor endossatário Soleil Tecnologia de Ativos Ltda.
A requerida emitiu carta de anuência, em 11.03.2009, não se opondo ao cancelamento do referido protesto (fl. 74). Como se observa do documento de fl. 78, a duplicata 075A foi emitida em 16.01.2009, não constando qualquer assinatura ou aceite do sacado.

Ressalto que a apelante/demandada recebeu o título em operação de factoring. Portanto, ao protestá-lo, agiu em interesse próprio e não de terceiro em face ao aparente inadimplemento da sacada. Logo, é responsável pelo indevido protesto de título emitido sem causa subjacente.

Isso porque ao concordar com o recebimento de duplicata sem o aceite do sacado, em operação de desconto, e tratando-se de título eminentemente causal, deveria se acercar de todas as cautelas necessárias no sentido de exigir do emitente a comprovação da efetiva entrega da mercadoria ou da prestação do serviço.

Não o fazendo, assume o risco inerente à atividade mercantil, bem como os ônus de sua conduta marcadamente negligente, estando presente o dever de indenizar.

Dano Extrapatrimonial

O dano causado é patente, trabalhando a Câmara em hipóteses como a dos autos com a configuração in re ipsa. Cabe ressaltar, outrossim, que é pacífico o entendimento de que a ofensa à reputação, ao bom nome e conceito que a empresa goza na sociedade configura dano passível de ser tutelado pelo direito. A matéria, inclusive, está sumulada pelo STJ, sob o enunciado 227: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. E a condição para que tal ofensa ocorra é a verificação de ato lesivo que atente contra a honra objetiva da pessoa jurídica.

Sobre o tema, destaco o magistério de Arnaldo Rizzardo, com base em precedente do STJ :

“Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, 4inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz que ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto que a difamação é ofensa à reputação que o fendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação de ordem legal, não tem capacidade de ter emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua.

Esta ofensa pode ter seu efeito limitado à diminuição do conceito público que goza no seio da comunidade, sem repercussão direta e imediata sobre o seu patrimônio. Assim ... trata-se de verdadeiro dano extrapatrimonial, que existe e pode ser mensurado através de arbitramento... E a moderna doutrina francesa recomenda a utilização da via indenizatória para a sua proteção: ‘A proteção dos atributos morais da personalidade para a propositura da ação de responsabilidade não está reservada somente às pessoas físicas. Aos grupos personalizados tem sido admitido o uso dessa via para proteger seu direito ao nome ou para obter a condenação de autores de propostas escritas ou atos tendentes à ruína de sua reputação. A pessoa moral pode mesmo reivindicar a proteção, senão de sua vida privada, ao menos do segredo dos negócios’ (Traité de Droit Civil, Viney, ‘Les Obligations – La Responsabilité’, 1982, vol. II, p. 321).”

Ademais, as três testemunhas ouvidas nos autos confirmaram a versão de que a empresa autora ficou impossibilitada de realizar operações a crédito, não podendo adquirir mercadorias (fls. 108-110).

Logo, é indubitável o dano extrapatrimonial sofrido pela parte autora, pois a restrição de crédito, in casu representada pelo indevido protesto, é capaz de acarretar o mencionado dano, ainda que na espécie atinja a honra objetiva de pessoa jurídica, conforme já decidiu esta Câmara no precedente acima transcrito (Ap. Cív. nº 70040883746) da lavra da ilustre Desª. Iris Helena Medeiros Nogueira.

Do Quantum Indenizatório dos Danos Extrapatrimoniais

A questão do valor da indenização por danos extrapatrimoniais para pessoas jurídicas, por certo, não possui a mesma linha de fundamentação constitucional da indenização por danos extrapatrimoniais para as pessoas físicas. Mas, igualmente sua fonte constitucional primária reside no artigo 5º, incisos V e X, da CF, pois o texto não faz qualquer distinção entre pessoas físicas e pessoas jurídicas.

De outra banda, a fixação da indenização, no plano infraconstitucional, deve considerar o artigo 52 do Código Civil, segundo o qual se aplica às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos de personalidade, existindo uma reputação, um nome no mercado a zelar. Outrossim, não se pode olvidar que as empresas também estão inseridas na ordem econômica (artigo 170, CF) e possuem uma função social a cumprir.

Inicialmente, entendo necessário utilizar o parâmetro da proporcionalidade, seja sobre o ponto de vista da proibição do excesso (Übermassverbot) ou da proibição da insuficiência (Untermassverbot). Logo, não se pode fixar um valor deficiente, em termos de satisfação do consumidor e punitivo para o agente causador, bem como não há como ser excessivo de modo a aniquilar os bens e valores contrários.

A Fixação do Valor Básico da Indenização

Relativamente ao quantum da indenização, vale referir decisão do Superior Tribunal de Justiça, cujo relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino considerou para o razoável arbitramento da indenização por danos extrapatrimoniais a reunião dos seguintes critérios: valorização das circunstâncias do evento danoso (elementos objetivos e subjetivos da concreção) e o interesse jurídico do lesado.

No voto proferido no Recurso Especial nº 959.780/ES, julgado em 26.04.2011, o Ministro explica com percuciência alguns parâmetros para a fixação do valor da indenização:
“Na primeira fase, arbitra-se o valor básico ou inicial da indenização, considerando-se o interesse jurídico lesado, em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos). Assegura-se, com isso, uma exigência da justiça comutativa que é uma razoável igualdade de tratamento para casos semelhantes, assim como que situações distintas sejam tratadas desigualmente na medida em que se diferenciam.

Na segunda fase, procede-se à fixação definitiva da indenização, ajustando-se o seu montante às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias. Partindo-se, assim, da indenização básica, eleva-se ou reduz-se esse valor de acordo com as circunstâncias particulares do caso (gravidade do fato em si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes) até se alcançar o montante definitivo. Procede-se, assim, a um arbitramento efetivamente equitativo, que respeita as peculiaridades do caso.

Ao pesquisar na jurisprudência desta Corte, encontrei precedentes que examinaram questão similar, fixando indenização por danos extrapatrimoniais. Nas Apelações Cíveis nºs 70049020100 e 70040883746 desta 9ª Câmara Cível e nas Apelações Cíveis nºs 70048842389 e 70047282553 da 10ª Câmara Cível foram fixadas indenizações entre R$ 6.000,00 e R$ 10.000,00, sempre considerando as peculiaridades do caso concreto. Desta forma, atende ao princípio da proporcionalidade, considerando o interesse jurídico lesado (a honra objetiva da pessoa jurídica), a fixação do valor básico em R$ 7.000,00 (sete mil reais).

A Fixação do Valor Definitivo da Indenização

Para a fixação do valor definitivo da indenização, considero as seguintes variáveis: 1) a parte autora teve título protestado, emitido sem causa subjacente; 2) como corolário, sua honra objetiva foi atingida; 3) a situação econômica das partes.

Observadas as variáveis do caso concreto referidas, na medida em que o dano à honra objetiva é ato grave, decorrente de indevido protesto, bem como a situação econômica das partes, é possível manter o valor da indenização fixado na sentença em R$ 7.000,00 (sete mil reais), tornando-o definitivo para a reparação por danos extrapatrimoniais.

IV – DISPOSITIVO

Ante ao exposto, na forma do art. 557, caput, do CPC, NEGO SEGUIMENTO ao apelo, em razão da manifesta improcedência.

Intimem-se.

Diligências legais.

Porto Alegre, 11 de junho de 2013.
DES. LEONEL PIRES OHLWEILER,
Relator.