Fomento

Ofertas de certificados de recebíveis retomam fôlego

As ofertas de certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e do agronegócio (CRA) estão voltando a ganhar algum fôlego no mercado. Os CRAs são impulsionados por emissões novas de grandes empresas e pelo vencimento das antigas. E os CRIs se beneficiam da demanda de fundos imobiliários, que voltaram a captar.

Dados da consultoria Uqbar mostram que, no acumulado do ano, as operações de CRAs somam perto de R$ 5 bilhões, igualando o montante captado pelo instrumento em igual intervalo de 2019. A maior parte das operações tem risco concentrado em uma empresa, não numa carteira de créditos de recebíveis do agronegócio.
 

 
Nas últimas semanas, grandes empresas concretizaram ofertas de CRAs que somaram R$ 2,35 bilhões. O Grupo Vamos levantou R$ 500 milhões em papéis de 7 anos a IPCA mais 5,70%. A Minerva captou R$ 600 milhões, por 5 anos, com taxa de 5,30% mais IPCA. A Raízen fez uma operação em duas séries. Uma, com prazo de 7 anos, saiu a 5,40% mais IPCA e somou R$ 352 milhões. A outra totalizou R$ 728 milhões, por 10 anos, a IPCA mais 5,80%. O que chamou a atenção foi que, mesmo na pandemia, as companhias conseguiram colocar papéis de prazos de 7 e 10 anos.

Segundo fontes do mercado, uma janela para essas emissões se abriu porque papéis antigos estavam vencendo em abril e maio, estimulando a demanda de clientes dos privates dos bancos. Já as empresas aproveitaram para captar, ainda que tenham arcado com taxas mais altas. Muitas delas haviam captado no fim do ano passado com taxa pelo menos 1 ponto percentual menor.

O CRA é um papel que oferece incentivo fiscal para a pessoa física mas, diferentemente do CRI, não conta com um fundo dedicado a comprar esses papéis. Todas as operações foram via Instrução 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com esforços restritos de distribuição e apenas para investidores profissionais.

Mas uma nova dinâmica de mercado tem viabilizado o investimento do investidor pessoa física qualificado nesses papéis. Na pandemia, a CVM retirou a exigência de “lock-up” (restrição à venda) de três meses para quem compra as emissões na oferta primária. Assim se o coordenador dessas emissões tivesse de encarteirá-las, precisaria esperar 90 dias para revendê-las ao mercado. Sem o lock-up, já pode fazer isso no dia seguinte.

O Valor apurou que alguns agentes autônomos chegam a recolher reservas para os papéis até determinado horário, prevendo a alta demanda do investidor, uma vez que esses CRAs têm taxas atrativas em empresas de pouco risco. Uma fonte afirma que os coordenadores têm dado garantia firme para essas operações, e já tentam revendê-las na sequência para esse público para abrir espaço nos balanços e viabilizar outras operações.

Diego Gonçalves Coelho, sócio do Coelho Advogados, lembra que os coordenadores têm repassado os papéis respeitando o perfil do investidor (“suitability”). “A suspensão do lock-up acabou antecipando esse movimento que sempre aconteceu. Acaba sendo quase uma oferta 400 via 476. Mas optar por uma 400 hoje seria muito demorado para fomentar o acesso ao crédito por parte das empresas”, diz. As ofertas via Instrução 400 incluem o varejo e precisam ser registradas na CVM, respeitando os prazos de análises da autarquia. As 476 são colocadas de pé em dias.

XP, BTG, Itaú BBA, BB e Safra estão entre os coordenadores dessas operações e eles ficaram com entre 65% e 95% das distribuições. O investidor profissional pessoa física tem respondido por mais de 10% e alguns fundos também apareceram na compra.

Nesse cenário, a XP está levando ao mercado a primeira oferta de CRA via Instrução CVM 400 do ano. A vendedora de batatas congeladas Bem Brasil busca R$ 200 milhões. Vai usar os recursos para comprar batatas de consumo in natura, sua matéria-prima, diretamente de produtores rurais. A remuneração será fixada entre IPCA mais 5,25% ou que paga a NTNB 2024 mais 3,5%, o que for maior no fechamento da oferta, dia 30. As reservas para a compra vão até 29.

Em dezembro passado, a Bem Brasil captou R$ 70 milhões por meio de um CRA via Instrução 476, em sua primeira operação no mercado de capitais. Naquela época, a empresa informou ao Valor que buscava mais visibilidade entre os investidores para voltar ao mercado em breve, por conta de seu momento de expansão. Os recursos foram usados para ampliação de sua capacidade de armazenagem. A tese é acompanhada de perto pela XP.

Diferentemente das operações de CRA, que estavam paralisadas no início do ano, por conta da reacomodação dos spreads na renda fixa, as ofertas de CRI vinham com muita força no início do ano e desaceleraram com a covid-19. De janeiro a maio, foram emitidos R$ 4,6 bilhões em CRIs, segundo dados da Uqbar. A consultoria observou que o volume mensal dessas operações foi se reduzindo, passando de R$ 1,5 bilhão em janeiro para R$ 512,3 milhões em maio. Aqui não houve uma grande leva de operações de grandes empresas. Mas o mercado enxerga uma nova janela de vencimentos desses papéis entre setembro e outubro que pode ser aproveitada, por exemplo, por empresas de shopping.

Carlos Ferrari, sócio do NFA Advogados, afirma que logo que começou a crise algumas operações de CRIs foram paralisadas, mas agora elas vêm ganhando corpo, por conta da taxa mais atrativa, em tempos de Selic tão baixa. E principalmente porque os fundos imobiliários, investidores desses papéis uma vez que contam com o mesmo incentivo fiscal que a pessoa física, estão retomando com força na captação. Só no escritório dele, são seis operações em curso.

Coelho afirma que as operações menores desses papéis não pararam, pois há demanda de investidores buscando retorno mais alto. “Algumas empresas até acessaram o mercado pela primeira vez com CRIs, em estruturas complexas, com garantias mais parrudas.”

https://www.sinfacsp.com.br/noticia/ofertas-de-certificados-de-recebiveis-retomam-folego-valor-economico