Jurídico

Tratamento do crédito na recuperação judicial e na falência

Por Rinaldo Maciel de Freitas

A recuperação judicial de empresas, Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, tem por objetivo soerguer empresa em crise, com a concessão de prazos e condições especiais, segundo o artigo 50, inciso I da referida lei, que são interpretados como deságios de débitos vencidos e vincendos com credores, pelos recorrentes planos de recuperação judicial [1], mas que a lei ou o juízo, pelo artigo 58, § 1º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, não podem dispor, por invadir direito de propriedade alheio, segundo o artigo 5º, inciso XXII da Constituição e artigo 1.228 do Código Civil brasileiro.

Impossível não reconhecer o excesso de deságios em recuperações judiciais, uma interpretação extensiva das "condições especiais", que chegam a representar até mais que 50%, do patrimônio alheio, como se o credor estivesse incorrido em abuso de personalidade jurídica, artigo 50 do Código Civil brasileiro, entendimento nosso, porque, para que haja deságio é necessário ter ocorrido antes o ágio, crime contra a economia popular, artigo 4º da Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951.

Corolário lógico, não tendo os credores praticado ágio, que é crime, a lei ou o juízo da ação, artigos 58, § 1º e 126 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 não podem dispor livremente do patrimônio de terceiros, direito garantido no artigo 5º, inciso XXII da Constituição e artigo 1.228 do Código Civil brasileiro, sendo aplicação enviesada do artigo 50, § 1º do Código Civil brasileiro, combinado com o artigo 133, § 2º do Código de Processo Civil, verdadeiro confisco.

A decisão que concede a recuperação judicial, artigo 58 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, é de direito material e processual e, considerando a literalidade da norma de regência, gera efeitos em face da pessoa jurídica em recuperação judicial e seus sócios, que respondem ilimitadamente pelos débitos, não podendo atingir a credores e seus patrimônios, em razão da natureza da ação, unilateral, onde as diversas classes de credores os qualificam apenas como terceiros interessados.

É errado se referir ao juízo da recuperação judicial como "universal", existente somente para atos executórios na recuperação judicial e na falência, "devendo a parte observar as regras de competência legais e constitucionais existentes", decidiu o Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.236.664/SP da relatoria do ministro João Otávio de Noronha – Processo 2011/0022672-5, julgado em 11 de novembro de 2004.

O artigo 58 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 estabelece que "cumpridas as exigências desta lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do art. 55 ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma dos arts. 45 ou 56-A", ou seja, será concedida a recuperação judicial, na forma do artigo 55, caso o credor não tenha se oposto ao plano de recuperação judicial, ato contínuo ao deságio proposto, no "concurso de credores", artigo 7º, § 2º, ou ainda tenha ficado inerte, caso de annuentia, artigo 111 do Código Civil brasileiro, ou, que em assembleia-geral, todas as classes tenham anuído ao plano de recuperação judicial, artigo 45 e, finalmente, o artigo 56-A, é mera forma encontrada pelo legislador, para permitir ao administrador judicial burlar a assembleia-geral de credores.

Como se vê, a literalidade da norma restringe a expansão dos critérios para que seja concedida a recuperação judicial, daí a forma encontrada pelo artigo 56-A da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2002, porque, a uma, grande parte dos credores, quando ainda se habilitam, artigo 7º, §1º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, não participam do concurso de credores, portanto, estão anuindo, artigo 111 do Código Civil brasileiro, ao plano de recuperação judicial, a duas, advogados, ainda da cultura do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945, somente juntam procurações aos autos requerendo o cadastro, que é diferente, e muito, da habilitação, artigo 7º, §1º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 e, a três, a administração judicial é um bom e lucrativo negócio para o administrador judicial, havendo verdadeiras disputas no judiciário pelo cargo. Não cumpridas as exigências materiais e processuais do artigo 58 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, considerando as exceções tratadas no § 1º, observado o § 2º, a recuperação judicial não será concedida, havendo a convolação em falência, artigo 58-A da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

As Fazendas Públicas são credoras especiais, que não necessitam habilitar-se, artigo 7º, §1º, não se sujeitando ao "concurso de credores", artigo 7º, § 2º, onde sua ausência não implica anuência, art. 111 do Código Civil brasileiro, não se sujeitando a deságios, onde após a juntada do plano de recuperação judicial aprovado, com ou sem deságios, ou ainda decorrido o prazo do artigo 55 sem objeção de credores, o Devedor deverá apresentar as certidões negativas tributárias, artigo 57, da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

Deságios por um lado são ganho de capital e de outro, verdadeira doação, podendo fazer surgir, de um lado a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), artigo 12 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996 e, de outro lado, do credor, o Imposto sobre doações (ITCD).

Com a novação os deságios vão representar ganho de caixa do devedor, uma vez a redução do passivo, ainda que a fórceps, por decisão na forma do artigo 58, § 1º da Lei de Falências e recuperação judicial, porque o credor não praticou ágio, portanto, receita do devedor, doação do credor. Ora, não nos parece uma relação justa para o credor, o devedor obter um generoso deságio sem que houvesse ágio e as Fazendas Públicas virem ao final arrecadarem nas duas pontas jurídicas.

Nada mais justo, contrario sensu de tributar o deságio, que na forma do artigo 9º, § 1º, inciso IV da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, o credor venha a abater da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro e do Imposto de Renda, todo o deságio lhe imposto, considerando o prazo prescricional, data da concessão do benefício da Recuperação Judicial, mesmo dispositivo para imposição do deságio, artigo 58, § 1º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, com o artigo 9º, § 4º, da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996 e, artigo 151, inciso V do Código Tributário Nacional.

Não havendo anuência, está em jogo é o patrimônio do credor, que em iguais condições de mercado com o devedor gerou receitas, impostos e agiu com prudência na administração de seu negócio, não podendo o judiciário lhe impor, verdadeira dilapidação de patrimônio, artigo 58, § 1º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, não se tratando de verbas públicas, que nada tem de público, pois é do arpinis purgantibus [2].

Difere do que ocorre com programas de recuperação fiscal — refis do governo federal, parcelamentos que não violam patrimônio particular, artigo 1.228 do Código Civil brasileiro, mas ainda nestes casos, o montante desonerado é somente de juros e multas, sem redução do principal, dinheiro do contribuinte, onde a União reconhece a dificuldade de empresas adimplirem impostos, sem renunciar ao que é inegociável, a renda pública. Nisto, se por um lado o Estado não delibere sobre direitos indisponíveis, não definidos na legislação, em que o artigo 841 do Código Civil brasileiro esclarece que a transação somente pode ser feita sobre "direitos patrimoniais de caráter privado", deixando claro que indisponível é todo direito em relação ao qual o titular não é livre para manifestar a sua vontade, onde o indisponível é defendido pelo Ministério Público, artigo 127 da Constituição, o Estado também não pode deliberar sobre o patrimônio alheio.

Não anuindo o credor, artigo 842 parte final, do Código Civil brasileiro e, artigo 56, § 2º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, em que a inércia importa annuentia, artigo 111 do Código Civil brasileiro, utilizando-se o juiz do art. 58, §1º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, poderá o credor ingressar com embargos de terceiro, artigo 674 do Código de Processo Civil? Entendemos que a resposta é afirmativa, o Credor que tem o seu patrimônio vilipendiado, artigo 1.228 do Código Civil brasileiro, pior, com a chancela do judiciário, pode ingressar na ação como terceiro interessado, que já é, para proteger o seu direito, de somente dispor desse patrimônio se assim o quiser, não por obrigação.

Como colocado alhures, o artigo 50, inciso I da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 não autoriza deságios, entendimento absurdo que em muitos casos, ou na maioria deles são verdadeiras doações, artigo 538 do Código Civil brasileiro, sendo os embargos de terceiro instrumento apropriado para a defesa do patrimônio do credor, artigo 5º, inciso XXII da Constituição e, artigo 1.228 do Código Civil, exceto se ausente da assembleia-geral de credores, porque, caso de annuentia, artigo 111 do Código Civil brasileiro.

Os embargos de terceiro têm cognição limitada e, o Superior Tribunal de Justiça, entendeu no Recurso Especial nº 1.703.707/RS de 25 de maio de 2021 – 3ª Turma – relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze que em regra, somente as partes na relação processual poderão sofrer os efeitos das decisões judiciais proferidas na ação com algum tipo de constrição patrimonial, "quando, porém, o patrimônio de terceiro, sem nenhuma relação com o processo, for atingido, de maneira injusta, pela prestação jurisdicional correlata, a lei confere um instrumento próprio para a defesa de seu interesse, a fim de liberar o gravame judicial realizado em seus bens, qual seja, os embargos de terceiro", o que vem a ser justamente o caso dos deságios unilaterais, com base no artigo 58, § 1º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, sendo o credor na recuperação judicial, nada mais é que um terceiro interessado, no caso, com constrição patrimonial!

Então não se pode olvidar, artigo 9º, § 1º, inciso IV da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, o direito do credor com constrição patrimonial, vítima, por disposição legal, artigo 58, § 1º da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, sem que tenha anuído, parte final do artigo 842 do Código Civil brasileiro, em abater dos impostos que é devedor, em razão de constrição patrimonial, entendimento do Conselho [3] Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), "na circunstância em que o contribuinte por meio de acordo com o devedor, lhe concede desconto com o intuito de solucionar a pendência financeira, fica caracterizada, em relação à parte não alcançada pelo citado acordo, perda efetiva, dedutível", sendo esta parte não alcançada pelo acordo, o deságio lhe imposto, artigo 9º, § 1º, inciso IV da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996.

A integralidade do valor representado pela "parcela que exceder o valor que esta tenha se comprometido a pagar", artigo 9º, § 1º, inciso IV, onde o início do prazo prescricional, artigo 9º, § 4º, ambos da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, combinado com o caput do artigo 58 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 e, artigo 174 do Código Tributário Nacional, sendo clara a jurisprudência sobre o momento correto para o registro das perdas:

Recurso interposto na vigência do CPC/2015 . Agravo interno em Recurso Especial. Processual civil. Tributário. IRPJ e CSLL. Momento do registro de perdas no recebimento de créditos e respectivos encargos financeiros. Legalidade dos arts. 24, § 4º e 26, § 2º, da IN/SRF nº 93/97 frente aos arts. 9º e 11 , da lei n. 9.430 /96. Aplicabilidade da súmula nº 568/STJ. 1. As alíneas a, b e c, do § 1º , II , do art. 9º , da Lei nº 9.430/96 não fazem qualquer discriminação entre as rubricas (de principal e demais consectários) do crédito em cobrança. Ao contrário, se os dispositivos legais mencionam todos que o crédito está vencido, por certo incorporam os consectários legais decorrentes do prazo do vencimento como acessórios a seguir a mesma sorte do principal, não havendo aí também qualquer previsão de corte pela proporção do prazo. Assim, inseparáveis do cálculo do crédito a ser registrado como perda o principal e seus acessórios (juros e outros encargos pelo financiamento da operação e eventuais acréscimos moratórios). 2. O art. 11 , § 1º , da Lei nº 9.430/96, estabelece expressamente o momento temporal de sua aplicação ao utilizar o advérbio de tempo "quando" (STJ – Superior Tribunal de Justiça — Agravo Interno em Recurso Especial — AgInt no REsp nº 1.803.764/SP — Processo nº 2019/0066287-6 — 2ª Turma – Relator: Mauro Campbell Marques — 28/3/2022).

No mesmo sentido, a Lei nº 14.467, de 16 de novembro de 2022, com o agravante de serem as instituições financeiras credoras com garantia real na Recuperação Judicial, a lei permitirá, a partir de janeiro de 2025, que essas instituições financeiras deduzam eventuais perdas, na apuração do lucro real e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, entendendo como "perda" dedutível, a diferença entre a parcela do valor do crédito que exceder o montante que o devedor tenha se comprometido a pagar no processo de recuperação judicial, ágio e; na hipótese de falência, o valor total do crédito.

A literalidade do artigo 9º, § 1º, inciso IV da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, de cognição material não deixa dúvidas sobre o bem jurídico atingido, a "parcela que exceder o valor que esta tenha se comprometido a pagar", o ágio, não restando maiores discussões, sendo de cinco anos da decisão que conceder a recuperação judicial, o prazo prescricional, para o início do procedimento de compensação, não havendo determinação que fixe o tempo máximo para a sua finalização.

 
[1] Guimarães, Márcio Souza – in Recuperação Judicial – Plano de Recuperação Judicial – São Paulo – Pontifícia Universidade Católica – 2018.

[2] Freitas, Rinaldo Maciel "contribuinte é o substantivo utilizado para 'pagador de impostos', enquanto nos Estados Unidos é utilizado taxpayer, que implica mais que pagar tributos, revelando-se o cidadão detentor de obrigações e de direitos, que financia a máquina pública, arcando com os custos do Estado" – Regulamento do IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados Anotado e Comentado – MP Editora – São Paulo – 2008.

[3] Processo nº 16.327.001801/2007-24 – acórdão nº 1301-006.031 – 3ª Câmara – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – 21/09/2022.

Rinaldo Maciel de Freitas é graduado em Filosofia pelo Instituto Agostiniano de Filosofia, mestre em Filosofia Moral, graduado em Direito pelas Faculdades Integradas do Oeste de Minas, advogado, autor do livro ICMS — do Imposto sobre o Consumo à Guerra Fiscal (Reuters, 2011) e membro da Associação Paulista de Estudos Tributários (Apet) e da Sociedade Brasileira de Filosofia Analítica.

Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2023, 6h33

https://www.conjur.com.br/2023-mai-14/rinaldo-freitas-tratamento-credito-rj-falencia