TJES - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA PARA FACTORING - POSSIBILIDADE MESMO COM IMÓVEL ÚNICO - CONFIRMAÇÃO

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. GARANTIA. LEI 9.514?97. AUSÊNCIA DE VALOR DA DÍVIDA. VALOR ÍNFIMO DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS PARA REVISÃO DO VALOR DO IMÓVEL. AUSÊNCIA DE DUAS TESTEMUNHAS. FIADORES. BEM DE FAMÍLIA.
1) Havendo previsão em contrato com alienação fiduciária que torna possível desnudar o valor do débito, e não havendo discussão acerca do quantum cobrado, considera-se preenchido o requisito estabelecido no art. 24, I da Lei 9.514?97. Principio da conservação dos negócios jurídicos.
2) É vedado ao fiduciante questionar o valor contratual da avaliação de bem alienado fiduciariamente sem demonstrar justificativa razoável ou sobrevinda de fato que demonstre a alteração do valor antes fixado. Princípio da boa-fé objetiva.
3) A ausência de critérios de revisão do bem alienado fiduciariamente não enseja a nulidade do contrato, sendo lícito às partes judicial ou extrajudicialmente tratarem de eventual reavaliação caso demonstrada a sua necessidade.
4) Não é requisito de validade, nem de eficácia, ao contrato firmado nos temos da Lei 9.514?97 a subscrição por duas testemunhas. Sua eficácia como título executivo deriva da própria Lei.
5) Não se pode aduzir ser de terceiros o bem alienado fiduciariamente quanto tais terceiros são, na verdade, fiadores do contrato.
6) A proteção do bem de família não se aplica quando suscitada em casos onde a oferta do bem como garantia se deu de forma livre e consciente.
ACORDA a Egrégia Quarta Câmara Cível, em conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
GAB. DESEMB - ALEMER FERRAZ MOULIN
14 de maio de 2012

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 35119006332 - VILA VELHA - 6ª VARA CÍVEL

AGRAVANTE :BRM INDUSTRIA E COMERCIO DE MOVEIS LTDA EPP e outros

AGRAVADO : BS FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA

RELATOR DES. ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA

R E L A T Ó R I O

Tratam os autos de Agravo de Instrumento interposto contra v. Decisão Interlocutória que, nos autos de Ação Cautelar em curso no juízo a quo, negou liminar postulada pelos ora recorrentes.

Segundo denota-se dos autos, BRM INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MÓVEIS LTDA. firmou Contrato de Alienação Fiduciária com BS FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA., objetivando a abertura de crédito para fomento de suas atividades. Os demais recorrentes constaram de tal negócio jurídico como fiadores. Incorrendo em mora, o fiduciante foi notificado extrajudicialmente para pagar a dívida, sob pena de o imóvel dado em garantia - de propriedade dos fiadores - ser levado a leilão.

Inconformado, o devedor e os fiadores ajuizaram Ação Cautelar buscando a sustação de dita notificação para que ela não surtisse efeitos. O pedido liminar foi indeferido, dando ensejo ao Agravo de Instrumento sub examine.

Argumentam, no recurso (fls. 02/13), em síntese, que o contrato é nulo pois: (i) não prevê o valor da dívida; (ii) o imóvel dado em garantia vale mais que o quantum firmado no termo contratual e; (iii) não há, no contrato, os critérios para revisão (reavaliação) do bem. Argumentam também que (iv) o contrato não pode ser considerado título executivo, pois não tem a assinatura de duas testemunhas e que (v) o imóvel não pode ser levado a leilão por ser bem de família e por ser de titularidade de terceiros. Ao final, requer o conhecimento e provimento do recurso.Decisão a fls. 84/86, indeferindo o pedido de efeito suspensivo.

Contra-razões do recorrido às fls. 92/95 pugnando pela manutenção da decisão.

No que basta, é o relatório.

Inclua-se em pauta.

Vitória/ES, 18 de abril de 2012.

DESª. CONV. ELIANA JUNQUEIRA MUNHÓS FERREIRA

R E L A T O R A

V O T O S

O SR. DESEMBARGADOR ELIANA JUNQUEIRA MUNHOS FERREIRA (RELATOR):-

V O T O

Conforme relatei, tratam os autos de Agravo de Instrumento interposto contra decisão que indeferiu pedido liminar em Ação Cautelar ajuizada pelo recorrente.

Após compulsar detidamente os autos, entendo inexistirem motivos para alterar o convencimento já externado quando do indeferimento do efeito ativo.

No que atine à falta de previsão contratual quanto ao valor da dívida, verifico, após cuidadosa análise, que o contrato de alienação fiduciária em foco estabelece o crédito disponibilizado ao recorrente no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), enquanto a notificação extrajudicial especifica o valor do débito em R$ 453.791,84 (quatrocentos e cinqüenta e três mil, setecentos e noventa e um reais e oitenta e quatro centavos).
 
Assim, nada obstante o contrato não traga o valor da dívida em termos precisos, ele possibilita a cobrança nos limites por ele estabelecidos. Assim, não há que se falar na falta do valor da dívida, estando preenchido o requisito entabulado no art. 24, I da Lei nº 9.514/97, ensejando a rejeição do alegado.

Esse entendimento se mostra adequado ao caso pois a defesa expendida pelo recorrente limita-se a atacar os elementos formais do negócio jurídico, não atacando o débito em si. Deveras, não há afirmação, v.g., de não utilização do crédito disponibilizado pelo contrato, ou então excesso do valor cobrado, o que torna imperioso o afastamento da nulidade alegada.

Veja-se, ademais, que a interpretação acima é consentânea com o principio da conservação dos negócios jurídicos, que impõe a manutenção de negócios jurídicos quando da existência de irregularidades não capitais. Tal princípio, aliás, também impõe a rejeição da alegada nulidade do contrato em virtude da ausência de critérios para revisão do valor do imóvel dado em garantia.

É bem verdade que no contrato em testilha as partes olvidaram-se de estabelecer tais critérios, contudo isto não poderia acarretar a nulidade do negócio jurídico pois, sem prejuízo a qualquer das partes, o valor do imóvel poderá ser revisto extrajudicialmente ou, não havendo comum acordo, pela via judicial com a explanação de motivo razoável que enseje a alteração do valor fixado.

No quanto afeto ao “valor vil” do imóvel, entendo também pela sua rejeição. Em primeiro lugar salta aos olhos que a postura do recorrente viola frontalmente o princípio da boa-fé objetiva, pois a avaliação primeva do bem teve anuência do credor e do devedor no momento da assinatura do contrato. Como poderia, assim, pouco mais de um ano após, afirmar que tal valor é ínfimo, e que atualmente o imóvel vale mais de 90% do seu valor original? Tal postura, com o devido acato, deve ser imperiosamente rechaçada, pois fere de morte o princípio da boa-fé objetiva.

Quanto à alegada ausência de força executiva do contrato em virtude da ausência de duas testemunhas, não se pode esquecer que o contrato de alienação fiduciária firmado nos termos da Lei 9.514/97 tem eficácia executiva independentemente do referido requisito - conforme doutamente explanado pelo MM. Juiz a quo na decisão agravada.

Além disso, em suas contra-razões o recorrente trouxe à baila a via contratual levada a registro, na qual consta a assinatura de duas testemunhas. Assim, o pseudo requisito suscitado pelo recorrente também se mostra satisfeito. Assim, rejeito também este fundamento.

Por derradeiro, no que tange ao fato de o imóvel alienado ser bem de terceiro, ostentando condição de bem de família, entendo também pela sua rejeição pois, quanto ao primeiro fundamento, os proprietários do imóvel são fiadores do contrato trazido à lume, figurando, pois, como solidários no débito.

Por outro giro, entendo que a proteção ao bem de família não incide no caso pois tal violaria o princípio da boa-fé objetiva. Este, a propósito, mutatis mutandis, foi o entendimento esposado pelo E. STJ no julgamento do REsp 1141732/SP, in verbis:

“A boa-fé do devedor é determinante para que possa se socorrer do favor legal, reprimindo-se quaisquer atos praticados no intuito de fraudar credores ou retardar o trâmite dos processos de cobrança. O fato de o imóvel dado em garantia ser o único bem da família certamente é sopesado ao oferecê-lo em hipoteca, ciente de que o ato implica renúncia à impenhorabilidade. Assim, não se mostra razoável que depois, ante à sua inadimplência, o devedor use esse fato como subterfúgio para livrar o imóvel da penhora. A atitude contraria a boa-fé ínsita às relações negociais, pois equivaleria à entrega de uma garantia que o devedor, desde o início, sabia ser inexequível, esvaziando-a por completo.” (REsp 1141732/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/11/2010, DJe 22/11/2010)

Nesse diapasão, como o recorrente não logrou êxito em demonstrar o desacerto da decisão interlocutória que indeferiu seu pedido cautelar liminar no juízo a quo, entendo pela manutenção incólume do édito vergastado.

Destarte, restando afastados todos os fundamentos recursais e sendo desnecessárias outras considerações, CONHEÇO DO RECURSO PARA NEGAR-LHE PROVIMENTO.

É como voto. *

O SR. DESEMBARGADOR MAURÍLIO ALMEIDA DE ABREU :-

Voto no mesmo sentido
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O SR. DESEMBARGADOR SAMUEL MEIRA BRASIL JUNIOR :-
Voto no mesmo sentido

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D E C I S Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 35119006332, em que são as partes as acima indicadas, ACORDA o Egrégio Tribunal de Justiça do
Espírito Santo (Quarta Câmara Cível), na conformidade da ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, em, À UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
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