TJSC - DIREITO DE REGRESSO - FATOR, NÃO JUROS

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DUPLICATAS. CONTRATO DE FACTORING. INSURGÊNCIA DA FATURIZADA. DESCUMPRIMENTO DE DISPOSIÇÕES CONTRATUAIS. COBRANÇA DE REMUNERAÇÃO SUPERIOR À ESTABELECIDA. INCIDÊNCIA DE JUROS EXTORSIVOS. EXCESSO NA EXECUÇÃO. IRREGULARIDADES ALEGADAS, MAS NÃO DETECTADAS. FATOR, COMISSÃO AD VALOREM E JUROS - INSTITUTOS QUE NÃO SE CONFUNDEM. RESPONSABILIDADE PELO ADIMPLEMENTO DOS CRÉDITOS CEDIDOS. CLÁUSULA CONTRATUAL EXPRESSA. PREVISÃO VÁLIDA. DIREITO DE REGRESSO. OBRIGAÇÃO DE CUMPRIR COM A PRESTAÇÃO CONSTANTE NO TÍTULO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.
- Tratando-se de contrato de fomento mercantil, não há que se cogitar da incidência de juros, mas, sim, da aplicação do fator, percentual cobrado pela empresa faturizadora em razão da antecipação dos créditos constantes nas cártulas negociadas.
- A faturizada responde pelo adimplemento dos créditos cedidos se existente disposição contratual expressa neste sentido.

 

Apelação Cível n. 2008.044653-0, de Dionísio Cerqueira
Relator: Des. Edson Ubaldo

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.044653-0, da comarca de Dionísio Cerqueira (Vara Única), em que é apelante Straub Indústria e Comércio de Móveis Ltda., e apelado Labaski Investimentos e Fomento Mercantil ltda:

ACORDAM, em Câmara Especial Regional de Chapecó, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

 

RELATÓRIO
STRAUB INDÚSTRIA DE MÓVEIS LTDA – ME opôs embargos do devedor à execução promovida por LABASKI INVESTIMENTO E FOMENTO MERCANTIL LTDA, lastreada em duplicatas adquiridas por meio de contrato de factoring (fls.85/87). Asseverou o descumprimento de cláusulas contratuais pela embargada, a qual deixou de promover "acompanhamento produtivo ou mercadológico da contratante; acompanhamento das contas a receber e a pagar da contratante; seleção e avaliação da contratante dos devedores e dos fornecedores", restringindo sua atuação à aquisição de títulos de crédito. Argumentou que a taxa de serviço cobrada pela embargada (4,5% sobre o valor do título adquirido) ultrapassa a remuneração prevista no contrato, qual seja, 0,25% até 3% sobre o valor da cártula transferida. Alertou para a cobrança de encargos abusivos não contratados, concernentes a juros remuneratórios, cobrados, em média, no percentual de 9,1% por operação. Sobrelevou a prática de agiotagem por parte da embargada, que exigiu juros em percentual vedado pela Lei da Usura. Ressaltou a ilegitimidade do direito de regresso da embargada, haja vista o risco inerente à atividade por ela desenvolvida, com base em que sustentou a nulidade das cláusulas contratuais que tratam da responsabilidade solidária do cedente pela solvência dos títulos de crédito transferidos. Apontou excesso na execução, visto que a embargada adquiriu os créditos por um valor, mas executa uma quantia muito superior. Por fim, aduziu que a recompra dos títulos é uma forma de resgate de débitos que configura, indiretamente, empréstimo, prática vedada às empresas de fomento mercantil.
Os embargos foram recebidos sem efeito suspensivo (fl. 226).
A embargada ofertou impugnação (fls.228/234), argumentando a inocorrência de descumprimento de cláusulas contratuais, vez que o acordo instituía "a prestação contínua de um ou mais dos serviços", o que afasta a necessidade de promoção de todas as atividades previstas. Esclareceu a distinção existente entre comissão ad valorem, cobrada no percentual variável de 0,25% e 3% sobre o valor do título cedido, e deságio, exigido no percentual variável de 4% e 4,5% também sobre o valor da cártula. Informou que o percentual de 9,1% indicado pela embargada não se refere a juros remuneratórios, mas, sim, ao deságio cobrado proporcionalmente aos meses necessários ao vencimento do título transferido. Demonstrou a não abusividade do percentual cobrado, que se encontra conforme ao índice divulgado pela Associação Nacional das Sociedade de Fomento Mercantil – ANFAC. Rechaçou as alegações de cobrança de juros abusivos e de prática de agiotagem. Sustentou o seu direito de regresso contra a embargante pela solvência das cártulas cedidas e, por último, enfatizou a impossibilidade de declaração de nulidade de cláusulas contratuais em sede de embargos.
Ao proferir sentença, o MM. Juiz de Direito, Dr. Marcio Schiefler Fontes, rejeitou os embargos opostos, com base nos seguintes argumentos: a) em se tratando de contrato de factoring, o percentual exigido não se refere a juros, mas, sim, ao fator, pelo que não há que se falar em cobrança de juros abusivos ou prática de agiotagem; b) a responsabilidade pelo adimplemento dos títulos de crédito cedidos foi expressamente assumida pela embargante, consoante cláusula quarta do contrato celebrado, o que configura o direito de regresso da embargada; c) inexistência de excesso de execução, eis que a responsabilidade da embargante, conforme cláusula contratual onze, é pelo cumprimento da prestação constante da cártula transferida, e não pelo valor recebido em virtude dela.
Inconformada, a embargante interpôs recurso de apelação (fls. 246/261), reiterando as alegações trazidas na peça incial dos embargos opostos, ou seja, o descumprimento de cláusulas contratuais pela embargada; o excesso na cobrança da remuneração pelos serviços prestados pela embargada, contratualmente fixada no percentual variável de 0,25% a 3% sobre o valor do título transferido, mas exigida no percentual de 4,5%; a cobrança de juros remuneratórios extorsivos, em média, na taxa de 9,1%, que fere a Lei de Usura e caracteriza a agiotagem; a inexistência de direito de regresso da empresa faturizadora contra a empresa faturizada e a nulidade das cláusulas contratuais que estipulam o dever de recompra dos títulos creditícios transferidos.
Contrarrazões remissivas à impugnação foram apresentadas (fls.265).
É o relatório.
VOTO
Trata-se de apelação cível interposta por STRAUB INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MÓVEIS LTDA em embargos à execução promovida por LABASKY INVESTIMENTO E FOMENTO MERCANTIL LTDA, irresignada com a sentença que rejeitou os embargos opostos.

 

1) Descumprimento de cláusulas contratuais

 

Sustenta a apelante o descumprimento de cláusulas contratuais por parte da apelada, a qual teria deixado de promover "acompanhamento produtivo ou mercadológico da contratante; acompanhamento das contas a receber e a pagar da contratante; seleção e avaliação da contratante dos devedores e fornecedores", restringindo sua atuação à compra de títulos de créditos, o que a eximiria do cumprimento das obrigações assumidas.

 

Não merece albergue a pretensão.

 

Desde logo, é de se notar que, conforme cláusula primeira do contrato de fomento mercantil celebrado (fl.85), as prestações declinadas pela apelante poderiam ser cumpridas conjunta ou isoladamente. Note-se:

 

CLÁUSULA 1ª - O presente contrato é um contrato atípico, enquadrado nas disposições insculpidas no Título V da Lei nº 10.406/02 e tem por objeto o fomento mercantil das atividades da CONTRATANTE pela CONTRATADA, ambas devidamente qualificadas em seu preâmbulo, e que se dará mediante a prestação contínua de um ou mais dos seguintes serviços:

 

a) acompanhamento do processo produtivo ou mercadológico da contratante;

 

b) acompanhamento de contas a receber e a pagar da contratante;

 

c) seleção e avaliação da CONTRATANTE, dos devedores e o dos fornecedores.

 

PARÁGRAFO ÚNICO: Conjugadamente aos serviços mencionados poderá haver a compra à vista, total ou parcial, pela CONTRATADA de créditos resultantes de vendas mercantis e ou prestação de serviços, realizadas a prazo pela CONTRATANTE. (grifo nosso).

 

Desta maneira, em face do cumprimento do serviço declinado no item "b" da cláusula, qual seja, "acompanhamento das contas a receber e a pagar da contratante", que se consubstancia no próprio ato de aquisição dos créditos e sua cobrança, não há que se falar em inadimplemento contratual por parte da apelada.

 

De outro norte, mesmo que os serviços não tivessem sido prestados, o descumprimento da obrigação principal não seria bastante para desconstituir a obrigação acessória validamente pactuada. A ausência da prestação dos serviços indicados como principais induziria a impossibilidade da cobrança da taxa de remuneração prevista na cláusula quinta do contrato, que dispõe:

 

CLÁUSULA 5ª - Os serviços que a CONTRATADA se compromete a prestar à CONTRATANTE, devem ser remunerados com o pagamento de uma comissão cobrada "ad valorem", convencionada entre as partes, que será resultado da aplicação de um percentual variável de 0,25% até 3,00%, ou seja, sobre o valor total de face dos títulos apresentados em cada Termo Aditivo ou no respectivo instrumento de cessão.

 

Contudo, tal descumprimento não interferiria na validade do serviço acessório contratado, qual seja, aquisição de créditos. Isso porque formalizado este, de maneira independente, em termos aditivos próprios, o que o vincula a pressupostos e obrigações específicas. Note-se o teor das cláusulas contratuais:

 

CLAÚSULA 3ª - Cada aquisição de créditos representados por títulos de crédito será formalizada e demonstrada através de um instrumento próprio denominado "ADITIVO" onde constarão a discriminação dos títulos de crédito, a forma de pagamento e o valora da compra pactuada entre as partes.

 

CLÁUSULA 7ª - A negociação dos títulos de crédito constantes do Termo Aditivo, operar-se-á com a venda à vista pela CONTRATANTE de seus direitos, adquiridos pela CONTRATADA, mediante um preço certo e ajustado entre as partes, pagável à vista. Pelo endosso em preto aposto nos títulos negociados, a CONTRATANTE transfere a titularidade dos seus direitos à CONTRATADA, que passa a ser a sua única e legítima proprietária. (fl.86)

 

Destarte, inarredavável é a validade da cessão de crédito realizada. Frise-se que o eventual descumprimento das prestações principais, no caso em tela, daria azo ou à resolução do contrato ou à execução da prestação de fazer específica, sem afetar, no entanto, as obrigações acessórias anteriormente efetivadas.

 

Aqui, é de se conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

 

2) Remuneração excessiva

 

Assevera a apelante a remuneração excessiva dos serviços prestados pela apelada, a qual teria cobrado um percentual de 4,5% sobre o valor do título adquirido, quando o previsto no contrato era uma taxa variável de 0,25% a 3% sobre este valor.

 

Neste ponto, não assiste razão à apelante.
De pronto, impõe-se esclarecer o equívoco da apelante: a confusão entre a comissão ad valorem e o fator ou deságio. Enquanto a primeira representa o pagamento pelos serviços prestados pela empresa de factoring (obrigações principais e acessórias), fixado no percentual variável de 0,25% a 3% sobre o valor total da operação, consoante cláusula 5ª do contrato; o segundo é a diferença entre o valor expresso no título de crédito adquirido e a quantia por ele paga, isto é, o percentual cobrado em função da antecipação do pagamento dos créditos adquiridos, valor que, originalmente, funciona como garantia pela eventual insolvabilidade.
É de se perceber que, no tocante ao quantum do deságio a ser cobrado, o contrato foi omisso, dês que, em sua cláusula 7ª, apenas consta que as cártulas serão adquiridas "mediante um preço certo e ajustado entre as partes, pagável à vista" (fl.86). Pelos termos aditivos juntados as autos do processo (fls.109, 117,135,139,167,190, 194), verifica-se que o fator foi cobrado nas taxas de 4% e de 4,5% sobre o total do crédito cedido. Observando-se que o percentual não extrapola a taxa divulgada pela Associação Nacional de Factoring – ANFAC, conforme comprovado pela apelada (fl.231), tem-se como regular a cobrança.
Embora nas notas fiscais de prestação de serviço trazidas pela apelante (fls. 48/74) apareça a informação "comissão de 4,0% pelos serviços prestados conforme cláusula 4ª, do Contrato celebrado em 21/01/2005", fácil é perceber que tal percentual se refere ao fator, e não à comissão ad valorem. Isso porque, logo abaixo, consta o termo "ad valorem", o qual, remetendo à outra quantia, constitui a comissão disciplinada na cláusula 5ª do contrato e limitada ao mínimo de 0,25% e ao máximo de 3% sobre o total de face dos títulos negociados.
Avaliando-se os termos aditivos e as notas fiscais colacionadas, nota-se que a comissão ad valorem foi cobrada, em média, na taxa de 0,55% sobre o total dos créditos transferidos. Por vezes, até no percentual mínimo de 0,25%.
Logo, não há que se falar em excesso de remuneração pelos serviços prestados pela apelada, vez que a comissão ad valorem foi exigida no percentual previsto no contrato, não podendo ser confundida com o fator.
Neste aspecto, é de se conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
3) Juros extorsivos

 

Ventila a apelante a cobrança de juros extorsivos pela apelada, o que denunciaria a prática de agiotagem e retiraria a exigibilidade dos títulos creditícios executados.

 

Não merece guarida o apelo.

 

Como demonstra o documento de fls.85/87, o contrato celebrado entre as partes é de fomento mercantil, e não de mútuo, razão pela qual não há que se cogitar da incidência de juros, mas, sim, da cobrança do fator, conforme anteriormente explanado.

 

As taxas de 4% e de 4,5% que, segundo a apelante, configurariam a exigência de juros abusivos, vedados pela Lei de Usura, representam, na verdade, a diferença requerida pela apelada para a antecipação dos créditos negociados. Elucide-se que o fator não se submete aos limites traçados na legislação citada. Logo, descabida é a pretensão da apelante.

 

Neste tocante, o próprio MM. Juiz de Direito, Dr. Marcio Schiefler Fontes, já havia esclarecido:

 

Não há falar em cobrança de juros abusivos, muito menos em agiotagem. Todos os termos aditivos traziam com clareza os valores a serem descontados do total dos títulos, bem como do valor que a embargante estaria abrindo mão pela venda antecipada à embargada. Além do mais, todos os referidos termos foram assinados pelo representante da Embargante. (fl.240)

 

Deste modo, aqui também não merece provimento o apelo.

 

4) Direito de regresso da empresa faturizadora

 

Argumenta a apelante a nulidade das cláusulas contratuais que fixam a sua responsabilidade pelo adimplemento do débito constante nos títulos creditícios objeto do contrato de factoring e sustenta a impossibilidade de direito de regresso da empresa faturizadora em face da empresa faturizada.

 

Não merece prosperar o apelo.

 

Neste ponto, necessárias são algumas elucidações iniciais quanto aos contornos do contrato de factoring.
Segundo Arnaldo Rizzardo, trata-se de
relação jurídica entre duas empresas, em que uma delas entrega à outra um título de crédito, recebendo, como contraprestação, o valor constante do título, do qual se desconta certa quantia, considerada a remuneração pela transação.
[...]
O cliente do factoring é, em regra, o fabricante ou distribuidor de uma mercadoria, o qual, em troca de pagamento de uma comissão ao factor, entrega a este os créditos comerciais que possui contra seus compradores, a fim de que o factor se ocupe de sua administração, contabilização e cobrança, ao mesmo tempo garantindo-o contra a falta de pagamento, a insolvência ou a quebra dos dos compradores, sem direito de repetição ou regresso, de tal forma que o cliente não correrá qualquer risco pelo não-pagamento dos créditos cedidos (Factoring. 3a. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 13).
O conceito mais completo é dado pelo fundador da ANFAC, Associação Nacional de Factoring, Dr. Luiz Lemos Leite, com base na Convenção Diplomática de Ottawa de maio de 1988:
É a prestação contínua de serviços de alavancagem mercadológica, de avaliação de fornecedores, clientes e sacados, de acompanhamento de contas a receber e de outros serviços, conjugada com a aquisição de créditos de empresas resultantes de suas vendas mercantis ou de prestação de serviços, realizadas a prazo (Factoring no Brasil. Editora Atlas, 2004. p. 36).
Conforme explicitado, parte da atividade de factoring se realiza pela compra dos créditos de empresas clientes, por meio de contrato de cessão. A característica principal e diferenciadora deste negócio jurídico, consoante apontam muitos doutrinadores e julgadores, é a natureza pro soluto do mesmo, a qual afasta a responsabilidade do cedente/faturizado pela solvência dos títulos repassados em caso de inadimplemento por parte dos devedores originários.
Neste sentido, Fábio Ulhoa Coelho, ao investigar as nuances da prática, ressalta as obrigações assumidas pela empresa faturizadora:
Pelo contrato de fomento mercantil, um dos contratantes (faturizador) presta ao empresário (faturizado) o serviço de administração do crédito, garantindo o pagamento das faturas por este emitidas. A faturizadora assume, também, as seguintes obrigações: a) gerir os créditos do faturizado, procedendo ao controle dos vencimentos, providenciando os avisos e protestos assecuratórios do direito creditício, bem como cobrando os devedores das faturas; b) assumir os riscos do inadimplemento dos devedores; c) garantir o pagamento das faturas objeto de faturização (Curso de Direito Comercial. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 142 e 143). Grifo nosso.
Nota-se que, dentre outros, subsiste para a empresa cessionária o dever de arcar com os riscos pelo não pagamento dos títulos adquiridos, obrigação esta reconhecida em julgados desta Corte Estadual:
[...] As empresas de "factoring" assumem, nas operações que travam com os faturizados, os riscos do negócio, o que as leva a arcar, de regra, com os prejuízos decorrentes de eventual inadimplemento dos devedores dos títulos adquiridos. [...] (AC. n. 2005.007584-4, de Laguna, rel. Des. Trindade dos Santos, j. em 14.07.2005)
Isso acontece, em regra, porque a empresa faturizadora, quando da compra dos créditos, exige do faturizado o deságio. Deságio é o percentual cobrado em função da antecipação do pagamento dos títulos adquiridos, valor que funciona como remuneração da atividade e como garantia pela eventual insolvabilidade.
Por força da exigência dessa remuneração, em regra, inexistindo vício ou nulidade nos títulos ou má-fé do faturizado, incabível é a responsabilização deste pelos créditos inadimplidos.
Essa orientação geral, porém, pode ser afastada por disposição contratual expressa no sentido contrário. É o teor do art. 296, do Código Civil: "Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor."
Desse modo, caso assim seja pactuado explicitamente no contrato de fomento mercantil, o faturizado responderá pela existência do crédito e também pela sua solvência. No tocante à assunção dessa responsabilidade, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona afirmam:
[...] nada impede que, no ato de transmissão do crédito, o cedente expressamente se responsabilize pela solvência do devedor. Nesse caso, além de garantir a existência do crédito, torna-se co-responsável pelo pagamento da dívida, até o limite do que recebeu do cessionário, ao que se acrescem juros, bem como a obrigação de ressarcimento das despesas da cessão e as que o cessionário houver feito para a cobrança da dívida. Trata-se da denominada cessão pro solvendo, a qual exige prévia estipulação contratual (arts. 296 e 297 do CC-02 e arts. 1.074 e 1.075 do CC-16). (Novo curso de direito civil. v. II. 7. ed. rev. atual e reform. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 252).
É de se enfatizar a necessidade de existência de cláusula contratual expressa para que se reconheça a obrigação do faturizado. Este, aliás, é o entendimento deste Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – CHEQUES PRESCRITOS – EMPRESA DE FACTORING – DIREITO DE REGRESSO – POSSIBILIDADE – DECLARAÇÃO EXPRESSA DE RESPONSABILIDADE VOLUNTÁRIA DO CEDENTE E SEU AVALISTA PELA SOLVÊNCIA DO SUBSCRITOR DOS TÍTULOS – RECURSO PROVIDO.
Se o contrato contiver a convenção de responsabilidade do faturizador cedente (cessão de crédito) pela solvência do devedor, o faturizador, ocorrendo a inadimplência deste, poderá utilizar-se do título de crédito negociado e, com base no endosso, executar o endossante-faturizado, tendo o contrato como origem e causa da cobrança. (DONINI, Antônio Carlos. Manual do factoring. São Paulo: Klarear, 2004. p. 43). (Apelação Cível n. 2006.027656-6, de Lages, Des. Ricardo Fontes, j. em 3/5/2006).
No caso em apreço, compulsando-se os autos, percebe-se que o contrato de factoring celebrado contém cláusula expressa imputando à apelante/faturizada a responsabilidade pelo adimplemento dos créditos cedidos. Veja-se:
CLÁUSULA 8ª [...]
PARÁGRAFO SEGUNDO – Na eventualidade da não liquidação dos títulos de créditos cedidos, será a CONTRATANTE comunicada para cumprir com a prestação constante no título no prazo de 24 (vinte e quatro horas), sob pena de decorrido o prazo citado serem aplicados sobre o crédito inadimplido pelo DEVEDOR os mesmos encargos moratórios previstos na cláusula 11, deste instrumento. (fl.86)
CLÁUSULA 11 – A CONTRATANTE, sem prejuízo da assunção da responsabilidade pelo cumprimento da prestação constante dos títulos endossados, assume a responsabilidade de, concluída a operação e sobrevindo a constatação de vícios ou de quaisquer outras exceções na origem do(s) título(s) negociado(s), recomprá-lo(s) da CONTRATADA, pelo valor de face do título negociado, acrescido da multa de 10,00% (dez por cento), de juros moratórios de 1,00% (um por cento), ao mês, de atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, das perdas e danos e honorários de advogado, tudo conforme autorizam os artigos 389 ao 392 e 394 ao 396 do Código Civil. (fl.87)
Logo, porque provada a exceção, afastada deve ser a regra geral, reconhecendo-se a obrigação da apelante em solver os créditos transferidos e não adimplidos pelos devedores originários.
Quanto à validade dessa previsão, Jorge Luis Costa Beber é enfático:
Destarte, se a lei civil não veda a realização de contratos atípicos e faculta ao cessionário assumir garantias outras além da existência e legitimidade do crédito cedido, não havendo nessa última hipótese nenhum malferimento à liberdade de contratar, aos usos e costumes, aos fins sociais e aos princípios da probidade e da boa-fé, não vislumbro motivo plausível para repugnar a cláusula de regresso ou a natureza pro solvendo nos contratos de fomento mercantil. (Contrato de factoring: legalidade da cláusula de regresso. Jurisprudência Catarinense, Florianópolis, ano XXXII, n.º 110, 2006, p. 113-126). (Apelação cível n. 2005.020266-1, de Criciúma. Relator Desembargador Jânio Machado. Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Comercial. J. em 26.07.2007).
Deste modo, em homenagem aos princípios da autonomia da vontade e da liberdade de contratar, é de se reconhecer a legalidade da estipulação de tal responsabilidade. Essa disposição não afronta o negócio jurídico firmado nem é suficiente para descaracterizá-lo:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA – AÇÕES CAUTELARES INCIDENTAIS DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO– NOTAS PROMISSÓRIAS VINCULADAS A TERMO DE NOVAÇÃO E CONFISSÃO DE DÍVIDA – FACTORING–ALEGADO DESVIRTUAMENTO DO INSTITUTO DA FATURIZAÇÃO – PRETENDIDA CONFIGURAÇÃO DE CONTRATO DE MÚTUO – HIPÓTESE QUE NÃO SE VERIFICA– ENCARGOS ABUSIVOS NÃO DEMONSTRADOS – ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBIA Á PARTE DEMANDANTE – DIREITO DE REGRESSO EM CASO DE INADIMPLEMENTO – RESPONSABILIDADE OPCIONAL – EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL – VALIDADE – PENHOR MERCANTIL – NULIDADE – DESCABIMENTO – PEDIDO SUBSIDIÁRIO ACOLHIDO EM PARTE – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA QUE SE IMPÕE – RECURSO DESPROVIDO.
Se o contrato contiver a convenção de responsabilidade do faturizado cedente (cessão de crédito) pela solvência do devedor, o faturizador, ocorrendo a inadimplência deste, poderá utilizar-se do título de crédito negociado e, com base no endosso, executar o endossante-faturizado, tendo o contrato como origem e causa da cobrança. (DONINI, Antonio Carlos. Manual do factoring. São Paulo: Klarear, 2004. p. 43). (Apelação cível n.º 2000.015362-1, de Blumenau, Primeira Câmara de Direito Comercial, rel. Des. Ricardo Fontes, j. em 14.12. 2006. Disponível em:. Acesso em: 23 jul. 2007). (Apelação cível n. 2005.020266-1, de Criciúma. Relator Desembargador Jânio Machado. Órgão Julgador: Primeira Câmara de Direito Comercial. J. em 26.07.2007).
Destarte, válida é cláusula firmada no contrato de fomento mercantil em análise, pelo que subsiste a responsabilidade da apelante pelo adimplemento dos créditos cedidos e não solvidos.

 

Neste ponto, é de se conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

 

5) Excesso da execução

 

Sobreleva a apelante a ocorrência de excesso na execução, vez que os títulos de créditos foram cedidos à apelada por um certo valor, mas executados por outro, superior àquele.

 

Não merece crédito a insurgência.

 

O teor das cláusulas 8ª e 11 do contrato de faturização celebrado é bastante para afastar a pretensão. Daquelas disposições extrai-se a informação de que a apelante se responsabilizou pelo adimplemento da prestação contida no título cedido, ou seja, pelo valor de face da cártula, o que rechaça, desde logo, a ocorrência de excesso na execução.

 

De outro norte, é de se ressaltar que as razões recursais, neste aspecto, apenas repetem os argumentos trazidos na inicial, os quais foram devidamente avaliados pelo juízo a quo, pelo que são incapazes de desconstituir a decisão proferida. Nesta medida, dispensáveis são maiores elucubrações.

 

Aqui, é de se conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

 

6) Prequestionamento

 

Por último, requer a apelante a declaração de prequestionamento do art. 1º, §3º, do decreto 22.626/33.

 

A pretensão deve ser desprezada, haja vista que as questões suscitadas nos autos foram devidamente elucidadas pela sentença vergastada, a qual abarca a necessária motivação e cumpre com a função jurisdicional que lhe é inerente.

 

Destaque-se que não há necessidade de manifestação meticulosa a respeito de todos os dispositivos citados, desde que a fundamentação da decisão seja clara e precisa.
Sobre o assunto, este Relator já se manifestou:
O julgador não é obrigado a analisar todos os argumentos utilizados pelas partes e debatê-los um a um, mas sim apresentar os motivos de seu convencimento, a fim de concluir pela melhor solução a ser aplicada à controvérsia instaurada entre as partes. (Embargos de Declaração em agravo de instrumento n. 2005.018672-1/0001.00, j. 30.03.2006).
No mesmo sentido:
Ainda que a parte alegue a intenção de ventilar matéria para fins de pré-questionamento, o julgador não é obrigado a examinar exaustivamente todos os dispositivos legais apontados pela recorrente quando a fundamentação da decisão é clara e precisa, solucionando o objeto da lide. A atividade jurisdicional não se presta para responder a questionários interpostos pelas partes, provocar lições doutrinárias ou explicitar o texto da lei, quando a matéria controvertida é satisfatoriamente resolvida. (Ap. Cív. n. 1998.009640-5, de Sombrio, Relatora Desembargadora Maria do Rocio Luz Santa Ritta, j.05.09.2003).
Neste diapasão, está superado o prequestionamento em relação ao diploma legal invocado, sobre o qual a presente decisão não tenha se manifestado.
Pelo exposto, o voto é no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

 

DECISÃO
Ante o exposto, nos termos do voto do Relator, decidiu a Câmara Especial Regional de Chapecó, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento.

 

O julgamento, realizado no dia 23 de abril de 2009, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Edson Ubaldo e dele participaram o Excelentíssimo Senhor Desembargador Cesar Abreu e a Excelentíssima Senhora Desembargadora Rejane Andersen.

 

Florianópolis, 05 de maio de 2009.

 

Edson Ubaldo

 

Relator