Fomento

Novo marco traz avanços na proteção dos cotistas

Inspirada nos mercados internacionais, a resolução CVM 175 marca uma nova fase na indústria de fundos de investimentos no Brasil. Em vigor desde outubro, o novo marco dá mais liberdade aos gestores, melhora a transparência nas taxas cobradas, muda a estrutura dos fundos e amplia o acesso ao mercado internacional e aos produtos estruturados, os FIDCs.

Gestores e administradores correm contra o tempo para adaptar suas estruturas, processos e documentos à 175, com prazos que começam a vencer em 31 de março de 2024. Até o fim do próximo ano, todo o estoque de fundos, com mais de 30 mil produtos e R$ 8 trilhões alocados, devem estar adequados ao novo marco. Os desafios de adaptação são de curto prazo, mas os benefícios, na visão do mercado, devem vir com o tempo.

“A norma nos aproxima de indústrias mais desenvolvidas. Houve avanços na transparência e proteção ao cotista, na responsabilidade do gestor e do administrador e na flexibilidade para a política de investimento”, diz o vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), Pedro Rudge.

Para os novos fundos, a 175 estabelece emissões já dentro das novas regras a partir de abril de 2024, com maior transparência na remuneração, a nova estrutura multiclasse, e com FIDCs e fundos com 100% de investimento no exterior acessíveis ao investidor geral, sob certas condições. Na visão de Rudge, ao elevar o gestor a  ‘prestador de serviço essencial’, com novas atribuições, “a barra ficou mais alta” e exigirá robustez nas estruturas e processos. “Pode ocorrer que as estruturas menos robustas tenham que se reorganizar com outros players. É algo saudável.”

O CEO da Azimut Brasil Wealth Management, Wilson Barcellos, também vê dificuldades para assets menores. “A competição já era grande e a nova legislação traz mais exigências”, afirma. Para o CEO da Azimut, que tem no Brasil perto de R$ 11 bilhões sob gestão, a nova estrutura dos fundos é um dos destaques da CVM 175.

O modelo, que permitia um fundo master para receber recursos de outros fundos, agora passa a ser composto de classe e subclasses. Um fundo passa a ter as classes, que receberão os ativos, e as subclasses, em que ficarão organizados os cotistas. “Teremos liberdade para fazer a oferta para públicos diferentes, com condições diferentes, mas sem ficar criando outros fundos para isto”, diz Barcellos.

Pela CVM 175, agora qualquer investidor pode ter acesso a fundos de investimento com 100% dos recursos no exterior, desde que siga algumas regras. A medida foi elogiada por Sergio Rhein Schirato, sócio-fundador da Daemon Investments, gestora com um fundo offshore. “Ainda vejo um excesso de cuidado do regulador, mas melhorou. Para fazer a oferta, a CVM estabelece limites de alavancagem dos fundos, um ponto ruim, porque não cabe ao regulador falar quanto vamos nos alavancar”, pondera Schirato.

O sócio da Daemon destaca a importância da obrigatoriedade de que a taxa paga ao distribuidor (rebate) pela oferta do fundo seja informada. “Quem paga ao distribuidor é o gestor, mas se for muito alta, e isto ocorre, sinaliza conflito de interesses. Ele pode estar oferecendo o produto que paga o maior rebate para ele, mesmo não sendo a melhor oferta àquele investidor.”

Sobre a oferta mais ampla de FIDCs, Rudge alerta para a necessidade de respeitar o suitability. “O produto estruturado é mais complexo e necessita que a oferta leve em consideração o perfil do investidor, o mesmo vale para fundos internacionais”, afirma.

A cautela na oferta de FIDCs também é lembrada pela casa especializada em produtos estruturados, a Empírica, com um portfólio de 60 operações e R$ 9 bilhões sob gestão. A casa decidiu que não vai, inicialmente, ofertar FIDCs direto para o investidor geral. Irá oferecer apenas fundos de fundos com cotas sênior dos FIDCs - que são mais seguras e previstas na 175. “Conhecer a estrutura de um FIDC é a parte mais fácil, mas o ponto central é o crédito, como é formalizado, originado e, se tem garantia, como executa, sem falar nas diferenças entre as cotas. Só vai dar certo com uma venda consultiva e hoje não acredito nisto”, comenta Maria Eduarda Suppi Ferrari, sócia e diretora de jurídico e compliance da Empírica.

O Anexo 2, dos FIDCs, destaca a executiva, foi o que mais teve mudança de todos os fundos. A responsabilidade de validar os critérios de elegibilidade dos ativos no fundo e verificar o lastro das operações de crédito agora também é com o gestor. A Empírica optou por desenvolver internamente um sistema para validar os critérios e também o  lastro das operações, conforme explica Paola Mandato Vaz, sócia e diretora de operações e controles internos.

https://valor.globo.com/guia-de-fundos/fundos-de-investimento/noticia/2023/10/30/novo-marco-traz-avancos-na-protecao-dos-cotistas.ghtml