Economia

BC abre consulta para adotar modelo que pode aumentar competição bancária e reduzir juros

A partir do segundo semestre de 2020, o Banco Central (BC) dará o primeiro passo para que os brasileiros possam ter acesso a produtos bancários num só lugar, tal como funciona hoje a pesquisa por passagens aéreas ou eletrodomésticos pelo melhor preço nos chamados marketplaces — sites de varejo que reúnem marcas e fornecedores diferentes.

O cliente poderá, por exemplo, usar o dinheiro de uma conta bancária numa fintech — como são chamadas as empresas financeiras de base tecnológica — para pagar a fatura do cartão de crédito de um banco tradicional. Tudo em uma mesma plataforma. Também não será preciso mudar de banco para ter acesso ao serviço de outra instituição . Assim, será possível optar pela melhor oferta de cartões de crédito, empréstimos e compra de moeda estrangeira, entre outros.

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Este é o chamado open banking, ou sistema bancário aberto , que o BC se prepara para implementar no Brasil. Nesse sistema, o cliente passa a ser dono de seus dados financeiros, e não mais o banco ou corretora em que ele mantém uma conta bancária ou de investimentos. Assim, desde que autorize o compartilhamento de suas informações, será possível ao correntista acessar, num único site ou aplicativo de celular, todas as suas contas.

Este mês, o BC abre uma consulta pública sobre o arcabouço regulatório do sistema. O movimento segue o das principais economias do mundo, que se preparam para definir as regras de abertura de seus sistemas bancários, como Austrália, Cingapura e Japão. Pioneiro, o Reino Unido implementou o próprio sistema no ano passado.

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Por aqui, a autoridade monetária está empenhada em fazer essa agenda andar. O BC considera o open banking uma das principais ferramentas para impulsionar a competição no sistema financeiro — e assim reduzir as taxas cobradas dos clientes.

O objetivo é que, na hora de acessar e movimentar uma conta, o cliente não dependa exclusivamente do site ou do aplicativo oferecido pelo banco, fintech ou corretora em questão, e possa visualizar em um único aplicativo, no celular ou no computador, seu extrato consolidado com todas as contas bancárias e investimentos, e ainda realizar transferências e pagamentos entre elas.

O chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central, João André Pereira, explica que será possível requisitar um produto ou serviço a bancos ou fintechs sem que seja preciso ter, de antemão, uma conta junto àquela instituição financeira:

— No final das contas, é você conseguir montar seu banco no celular, de forma eficiente. Hoje, você tem relacionamento com um banco, tem nele a sua conta bancária e, se precisar de crédito ou câmbio, tem maior facilidade para receber propostas ou pedir alguma coisa, porque esse banco te conhece. Imagine um mundo em que você não precise desse seu banco. Você pode se relacionar com quantos bancos quiser, todos eles sabendo dos seus interesses, e do que você precisa.

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Na avaliação do BC, a nova configuração vai impulsionar a entrada de mais fintechs no sistema financeiro e, num ambiente de maior competição entre elas e os bancos, o crédito ao consumidor pode ficar mais barato.

Já na avaliação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a correlação entre sistema aberto e redução de taxas não é imediata, porque a composição de encargos e tarifas depende de questões como inadimplência, custos operacionais e impostos. Ainda assim, a Febraban afirma que “isso não quer dizer que não possamos ter uma redução de taxas”.
Informação compartilhada

Para Luis Santacreu, analista de bancos da consultoria Austin Rating, o cliente sai em vantagem, principalmente no quesito velocidade.

— (O cliente) não vai ter que passar pelo processo demorado de relacionamento bancário. Agora, ele será cortejado por várias empresas, e poderá rapidamente mudar de um banco para outro, de uma fintech para outra.

Após a consulta ao mercado, o BC vai publicar a regra definitiva de implementação do open banking. Ela incluirá, entre outros pontos, os mecanismos de segurança dos dados dos clientes. O plano é concluir, no segundo semestre do ano que vem, a primeira etapa de implementação. Informações menos sensíveis, como tarifas e localização de agências, serão compartilhadas entre as instituições.

O cronograma segue até meados de 2022, com o compartilhamento de informações cadastrais dos clientes, como endereço, profissão e salário, até chegar a dados transacionais de pagamentos e tipos de compra e, finalmente, ao oferecimento de produtos e serviços financeiros aos consumidores.

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A perspectiva de mudança tem movimentado fintechs. Para Mariana Cunha e Melo, gerente de políticas públicas do Nubank, a transformação em curso permite que a qualidade do serviço seja o determinante na escolha de um cliente, e não mais o tempo que um banco tradicional atua no mercado.

— Hoje, é muito custoso sair de uma instituição que esteja oferecendo um mau serviço e iniciar uma relação do zero com outro banco. O que deve definir se uma pessoa continua num banco é a qualidade do serviço. Com o open banking, o fato de uma instituição estar há muitos anos no mercado deixa de ser uma vantagem competitiva — afirma.
Revolução digital

Grandes bancos, no entanto, não estão fora desse movimento. O Bradesco, que em 2017 criou o Next, concorrente direto do Nubank, vem apostando no que chama de “jornada digital do cliente”, associando diversos produtos e serviços não financeiros à sua conta digital, como descontos em aplicativos de transporte, alimentação e entregas.

Na avaliação de Walkiria Marchetti, diretora executiva do Bradesco, a revolução que as novas tecnologias causaram nas indústrias de mídia e mobilidade, com empresas como Netflix e Uber, está chegando ao setor financeiro.

A ideia é que, no futuro, dados sobre o comportamento de navegação dos clientes na internet sejam aliados a informações sobre gastos, sofisticando a oferta de produtos financeiros de acordo com o perfil do consumidor.

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