TJSP - GRAVAÇÃO TELEFÔNICA ACEITA PARA COMPROVAÇÃO DO NEGÓCIO

Ação de indenização por danos materiais e morais - Descumprimento de contrato para confecção de uniformes escolares - Prova - Gravação de conversa - Procedimento tomado por um dos interlocutores - Inexistência de interferência de terceiros - Prova admissível - Não necessariamente o interlocutor deve ser parte no processo - Depoimento do próprio representante da ré comprova a efetivação de pedido - Alunos que ficaram sem uniforme em festividade promovida pela escola - Indenização devida - Danos morais demonstrados - Majoração - Apelo da ré improvido e provido o recurso adesivo. 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SAO PAULO
33a Câmara
APELAÇÃO C/ REVISÃO
N° 1044535- 0/3
SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO

Comarca de BAURU
Processo 2776/05
2.V.CÍVEL

APT/APDS CAMISARIA E UNIFORMES PROFISSIONAIS DUVANIER LTDA ME

PASCHOAL DUARTE S/C LTDA ME

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os desembargadores desta turma julgadora da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça, de conformidade com o relatório e o voto do relator, que ficam fazendo parte integrante deste julgado, nesta data, negaram provimento ao apelo da ré, e deram-no ao recurso adesivo por votação unânime.

Turma Julgadora da 33a Câmara
RELATORDES. CRISTIANO FERREIRA LEITE
REVISORDES. SÁ DUARTE
3o JUIZDES. LUIZ EURICO
Juiz Presidente DES. SÁ DUARTE

Data do julgamento : 01/12/08

DES. CRISTIANO FEREIRA LEITE
Relator

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
33' CÂMARA

Apelação com Revisão n. 1.044.535-0/3

Apelantes e Apelados: Camisaria e Uniformes Profissionais Duvanier Ltda.
ME; Paschoal Duarte S/C Ltda. ME
Comarca: Bauru
Voto n. 13.684

Ação de indenização por danos materiais e morais - Descumprimento de contrato para confecção de uniformes escolares - Prova - Gravação de conversa - Procedimento tomado por um dos interlocutores - Inexistência de interferência de terceiros - Prova admissível - Não necessariamente o interlocutor deve ser parte no processo - Depoimento do próprio representante da ré comprova a efetivação de pedido - Alunos que ficaram sem uniforme em festividade promovida pela escola - Indenização devida - Danos morais demonstrados - Majoração - Apelo da ré improvido e provido o recurso adesivo.

Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais decorrente de contrato de compra e venda de uniformes escolares, ajuizada por Paschoal Duarte S/C Ltda. ME em face de Camisaria e Uniformes Profissionais Duvanier Ltda. ME, que a r. sentença (fls. 136/145), cujo relatório é no mais adotado, julgou parcialmente procedente, condenando a ré à indenização de R$ 1.060,00 a título de danos materiais e R$ 2.100,00 por danos morais, atualizado monetariamente e com juros legais da citação, além de custas processuais e honorários advocatícios.

Irresignada a vencida apelou, alegando preliminar de carência de ação, tendo em vista que houve gravação ilícita de ligação telefônica feita por terceira pessoa que não é parte no processo, e que tal preliminar não poderia ter sido relegada no despacho saneador para apreciação com o mérito da ação. No mérito, aduziu que embora não tenha havido formalização escrita do pedido, estabeleceu um vínculo contratual com a autora como futura cliente, mas para que isso se tornasse definitivo era Necessária aprovação de uma amostra do uniforme a ser confeccionado, o que não aconteceu, razão pela qual o pedido não foi efetivado. Invocou a aplicação do art. 401 do CPC, o qual veda a prova exclusivamente testemunhai para contratos que excedam o décuplo do salário mínimo.

Asseverou que não há prova que por causa dos uniformes a autora tenha perdido alunos e nem que ficou com sua imagem abalada.

A autora apelou adesivamente, postulando a majoração do montante dos danos morais.

Os recursos foram recebidos e regularmente processados, com as respostas.

É o relatório.

A autora ajuizou a presente ação de indenização por danos materiais e morais, aduzindo que celebrou contrato com a ré para confecção de uniformes escolares para os seus alunos, mas que contratada não deu seguimento ao pedido, passando a adiar indefinidamente a entrega da mercadoria contratada, mesmo diante da insistência da contratante, sendo obrigada a se expor de forma ridícula aos pais dos alunos como escola incapaz de planejar adequadamente as suas atividades, tendo em vista que os alunos desfilaram no dia 7 de setembro com uniformes velhos ou até mesmo sem uniforme.

Inicialmente, afasto a preliminar de carência da ação argüida pela ré.

Primeiro, porque as condições da ação tais como legitimidade, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido se encontravam presentes, não havendo que se falar em carência de ação.

Depois, porque o art 332 do CPC, admite como hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos. E o próprio Código, mais adiante (art. 383), esclarece que qualquer reprodução mecânica faz prova dos fatos ou das coisas representadas.

Nesse contexto, não há como rejeitar a prova consistente em gravação de conversa entre as partes, desde que efetuada por uma delas, inteiramente diversa da interceptação de comunicação alheia, essa sim vedada pelo ordenamento jurídico, que proíbe a interferência de terceiro no âmago de conversa alheia, realizando uma gravação clandestina. E nem se alegue que um dos interlocutores deva ser obrigatoriamente parte no processo, bastando apenas que seja ele mesmo a efetuar a gravação a ser utilizada como prova.

Quando um dos partícipes da conversa se dá ao cuidado de gravar o diálogo, ainda que sem o conhecimento do outro, inexiste a violação do sigilo da comunicação, essa sim vedada pela maioria dos sistemas jurídicos.

É o que se tem decidido em diversas oportunidades. Confira-se:

Prova - Conversa telefônica - Gravação de fita magnética - Recorrente figurando como interlocutora - Admissibilidade - Meio lícito - Recurso provido. Inexistente a pretendida clandestinidade que não vai ocorrer pela simples circunstância de a pessoa que se encontra do outro lado da linha desconhecer a gravação, e inexistente também escuta obtida ilicitamente, não há cuidar de prova vedada. (Tribunal de Justiçade São Paulo - Rei. FONSECA TAVARES - Al n. 187.942-1 - J. 03.02.93).

Prova - Comunicação telefônica - Interceptação - Secretária eletrônica - Admissibilidade eis que obtida licitamente, embora sem o conhecimento de sua formação pela outra parte - Inaceitável que, a pretexto da intransigente proteção ao direito a inviolabilidade das comunicações, se viole igualmente constitucional direito de defesa. O que a Constituição veda é a interferência de terceiro no interior do diálogo, sem aceitação do comunicador ou receptor, aquilo que se denomina interceptação, dando azo a gravação clandestina. Todavia, a conversa regular entre duas pessoas, que se aceitam como comunicador e receptor, em livre expressão de pensamento, admite
gravação por uma das partes. (Tribunal de Justiça de São Paulo - Rei. EUCLIDES DE OLIVEIRA - Al n. 171.084-1 - J. 24.02.92).

A gravação magnética de conversas telefônicas por um dos interlocutores sem interferência de terceiro é a prática que não ofende a inviolabilidade da intimidade e das comunicações telefônicas por não se tratar de interceptação, mas de gravação clandestina, meio lícito e moralmente legítimo de obtenção de prova em assunto negociai relativo a locação, cuja divulgação, em processo, não fere o direito de privacidade das pessoas envolvidas, consoante entendimento do artigo 5o, X, XII e LVI, da Constituição Federal, e dos artigos 332 e 383 do Código de Processo Civil, (extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo - Rei. Juiz DYRCEU CINTRA-Al n. 488.433 - J. 03.06.97).

Portanto, a gravação efetuada pela patrona da autora em conversa telefônica com o representante legal da ré é perfeitamente aceitável como prova.

Superada tal questão, passo a analisar o mérito da ação.

Realmente, inexistiu formalização escrita do pedido efetuado pela autora para a confecção dos uniformes, mas ficou evidente, inclusive pela afirmação da ré, que a autora entregou outro uniforme como amostra, o que demonstra a aproximação das partes.

É certo que o usual é que haja uma aprovação pelo cliente da amostra a ser feita, para que o pedido seja efetivado.

Em que pese na hipótese vertente inexistir prova escrita da contratação, é certo que a amostra foi confeccionada, tanto que a ré a exibiu por muito tempo na vitrine de seu estabelecimento.

Por outro lado, se havia alguma dúvida quanto à existência ou não de pedido, a mesma foi sanada pelo depoimento do próprio representante legal da ré, ao responder sobre a indagação se reconhecia a gravação que está nos autos, afirmou que reconhecia e que "a partir do momento em que ele formulou o pedido, começou a pressionar..." (fls. 98) Era o suficiente para provar que realmente houve efetivação de pedido.

As demais testemunhas só confirmaram as alegações da autora, de que realmente foi feito o pedido, que o material foi trocado, por isso que não ficaram prontos na data estipulada, que presenciaram a autora diversas vezes cobrando a mercadoria etc.

Insubsistente a invocação do art. 401 do CPC, haja vista que não houve somente produção de prova testemunhai para a comprovação das alegações da autora.

Portanto, mesmo na ausência de pedido formal das mercadorias, ficou evidente que houve efetivação da contratação, razão pela qual é de rigor a indenização pelo descumprimento do pacto.

O dano moral, por sua vez, também é devido na espécie, pois a imagem da escola restou abalada junto aos pais dos alunos, passando como incapaz de organizar uma festividade, já que as crianças estavam com uniformes velhos e algumas sem uniforme. E embora não seja capaz de sofrer dor ou angústia, a pessoa jurídica está no desempenho de sua atividade suscetível a sofrer lesão moral, com o abalo a seu bom nome e credibilidade.

Assim já deliberou o Colendo do Superior Tribunal de Justiça, ao editar a Súmula 227, que em seus termos diz: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

Quanto ao montante dos danos morais, entendo que foram fixados em patamar irrisório.

Como bem destaca o DESEMBARGADOR JOSÉ OSÓRIO DE AZEVEDO JÚNIOR (O Dano Moral e sua Avaliação, Revista do Advogado, p. 10), a propósito da reparação do dano moral, o valor da indenização deve ser razoavelmente expressivo. Assim, não deve ser simbólico, como já aconteceu em outros tempos, porque deve pesar sobre o bolso do ofensor como um fator de desestímulo a fim de que não reincida na ofensa, ao mesmo tempo em que deve, igualmente, haver comedimento, a fim de que o nobre instituto não seja desvirtuado em mera fonte de enriquecimento.

Na esteira dessa preciosa lição é que o IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil deixou assentado que na fixação do dano moral, deverá o juiz, atendo-se ao nexo de causalidade inscrito no 1.060 do Código Civil de 1916, levar em conta critérios de proporcionalidade e razoabilidade na apuração do "quantum", atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado.

Desse modo, baseado no referido critério de que a indenização deve representar um conforto para a vítima, sem redundar num injustificado enriquecimento, assim como pesar no bolso do ofensor, ponderado o grau de sua culpa, inclusive com o caráter de prevenir a ocorrência de infrações análogas.

Entendo que o valor fixado de 7 salários mínimos se mostra insuficiente a indenizar o abalo sofrido pela autora, pelo qual o majoro para 20 salários mínimos da época, corrigidos monetariamente, o que representa justa e adequada reparação.

Isto posto, nego provimento ao apelo da ré, e dou ao adesivo.

CRISTIANO FERREIRA LEITE
Relator
Apelação n 1 044 535-0/3