Economia

Banco Central estuda tarifa mensal para reduzir juros do cheque especial

O Banco Central (BC) prepara mudanças no cheque especial para induzir a redução na linha de crédito mais cara do país, com taxa de juros de 307,6% ao ano em setembro. A proposta que vem sendo discutida com o setor financeiro prevê que os bancos poderão cobrar uma tarifa mensal dos clientes que quiserem ter acesso a um limite emergencial, apurou o Valor.

Nesse cenário, a taxa de juro do cheque especial para pessoas físicas poderia cair do patamar atual de cerca de 12% ao mês para algo em torno de 7,5% ao mês, segundo estimativa preliminar de fonte que acompanha o assunto. Ainda assim, continuaria sendo uma modalidade de custo alto. A Selic — um dos componentes dos juros cobrados do consumidor — foi reduzida em outubro para 5% ao ano.

Conforme o modelo em estudo, o novo cheque especial funcionará como um “seguro”. Os clientes que optarem por ter esse colchão à disposição vão pagar uma tarifa todos os meses, inclusive naqueles em que o limite não for usado. Quem não quiser o produto não pagará nada, mas não terá a proteção caso entre no vermelho. Hoje, os clientes não precisam pagar para ter acesso ao cheque especial. Porém, arcam com juros altíssimos quando recorrem à linha, que tem inadimplência muito elevada.

O Valor apurou que foram discutidos dois formatos para a tarifa. Um deles é que o cliente pague um percentual do limite que terá à sua disposição — de 0,1% a 1%, dependendo do tamanho da linha. Quanto maior o volume disponível para aquele correntista, maior o percentual.

A outra possibilidade é que seja estabelecido um valor fixo, da ordem de R$ 20 para cima, conforme o limite oferecido. Não está claro qual caminho vai prevalecer, mas a ideia é que clientes de menor renda paguem menos. Tomadores com renda de até cinco salários mínimo representam 77% dos usuários do cheque especial.

O BC vem pressionando os bancos a adotar medidas para reduzir as taxas de juros da modalidade desde a gestão de Ilan Goldfajn, mas as discussões aceleraram no mandato de Roberto Campos Neto. O atual presidente do Banco Central se envolveu diretamente na questão, relatam fontes do setor.

As conversas se intensificaram nos últimos dois meses. O regulador tem ouvido os bancos para entender por que os juros do cheque especial não caem, a despeito da queda da taxa Selic para o menor patamar da história, e atacar essas causas.

Antevendo mudanças, as próprias instituições financeiras levaram ao órgão regulador a proposta de cobrança de tarifa, que não é permitida pelas regras atuais. Em entrevista ao Valor em fevereiro, o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Jr., disse ter apresentado a Campos uma sugestão nesse sentido. “Falei: façam, se tiver que ter compromisso dos bancos, a gente vai assumir o compromisso de reduzir a taxa do cheque especial”, disse na ocasião.

Os bancos estão também dispostos a abrir mão de parte de sua receita por causa da mensagem antipática que os altos juros do cheque especial transmite sobre eles. “O rendimento da linha hoje é desprezível e vem acompanhado de um custo na imagem enorme”, afirma fonte do setor.

No ano passado, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) publicou uma autorregulação para reduzir a permanência dos clientes no cheque especial. As medidas estimularam a migração para outras modalidades, mas surtiram pouco efeito na taxa nominal.

O cheque especial equivale a um volume pequeno da carteira de crédito dos bancos. No fim de setembro, o estoque da linha era de R$ 26,4 bilhões, ou 2,5% do total empréstimos e financiamentos a pessoas físicas com recursos livres no país. Entretanto, na receita, a modalidade tem peso maior: algo mais próximo de 5% do que as instituições financeiras faturam no crédito, de acordo com fontes do setor.

O que os bancos alegam é que o cheque especial tem juros altos por que tem custos elevados — especialmente, para cobrir o risco de inadimplência. A taxa de calotes da modalidade estava em 16,51% em setembro, enquanto à do crédito a pessoas físicas como um todo era de 4,99%. Outro fator que pressiona as taxas para cima é que os bancos são obrigados a alocar capital para deixar a linha do cheque especial disponível, mesmo que o cliente não a utilize.

Por isso, cobrar tarifa seria uma forma de cobrir parte desses custos e compensar a perda de receita que haverá com a cobrança juros menores. É cedo, no entanto, para saber que impacto a medida terá para as instituições financeiras, caso a mudança seja mesmo aprovada pelo BC. Não há estimativas sobre quantas pessoas vão querer pagar pelo produto e, portanto, quanto os bancos irão arrecadar.

Os bancos também defendem mudanças na forma como o BC divulga a taxa do cheque especial. Eles se queixam de que o regulador não leva em conta os dez dias sem juros oferecidos por algumas instituições e não contempla o fato de que os clientes não passam o mês todo no vermelho: a utilização média é de 21 dias por mês, segundo estudo da Febraban. “Quem paga 300% ao ano é a exceção da exceção”, diz um executivo.

A expectativa dos bancos é que o BC não imponha limite à taxa de juros da modalidade. Segundo um interlocutor, as conversas não são nesse sentido e seria uma grande surpresa se fosse estipulado um teto. “Se isso acontecer, paro de oferecer a linha ”, afirma.

Procurados, BC e Febraban não comentaram o assunto.

https://www.sinfacsp.com.br/noticia/banco-central-estuda-tarifa-mensal-para-reduzir-juros-do-cheque-especial-valor-economico