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Fundo de direito creditório tem cerca de R$ 3 bi represados por conta da crise

Perto de R$ 3 bilhões estão represados em fundos de investimento em direito creditório (FIDC) e podem ser liberados para as pequenas e médias empresas na retomada da economia.

Esse volume de recursos se refere aos fundos “multicedente/multisacado”, mais conhecidos como “FIDCs de factoring”. São aqueles que descontam as duplicatas da cadeia de comércio e indústria, paralisada na crise. O patrimônio líquido desses fundos ronda os R$ 20 bilhões. Conforme dados da consultoria Uqbar, esses FIDCs, na média, mantêm 15% do patrimônio líquido em caixa. Na crise, esse percentual superou os 30% em abril. Numa conta simples, isso equivale a dizer que estão com uns R$ 3 bilhões a mais em caixa, que poderiam estar financiando as pequenas e médias empresas.
 

 
“Esse aumento do caixa é o reflexo do cenário atual, de incerteza e aumento do risco. De um lado, existe mais cautela na hora de fechar novas operações de compra de direito creditório. De outro, a quantidade de duplicatas geradas para serem descontadas diminuiu por conta do fechamento de lojas de rua e de shoppings, por exemplo”, resume Carlos Augusto Lopes, sócio-fundador da Uqbar.

Esses fundos foram veículos escolhidos pelas factorings nos últimos anos porque contam com isenção fiscal, o que diminuiu os custos da operação. São as carteiras mais pulverizadas da indústria de FIDCs. Reúnem milhares de empresas cedentes (vendedor do recebível) e sacados (devedor do recebível). As duplicatas que compram são de prazo curto, de 30 ou 60 dias; e valores baixos, na média, R$ 5,5 mil. Por serem de valores pequenos e curto prazo, esses portfólios demandam mais dos gestores, pela elevada “revolvência” (encerramento e abertura de novas operações).

Manter recursos parados em caixa tende a ser custo para esses fundos, que entregam uma remuneração maior aos cotistas, pois investem em papéis de mais risco. Por isso, alguns deles têm chamado assembleias para devolver recursos aos cotistas. Outros vão esperar a reabertura das lojas para atender a demanda de novas duplicatas geradas. “Essa possibilidade de esperar um pouco mais antes de devolver o dinheiro se deve ao patamar atual da Selic, de mínima histórica, que diminuiu as perdas da operação”, explica Daniel Pegorini, sócio da gestora Valora.

No começo da crise, afirma Samuel Oliveira, chefe da área de análise de fundos da XP, havia uma expectativa de que esses FIDCs sofreriam fortes perdas, pelo aumento da inadimplência com o fechamento das lojas. Isso não se confirmou até o momento justamente porque os gestores, em vez de focar na originação de novas operações, ficaram firmes na cobrança dos créditos da carteira.

Na média, a inadimplência nesse segmento fica ao redor de 5% ou 6%, explica Ricardo Binelli, sócio da gestora Solis. Um percentual ao redor de 85% costuma ser pago em dia. Com algum atraso, de 5 a 15 dias, os pagamentos rondam os 95%. Mas, nessa crise, esse modelo ficou mais difícil de acompanhar. “Seguindo as orientações de Banco Central e CVM, esses fundos prorrogaram prazos de pagamento e também adiaram a constituição de provisões. Então esse parâmetro de acompanhamento da inadimplência se perdeu momentaneamente”, afirma o sócio da Solis. Pela observação de Binelli, é possível afirmar hoje que 75% das duplicatas são pagas em dia.

“Como os títulos têm um valor mais baixo, existe o fenômeno de que quem está devendo prefere pagar várias pequenas dívidas do que uma mais alta. As pessoas evitaram ao máximo deixar de pagar esse credor, pois querem ter acesso a ele quando voltarem a funcionar. Sabem que um empréstimo bancário, por exemplo, é mais demorado”, diz Binelli.

Não existem dados compilados dessas operações - isso só vai ser possível quando as duplicatas eletrônicas estiverem todas depositadas nas certificadoras. Por isso a única sinalização possível vem de dados compilados de quem atua no mercado. No caso da Socopa, que faz a administração de FIDCs, o que se viu, explica o diretor Daniel Doll Lemos, foi que a flexibilização para provisionamento de eventuais perdas foi pouco exercida pelos gestores.

“Aqui, oferecemos a possibilidade de não provisionar por 60 dais. Mas a adesão foi muito baixa”, diz. A Socopa administra R$ 15 bilhões em FIDCs e apenas R$ 258 milhões adotaram a medida. Desse percentual, diz Lemos, 71% já foi pago. Segundo ele, como a liquidez permaneceu elevada nesses fundos, a maioria deles optou por provisionar. “Quem pediu prorrogação estava numa situação muito ruim, mas do que vimos aqui foi num percentual pouco relevante”, afirma. Ainda segundo ele, o índice de cobertura, que mede os créditos vencidos já provisionados, está em 88%.

Ainda conforme Lemos, em maio a quantidade de novas operações fechadas já cresceu cerca de 10%. Mas, de março para abril, entre os produtos que acompanha, elas havia caído pela metade, de cerca de R$ 7 bilhões para algo ao redor de R$ 3 bilhões.

As taxas para descontar as duplicatas, obviamente, subiram. No acompanhamento de mercado da XP, afirma Oliveira, é possível sinalizar que empresas de melhor risco pagavam entre 0,8% a 1% ao mês antes da crise. Agora, as operações têm saído num patamar entre 3% e 4%. “Houve menos operações, as taxas subiram, mas é uma situação que se reacomoda quando a indústria voltar”, diz.

Luis Eduardo Costa Carvalho, presidente da Anfidc, afirma que o setor, apesar de ter sofrido com alguns resgates no início da pandemia, mostrou resiliência na crise. “Não há sinal de nenhum problema maior na indústria. Isso mostra que à medida que a atividade econômica voltar a aquecer, haverá dinheiro disponível para essa cadeia de indústria e comércio”, afirma. “Embora tenha havido uma mudança no patamar das taxas, em função da crise”, diz. Esse aumento de taxas pode preservar o retorno do fundo, apesar da menor quantidade de operações.

Oliveira, da XP, lembra que os FIDCs são produtos desenhados para absorver situações de estresse. Esses fundos têm diferentes tipos de cotas. As seniores são distribuídas ao público investidor qualificado. Já as cotas subordinadas e mezanino costumam ficar com o originador dos créditos adquiridos. Essas duas últimas cotas são as que perdem primeiro, no caso de danos ao fundo. Assim, se um fundo tem 20% de cotas subordinadas, a perda do fundo precisaria superar esse percentual para atingir as cotas seniores - ainda há a possibilidade de a subordinada ser chamada para capitalizar o fundo. “Existe um total alinhamento de interesses. O originador é quem perde primeiro se houver algum problema. Então, ele tem o cuidado redobrado com os papéis que coloca na carteira”, diz.

Pegorini, da Valora, diz que o maior risco de um produto como esse seria o de fraude, com duplicatas frias. “Mas os gestores, nessa crise, também tem redobrado a atenção em se certificar sobre a existência dos negócios que geraram os créditos”, afirma.

Binelli, da Solis, acrescenta que, em tempos de juro zero, o FIDC pode se tornar um produto de maior fôlego. “O fundo faz as suas operações a uma taxa prefixada que não está relacionada à Selic. Por essa razão, tende a entregar mais retorno”, afirma.

Segundo ele, não é à toa que esse tenha sido o veículo escolhido pelo BNDES para emprestar às pequenas e médias - o banco está com uma operação na rua que pode chegar a R$ 4 bilhões. “É um produto que tem governança e segurança para o investidor, além de escoar rapidamente o crédito para as pequenas”, diz.

https://www.sinfacsp.com.br/noticia/fundo-de-direito-creditorio-tem-cerca-de-r-3-bi-represados-por-conta-da-crise-valor-economico