Economia

Risco de movimentos populares pode limitar crédito até 2020


 
A greve dos caminhoneiros impactará no crédito do segundo trimestre e já traz risco de piora nas carteiras dos bancos, com maiores calotes e restrição de recursos em 2018. Somada ao período eleitoral e às possíveis novas manifestações, melhora fica só para 2020.

Os efeitos colaterais da paralisação são muitos. De um lado, ao consumidor final, o aumento nos preços dos combustíveis – praticados a preços abusivos, quando não estavam em falta – já reflete em projeções de alta da inflação para junho.

De outro, a incapacidade de produção e venda por parte das empresas no período pode trazer, não somente furos no fluxo de caixa corrente, mas também atrasos e até mesmo o não pagamento de empréstimos tomados previamente.

“Ainda é cedo para mensurar o ponto exato de consequências dessa paralisação, mas os impactos na cadeia produtiva, ainda que administráveis, já influenciam na capacidade de pagamento de algumas empresas que tiveram gastos acima do esperado e que, agora, precisam tentar equalizar seus caixas”, explica o analista bancário da Fitch Ratings, Claudio Gallina.

O movimento de possível piora na inadimplência das empresas, porém, apenas intensifica um conservadorismo que já era visto, desde 2015, nos bancos.

Segundo os últimos dados do Banco Central (BC), por exemplo, ainda que os calotes corporativos tenham diminuído 0,7 ponto percentual em abril deste ano comparado a 2015 (de 3,7% para 3,0%), o saldo de recursos disponíveis para pessoas jurídicas caiu 12,5%, de R$ 1,614 trilhão para R$ 1,411 trilhão, na mesma comparação.

Para o analista da Austin Ratings, Luiz Miguel Santacreu, a paralisação, ainda que não tenha durado o suficiente para trazer impactos significativos nas carteiras dos bancos, trará reflexos mais imediatos no segundo trimestre e ainda traz uma ressalva a um ambiente doméstico “já prejudicado”.“

Já temos uma oscilação natural de ano eleitoral, que se soma à indefinição dos candidatos, com uma campanha política que sequer começou. Além disso, teremos Copa do Mundo e todos os reflexos do cenário internacional em um governo já definhado”, diz o especialista.

Especificamente na postura dos bancos ante os atuais acontecimentos, porém, Gallina reforça ser um momento de as instituições “acompanharem de perto”, não apenas os efeitos que a greve pode trazer nos pagamentos dos financiamentos feitos, mas todos os direcionamentos que os movimentos sociais podem tomar em 2018.

“Principalmente os bancos pequenos e médios devem sentir essas dores um pouco mais rápido. Mas, de qualquer forma, diante de qualquer percepção de perdas maiores ou até de um resultado eleitoral desalinhado com o mercado, a tendência é de revisão das carteiras e postura conservadora”, avalia e acrescenta ser “difícil entender quando a melhor de cenário vem”.

“Esperamos que ao longo de 2019, o ambiente fique menos nebuloso e que, em 2020, já possamos ao menos ter uma sensação do que está por vir”, complementa Gallina, analista da Fitch.

Mercado de capitais

Já quanto ao cenário internacional, não há apenas as discussões em torno das taxas de juros dos Estados Unidos, mas também preocupações de uma guerra comercial – iniciada com as maiores tarifas  impostas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, e as consequentes retaliações que já aparecem na China e no México, por exemplo.

"São movimentos que não cooperam com uma recuperação rápida do Brasil e abalam as taxas de juros de longo prazo e o Ibovespa, com maior desconfiança de que a retomada do País ainda pode demorar”, comenta a coordenadora do curso de administração do Mackenzie de Campinas, Leila Pellegrino.

Os especialistas afirmam, ainda, que um dos desafios que despontam como uma “sobrecarga” ao ambiente turbulento do País são as discussões em torno da Petrobras – que já trouxeram um recuo de quase 15% nos papéis da companhia na última sexta-feira, com o anúncio do pedido de demissão do então presidente da petroleira estatal, Pedro Parente.

Para o professor de finanças do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) Wagner Schmidt, a falta de um posicionamento sobre a revisão das políticas de preços da empresa ainda trarão turbulência ao mercado e só evidenciam a “grande dificuldade do governo em ter um equilíbrio fiscal”.

“Mesmo sendo uma estatal, o grande dilema é que a precificação da commodity é feita no mercado internacional. Fazer as contas de como fomentar um Estado que concede redução tributária a um setor e aceita o risco de onerar ainda mais o contribuinte tem evidenciado a capacidade limitada que esse governo tem”, opina Schmidt.

Ontem, as ações da petroleira terminaram o pregão em queda de 3% (ON) e 5,36% (PN).

Seguros

Dentre os demais produtos do sistema financeiro que podem ser pressionados com os resultados da greve e que já contam com um maior monitoramento também estão os seguros.Segundo

Eduardo Michelin, responsável por transporte e náuticos da Willis Towers Watson, ainda que as perspectivas de aumento no sinistro de cargas não sejam perceptíveis, há um “período” para constatação de perdas por vir e o mapeamento da companhia tem sido “diário e recorrente”.

“Não é um reflexo automático até porque o sinistro só é constatado no destino final, mas o esforço e a recomendação para nossos clientes foi de que as cargas ficassem retidas nas transportadoras até que o cenário se acalmasse e, agora, monitoramos de perto para ver o resultado”, declara Michelin.

Já de acordo com o diretor de riscos da Euler Hermes, Marcelo de Oliveira, as projeções de perdas nas empresas podem também acabar impactando o pagamento de apólices.

“Ainda é cedo para mensurar, mas, em termos gerais, as empresas tiveram cerca de um terço do faturamento mensal impactado. Esperamos uma provável movimentação no número de pedidos de prorrogação de pagamentos, mas não necessariamente nos de inadimplência”, esclarece.

Para Michelin, no entanto, os movimentos que trazem atenção ao mercado segurador são os futuros, relacionados às possíveis reações populares quanto aos resultados eleitorais.

“Temos que manter a atenção, principalmente em relação ao seguro de transporte de cargas, que já tem sofrido bastante nos últimos meses. Ainda mais agora que o País pode ficar à mercê de movimentações partidárias, a postura tem sido ativa e consultiva para gerenciamento de risco”, acrescenta o diretor.

Segundo os últimos dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep) a soma de sinistros ocorridos nos produtos de responsabilidade civil do transportador rodoviário de carga e de responsabilidade civil para o desaparecimento de carga subiram 4,3% em abril deste ano, frente à igual período de 2017, de R$ 49,7 milhões para R$ 51,8 milhões.

“Pode ser que depois, inclusive, os preços sejam revistos, já que quanto mais apertadas estão as apólices, maior é o custo. Mas é algo que teremos que acompanhar”, diz Michelin.

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