Economia

Redução da Selic é insuficiente para recuperação do mercado de crédito

São Paulo - O cenário econômico dá indícios de que apenas a redução da taxa básica de juros, a Selic, não será suficiente para recuperação do crédito no País. Para especialistas, o sistema bancário ainda depende de uma competição mais forte e de reformas institucionais.

Um estudo realizado pela Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi) e Kantar TNS apontou que, pela primeira vez, desde 2014, houve uma melhora em relação à propensão a financiamentos e à perspectiva da situação econômica brasileira futura.

De acordo com o levantamento, a disposição do consumidor em tomar crédito cresceu dois pontos percentuais, ao passar de 15% em junho, para 17% em outubro.

Além disso, a percepção de melhora do brasileiro sobre 2016 aumentou de 13% para 22% em relação à oferta de crédito para a população; de 16% para 32% em relação ao crescimento do País; de 13% para 26% no consumo das famílias e de 12% para 24% quanto às taxas de juros.

Para o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, no entanto, sem concretizar essa melhora na confiança, o quadro atual por reforçar um "otimismo cauteloso".

"Há uma demora. Mas em 2017 já devemos observar o início de uma recuperação. A perspectiva é de inflação perto da meta e a abertura para redução consistente e contínua da taxa básica de juros", identifica o economista.

Ele destaca, no entanto, que apesar da expectativa da Selic encerrar o ano que vem aos 10% ao ano, essa redução não seria suficiente para chegar "na ponta final do crédito". Ou seja, recursos ficarem mais baratos para o consumidor e para o investimento.

"Mudanças institucionais são importantes para que haja a retomada desse segmento no Brasil. A alta na inadimplência contribuiu para o spread bancário, mas ainda falta competição entre as instituições", avalia Giannetti.

Neste sentido, apesar da estimativa de repasse da queda na Selic, os bancos ainda estão muito seletivos e sem apetite para novas concessões, com avaliação restritiva a respeito do risco nos empréstimos.

"Ninguém abrirá o crédito a possíveis inadimplentes, mas já batemos no ponto de equilíbrio do setor. Agora, até mesmo para as instituições financeiras, é interessante ter uma carteira variada. Há o preparo para prosperar, mas ainda é um momento de espera", comenta Nicola Tingas, consultor econômico da Acrefi.

Da outra ponta, ainda segundo a pesquisa feita pela associação, as incertezas sobre as reformas políticas e econômicas refletem como resistência do consumidor, que já somava crédito às carteiras.

A negativa de novo crédito passou de 86% em junho deste ano, para 84% em outubro, volume que, apesar de mostrar melhora, ainda está em um alto patamar. Dentre as modalidades, as preferências cresceram de 29% para 34% no financiamento imobiliário e de 28% para 30% no automotivo, na mesma comparação.

Para Giannetti, parte das reformas institucionais inclui o cadastro positivo (sistema que mede histórico de compromissos e hábitos de pagamentos para aplicação de risco ao crédito). "É o melhor jeito para respeitar o perfil de quem paga em dia de maneira a não transferir o custo do mau pagador", afirmou o especialista.

"Falta incentivo do governo. O problema é que, apesar de não ser nada para os agentes do sistema, a preocupação do atraso de um trimestre na economia real revela um cansaço muito forte para um consumidor já frustrado", completa Tingas, da Acrefi.

Papel mal feito

Outro ponto destacado pelos economistas é que o sistema bancário também "não cumpre como deveria o papel de boa economia", transferindo poupança de investimentos para capital de longo prazo.

"O BNDES [Banco Nacional do Desenvolvimento], por exemplo, precisa conseguir fazer operações casadas e adquirir fatias de portfólios, principalmente para permitir o financiamento de longo prazo ao setor privado de maneira mais inteligente", avalia Otaviano Canuto, diretor executivo do World Bank Group.

"Ainda há um estoque muito grande de dívidas em atraso no País e é preciso ver o crédito ao setor privado mais adequado ao desafio de formação de capital público, direcionado à demanda de mercado e às condições de negócios para ativos de longo prazo e não para simples fantasia de consumo", conclui Giannetti.

Isabela Bolzani

http://www.dci.com.br/financas/corte-da-selic-e-insuficiente-para-recuperar-mercado-de-credito-id589216.html