Economia

Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências – Parte 2

A “Nova” Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei 14.112/20) recebeu vetos do Poder Executivo e, contra estes, algumas seções estaduais da OAB se insurgiram, solicitando ao Congresso Nacional a derrubada dos referidos vetos. O assunto será pautado, possivelmente, nesta semana na Câmara dos Deputados. Este artigo se propõe a visitar um veto que afeta, diretamente, não apenas a vida do empresário, que se encontra em crise econômico-financeira ou insolvente, mas, também, a vida do seu empregado.

A “Nova” lei (art. 6º, II) não alterou o conteúdo da redação contida na lei anterior (art. 6º, caput). Portanto, a decretação da falência ou o deferimento da recuperação judicial implica, genericamente, na “suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência”.

O veto perpetrado pelo Poder Executivo refere-se aos créditos de natureza trabalhista e advindos de acidente de trabalho. De acordo com a redação original da “Nova” lei, mais precisamente, no art. 6º, §10, as execuções trabalhistas ficam suspensas, inclusive, contra responsável solidário ou subsidiário, até a homologação do Plano de Recuperação Judicial ou decretação da falência. O Poder Executivo, ao vetar este parágrafo 10, sustentou a existência de insegurança jurídica diante do privilégio dos créditos supramencionados, que devem ser priorizados e, em não sendo, pretensamente promoveria “um descompasso com a essência do arcabouço normativo brasileiro”.

O que o legislador trouxe, originariamente, no §10, do art. 6º, foi especificar a possibilidade de suspensão das execuções, quando trabalhistas, contra responsável solidário ou subsidiário, até a homologação do Plano de Recuperação Judicial ou decretação da falência. É interessante porque se há uma assertiva legal ampla, sem exceções, como a contida no art. 6º, inciso II, da “Nova” lei, ela se aplica a todas as situações por ela abrangidas, o que autorizaria a conclusão de que os créditos  trabalhistas, como “créditos sujeitos à recuperação judicial ou à falência”, estariam ali incluídos. Portanto, de nada adiantará o veto do §10, do art. 6º, se não se excepcionar o crédito trabalhista da regra contida no art. 6º, inciso II, da “Nova” lei. A prevalecer a redação atual, não caberia ao intérprete excepcionar se o legislador não o fez.

E esta linha de raciocínio encontra respaldo no próprio art. 6º, ora em análise. Senão vejamos. O §2º, do referido artigo, esclarece que as ações de natureza trabalhista serão processadas perante a justiça especializada, mas, até a apuração do respectivo crédito, que será incluído no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença. Isto é, após a certeza do seu direito, o credor trabalhista não executará o seu crédito na Justiça do Trabalho, seja na recuperação judicial ou seja na falência. Habilitará o seu crédito, tendo ele, inclusive, a prerrogativa da reserva de valores, até que seu crédito se torne líquido e certo.

Na recuperação judicial, o crédito apurado na Justiça do Trabalho deverá ser incluído no quadro geral de credores, levando-se em conta a ordem de pagamento dos créditos aprovada no Plano de Recuperação, ressalvando que a prerrogativa dos credores derivados da relação do trabalho e decorrentes de acidente do trabalho não será outra senão a de receber os seus créditos em prazo não superior a um ano (art. 54), trazendo a “Nova” lei a possibilidade, antes inexistente, de se estender este prazo em até 2 (dois) anos, obedecidas as condições previstas no §2º (art. 54), dentre elas, a aprovação dos próprios credores supramencionados.

Na falência, a classe dos credores derivados das relações de trabalho e dos decorrentes de acidente de trabalho, dentre os concursais, são os mais privilegiados. Se, no entanto, um credor trabalhista puder executar seu crédito na Justiça Especializada, ele quebrará um princípio importante aplicável ao processo falimentar, que é o da “Condição Igual dos Credores” (Par Condictio Creditorum). E se não houver numerário suficiente para pagar todos os credores trabalhistas e pagamento tiver que ser feito em percentuais, levando-se em conta o valor apurado com a venda do ativo e o passivo trabalhista existente? A execução na Justiça Trabalhista permitiria ao credor receber 100% dos seus créditos, enquanto no processo falimentar os demais credores trabalhistas estariam recebendo percentuais menores. Não seria possível aplicar aos credores trabalhistas, neste exemplo, a mesma condição, quebrando-se o princípio supramencionado e privilegiando um credor em detrimento dos demais da mesma classe, o que é inadmissível no ambiente falimentar.

O problema do ponto trazido para o debate é a resistência histórica, na prática, da Justiça do Trabalho em suspender as execuções trabalhistas e remeter os processos para o juízo concursal, o que acarreta um tratamento desigual, na falência; ou, ainda, permite ao credor privilegiado pela execução no âmbito da Justiça Laboral, receber fora do plano, na recuperação judicial. Esta dificuldade estimulou o legislador a buscar uma pacificação do tema, sendo específico no §10, do art. 6º, da “Nova” lei. Fato é que, com o veto, o Poder Executivo não trouxe segurança jurídica, fez exatamente o contrário, mantém a dependência do bom trâmite processual concursal ao bom senso do Juiz Trabalhista, no aspecto enfrentado, e a insegurança para aqueles que atuam nos processos de recuperação e falências. Mas, quem sabe, não teremos uma boa notícia nesta semana, com a providencial derrubada deste veto pela Câmara dos Deputados!?

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