TJRS - DUPLICATA ACEITA E CONFIRMADA - NEGATIVA DE ANULAÇÃO

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE DESCONSTITUIÇÃO DE TÍTULOS.Encontrando-se os títulos formalmente preenchidos, e tendo a sacada, nas diversas duplicatas, lançado seu aceite, ou estando acompanhadas do comprovante de entrega da mercadoria assinada, além de ter confirmado a sua emissão perante empresa de factoring, operando-se os princípios da autonomia, abstração e literalidade com sua circulação, não cabe agora buscar a anulação de duplicatas sob o fundamento que o contrato que embasou sua emissão restou descumprindo por parte da empresa emitente.

RECURSO DESPROVIDO.

APELAÇÃO CÍVEL  DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL
Nº 70033633785  COMARCA DE CAXIAS DO SUL
FOTOGRAVURA ZEYANA LTDA   APELANTE
DITUPAL DISTRIBUIDORA DE TUBOS PORTO ALEGRE LTDA E OUTROS APELADA
ON LINE SOCIEDADE DE FOMENTO MERCANTIL LTDA APELADA
AQUARIUS FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA APELADA
FAST TRADE FOMENTO MERCANTIL LTDA APELADA
OMEGA FACTORING FOMENTO COML LTDA APELADA
CAPITALIZE FOMENTO COMERCIAL LTDA APELADA
BANCO SAFRA S.A. APELADO

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores DES. ERGIO ROQUE MENINE E DES. PAULO ROBERTO FÉLIX.

Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2011.

DES.ª ANA MARIA NEDEL SCALZILLI,

Relatora.

RELATÓRIO

DES.ª ANA MARIA NEDEL SCALZILLI (RELATORA)

Adoto o detalhado relatório da sentença:

“FOTOGRAVURA ZEYANA LTDA, já qualificada na inicial, ajuizou Ação Anulatória de Título de Crédito c/c Perdas e Danos e pedido liminar contra DITUPAL DISTRIBUIDORA DE TUBOS PORTO ALEGRE LTDA, HRA ASSESSORIA ADMINISTRATIVA S/C LTDA, HM COMPANY LTDA, ON LINE SCO FOMENTO MERCANTIL LTDA, CAPITALIZE FOMENTO COMERCIAL LTDA, REPLICAR ASSESSORIA EMPRESARIAL LTDA, AQUARIUS FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA, FAST TRADE FOMENTO MERCANTIL LTDA e OMEGA FACTORING FOMENTO COMERCIAL LTDA, aduzindo, em síntese, que efetuou pedido de tubos para a construção de sua nova sede, com especificações determinadas. Informou que a primeira ré não conseguiu o produto solicitado, oferecendo outro semelhante, que não foi aceito pelo engenheiro da obra. Aduziu que, apesar de não terem sido entregues os tubos solicitados, os títulos relativos ao negócio foram preenchidos e negociados com terceiros, que os apontaram a protesto. Afirmou que está sendo cobrada de valor indevido, bem como que lhe foi causado dano moral em função do abalo do seu crédito, uma vez que seu nome foi injustamente incluído no rol de inadimplentes. Postulou, liminarmente, a sustação dos protestos dos títulos. Requereu a procedência do pedido, tornando-se definitiva a liminar, declarando-se a nulidade dos títulos, com a condenação das rés à indenização por danos morais causados, a serem arbitrados por este juízo, além do disposto no art. 940 do CC. Acostou documentos.

Foi deferida a liminar de sustação dos protestos (fl. 30).

Citada, a ré Fast Trade Fomento Mercantil Ltda contestou o pedido, alegando, preliminarmente, inépcia da inicial, por não ter a autora vinculado os títulos e os respectivos credores. No mérito, afirmou que a autora confirmou a negociação efetivada com a primeira ré e que deu origem à emissão das duplicatas sub judice. Referiu que a autora adquiriu da primeira ré máquinas e não tubos como alega na inicial. Requereu o acolhimento da preliminar suscitada, extinguindo o feito, ou a improcedência do pedido, com a condenação da autora como litigante de má-fé. Acostou documentos.

Citada, a ré Aquarius Factoring Fomento Comercial Ltda contestou o pedido, alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva e carência de ação. No mérito, argumentou que está agindo no exercício regular de um direito. Impugnou a pretensão da autora de ser indenizada por danos morais. Requereu o acolhimento das preliminares suscitadas, extinguindo o feito, ou a improcedência do pedido.

Citada, a ré On Line Sociedade de Fomento Mercantil Ltda contestou o pedido, alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva. No mérito, sustentou que os títulos têm origem em notas fiscais de venda de máquinas e não de tubos. Argumentou que não houve qualquer manifestação ou oposição da autora sobre a cessão das duplicatas, tendo a autora liquidado outros títulos extraídos das mesmas notas fiscais. Aduziu que os títulos possuem aceite. Impugnou a pretensão da autora de ser indenizada por danos. Requereu o acolhimento da preliminar suscitada, extinguindo-se o feito, ou a improcedência do pedido, com a condenação da autora nas penas da litigância de má-fé. Acostou documentos.

Citada, a ré Ditupal Distribuidora de Tubos Porto Alegre Ltda contestou o pedido, alegando que, quando a autora formulou seu pedido de material, concordou com a emissão de uma nota/fatura “pro-forma”, a fim de que a ré pudesse obter o dinheiro com a faturização das duplicatas, objetivando pagar a siderúrgica. Sustentou que, após ter emitido e negociado as duplicatas, a autora cancelou o pedido. Reconheceu que não houve a entrega da mercadoria, mas que realizaram um negócio lícito, tendo as partes concordado com a emissão e faturização das duplicatas. Aduziu que tentou resgatar as duplicatas, sem êxito, pois foi surpreendida com a apropriação dos valores pela via da conta dos juros. Impugnou o pedido de indenização por abalo de crédito, uma vez que não houve nenhum prejuízo à autora. Afirmou que não cabe a sucumbência, pois a culpa da não conclusão do negócio é da autora. Acostou documentos.

Citadas, as rés HM Company Ltda e HRA Assessoria Administrativa Ltda interpuseram agravo de instrumento, ao qual foi negado provimento (fl. 290) e contestaram o pedido (fls. 178/188), firmando, posteriormente, acordo com a autora (fls. 440/441), o qual foi homologado (fl. 444).

Citada, a ré Capitalize Fomento Comercial Ltda contestou o pedido, alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva, falta de interesse e inépcia da inicial. No mérito, referiu que possui a nota fiscal e comprovante de entrega da mercadoria que deu origem a duplicata sub judice, assim como a confirmação da autora de validade do negócio jurídico. Impugnou a pretensão da autora de ser indenizada por danos morais. Requereu o acolhimento das preliminares suscitadas, extinguindo-se o feito, ou a improcedência do pedido. Acostou documentos.

No prazo de defesa, a ré Capitalize Fomento Comercial Ltda interpôs RECONVENÇÃO (fls. 268/269), postulando a condenação da autora-reconvinda ao pagamento da duplicata mercantil n. 20524-20, no valor de R$8.433,00, devidamente corrigido até a data do efetivo pagamento.

Houve réplicas (fls. 271/274, 275/278, 279/281 e 282/285).

Citada, a ré Replicar Assessoria Empresarial Ltda contestou o pedido (fls. 292/306) e interpôs agravo de instrumento, ao qual foi negado seguimento (fls. 432/437), firmando, posteriormente, acordo com a autora, o qual foi homologado por este juízo (fl. 454).

Citada, a ré Ômega Factoring Fomento Comercial Ltda contestou o pedido, fazendo considerações sobre o fomento mercantil. Alegou que a nota fiscal n. 020843 respalda a origem da duplicata aceita n. 20843/06. Aduziu que, antes do encaminhamento do título a protesto, a autora foi notificada, não tendo feito qualquer objeção em tempo hábil. Requereu a improcedência do pedido, com a condenação da autora nas penas da litigância de má-fé. Acostou documentos.

A autora-reconvinda contestou a reconvenção, reafirmando as alegações feitas na inicial da ação de anulação de título. Requereu a improcedência do pedido.

Houve réplicas (fls. 415/418, 419/422, 423/426 e 427/430).

Instadas as partes a especificar provas (fl. 439), a autora e a ré Capitalize Fomento Comercial Ltda postularam a produção de prova oral, as rés Fast Trade Fomento Mercantil Ltda e On Line Sociedade de Fomento Mercantil Ltda o julgamento antecipado da lide, a ré Ômega Factoring Fomento Comercial Ltda a produção de prova documental.

Sobreveio manifestação da ré Ômega Factoring Fomento Comercial Ltda com a juntada de documentos (fls. 474/542).

Foi realizada audiência de instrução, consoante termo de fls. 563/564.

Houve réplica (fls. 589/591).

A autora quitou o título n. 20843-06 (fls. 601 e 622).

Da decisão de fl. 647, interpôs a autora agravo retido, mantendo-se a decisão (fl. 653).

Declarada encerrada a instrução (fl. 663), a autora e as rés Fast Trade Fomento Mercantil Ltda e On Line Sociedade de Fomento Mercantil apresentaram memoriais, quedando-se inertes as demais rés.

Citado, o réu Banco Safra S/A contestou o pedido, alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva. No mérito, afirmou que não teve qualquer influência na emissão dos títulos ou sobre o negócio subjacente. Sustentou ter agido no exercício regular de um direito ao apontar as duplicatas para protesto. Impugnou a pretensão da autora de ser indenizada por danos morais. Requereu o acolhimento da preliminar suscitada, extinguindo o feito, ou a improcedência do pedido. Acostou documentos.

Houve réplica (fls. 714/717).

Intimada para regularizar a representação processual, a ré Ditupal Distribuidora de Tubos Porto Alegre Ltda quedou-se inerte (fl. 719v).” (fls. 731/733-verso).

O dispositivo sentencial está vazado nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente o pedido, confirmando os efeitos da antecipação de tutela concedida (fl. 30), declarando a ineficácia das duplicatas mercantis números 20684-5, 20684-3, 20639-12, 20773-09, 20639-13 e 20591-15 perante à autora, ressalvando-se o direito de regresso dos réus endossatários contra a ré endossante Ditupal Distribuidora de Tubos Porto Alegre Ltda.

Face à sucumbência recíproca e considerando o Princípio da Causalidade, condeno a autora e a ré Ditupal Distribuidora de Tubos Porto Alegre Ltda. ao pagamento das custas processuais por metade, bem como dos honorários advocatícios do patrono da parte adversa, os quais fixo em R$1.400,00 (um mil e quatrocentos reais); condeno, outrossim, essas mesmas partes (autora e ré Ditupal Distribuidora de Tubos Porto Alegre Ltda.), solidariamente, ao pagamento de honorários advocatícios aos patronos dos demais réus, os quais fixo em R$1.400,00 (um mil e quatrocentos reais), para o patrono de cada parte. Os valores fixados a título de honorários advocatícios deverão ser acrescidos de correção monetária pelo IGP-M, a contar da publicação da sentença, e de juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado da decisão, por apreciação equitativa, na forma do artigo 20, § 4º, do CPC.

Outrossim, julgo procedente o pedido deduzido na reconvenção, condenando a autora-reconvinda ao pagamento do valor de R$8.433,00 (oito mil, quatrocentos e trinta e três reais), corrigido monetariamente pelo IGP-M, a contar do vencimento do título, acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação.
Sucumbente, arcará a autora-reconvinda com o pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ao patrono da ré-reconvinte, os quais fixo 10% sobre o valor da condenação, na forma do artigo 20, § 3º, do CPC.” (fls. 731/740-verso).

Inconformada em parte com a decisão, recorre a autora. Faz uma resenha dos fatos. Aduz que, uma vez reconhecida a revelia da empresa ré Ditupel – Distribuidora de Tubos Porto Alegre Ltda., restou incontroverso a não realização dos negócios subjacentes que ensejaram na emissão das duplicatas negociadas com as empresa de fomento mercantil, aí incluídos aqueles equivocadamente reconhecidos na sentença, ao julgar procedente a reconvenção, razão pela qual deve ser aquele título também considerado nulo. Alega que deve ser aplicado o disposto no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, invertendo-se o ônus da prova. Requer o provimento do recurso.
Apresentadas contrarrazões, foram os autos encaminhados à apreciação desta Corte, vindo conclusos para julgamento.

Às fls. 783/785 sobreveio petição informando sobre acordo realizado entre a autora e a ré Fast Trade Fomento Mercantil Ltda., postulando as partes a desistência do recurso em relação a esta, o que foi homologado.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

DES.ª ANA MARIA NEDEL SCALZILLI (RELATORA)

Eminentes Colegas: com feito, apesar de o apelo interposto beirar a inépcia, pois que carente de fundamentação de fato e de direito e de pedido específicos, não podendo, com certeza, presumir se a irresignação da autora diz respeito somente com a procedência da reconvenção ou abarca, também, a parte em que sucumbiu na ação que ajuizou, a questão mostra-se singela, dentro dos limites recursais postos, razão pela qual passo, desde já, a enfrentar o mérito recursal.

Inicialmente, sem razão a autora ao postular a inversão do ônus da prova, com base no artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor, nesta fase. Ora, além de importar em inovação recursal, deveria  a autora, se entendesse pertinente, ter requerido a inversão do ônus probatório antes da instauração da fase instrutória, a fim de permitir, caso deferido o pedido pelo Julgador singular, que as partes rés produzissem as provas necessárias e que estivessem ao seu alcance para demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo da apelante.

Considerar, agora, a inversão do ônus da prova, seguramente implicaria violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa.
Quanto ao mérito propriamente dito, melhor sorte não socorre à autora.

No caso, incontroverso que o negócio realizado entre a autora e a ré Ditupal e que embasou a emissão das duplicatas mercantis, as quais foram negociadas com empresas de fomento mercantil, não restou efetivado a contento.

Segundo alegou a ré Ditupel, que somente teve sua revelia decretada porque não atendeu à ordem judicial de regularização de sua representação judicial, ao contestar o feito, como necessitava de dinheiro para adquirir matéria-prima para atender à encomenda da autora, combinou com esta que iria emitir as duplicatas e repassá-las à empresas de fomento mercantil, como forma de financiamento.

Já, a autora sustentou, na inicial, e embora não negue a alegação da ré Ditupel, que recebeu a mercadoria e que, posteriormente, quando de sua utilização em imóvel que estava erguendo, verificou que o produto não atendia as especificações requeridas, tendo devolvido o material. Referiu que a Ditupel se comprometeu a resgatar os títulos negociados.

De qualquer sorte, sem adentrar, no ponto, no mérito da sentença, segundo se infere do contexto probatório, em especial, cópia de aviso de recebimento, devidamente assinados, das mercadorias atinente às respectivas notas fiscais que serviram de causa subjacente para a emissão das duplicatas, algumas, inclusive, com o aceite da autora, bem como de declarações desta, encaminhadas para algumas das empresas de fomento mercantil, reconhecendo a obrigação constante nos títulos causais, são elementos mais do que suficientes para apontar pelo improvimento do recurso.

Ocorre que, apesar da duplicata ser um título causal, necessitando, portanto, de uma relação comercial a embasar sua emissão, no caso presente, a autora opôs seu aceite nas cártulas, assinou os comprovantes de recebimento de mercadorias ou, até, reconheceu a higidez do negócio perante as empresas de fomento mercantil, quando consultada, ou seja, reconheceu as obrigações ali constantes, principalmente a de pagar no tempo e modo devido. E o aceite da duplicata possui as mesmas características do aceite cambial, tornando o sacado o devedor principal.

Somado a isso, os títulos em questão foram colocados em circulação, incidindo as características inerentes aos títulos cambiais da abstração, literalidade e autonomia.
Ademais, a autora reconhece que as duplicatas foram devidamente emitidas – e aqui, também, não analiso as versões apresentadas na inicial e na contestação da empresa sacadora –, tendo como base contrato de compra e venda de mercadorias, e que busca agora a anulação dos respectivos títulos ante a alegação de descumprimento contratual.

Todavia, como já referido, os títulos foram aceitos e circularam, encontrando-se formalmente preenchidos.

E as rés, empresas de factoring, tomaram as precauções necessárias quando adquiriram os títulos em questão, consultando a autora sobre a confirmação das duplicatas.

Dessa maneira, deve a autora arcar com as obrigações que assumiu, não cabendo aqui opor exceções pessoais perante o portador de boa-fé.

Por iguais fundamentos, sendo correto o agir das empresas de factoring e considerando que, em relação a emitente dos títulos, houve apenas desacerto comercial, é também de ser confirmada a decisão monocrática na parte em que afastou a alegação de ocorrência da dano moral.

Feitas essas considerações, nego provimento ao apelo.

É o voto.

DES. ERGIO ROQUE MENINE (REVISOR) - De acordo com a Relatora.
DES. PAULO ROBERTO FÉLIX - De acordo com a Relatora.

DES.ª ANA MARIA NEDEL SCALZILLI - Presidente - Apelação Cível nº 70033633785, Comarca de Caxias do Sul: "NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: CLAUDIA ROSA BRUGGER