Economia

Assegurando o crédito no Brasil

Esta semana a Câmara dos Deputados votou o projeto de lei nº 4.188, de 2021 (íntegra – 249 KB), o marco geral de garantias, do qual fui relator. Após me aprofundar no tema, pude constatar a verdadeira revolução que deve ocorrer no mercado de crédito brasileiro com a sua aprovação. 

De fato, a garantia nas operações de crédito é como o sangue no corpo do ser humano. Sem ela não há como o organismo financeiro funcionar de forma adequada. Como o retorno cobrado por um credor depende do risco a que ele está exposto, o fortalecimento do sistema de garantias, ao reduzir a sua exposição ao risco de inadimplência do devedor, diminui o custo do crédito. Reduz, em particular, os custos de transação compostos pela necessidade de analisar perfis dos tomadores de crédito, pelo seu monitoramento durante a execução do contrato e, eventualmente, a execução dos créditos não pagos. 

No caso de micro e pequenos empreendedores, a força das garantias pode ser a única condição para se ter acesso a financiamento.

Apesar de sua importância econômica e social, o desempenho do mercado de crédito e de garantias no Brasil está longe do adequado para dar suporte ao processo de retomada e manutenção do desenvolvimento econômico sustentável. 

De fato, a relação crédito/PIB no Brasil, que atingiu 70,2% em 2020, é bem inferior à de China (182,45%), África do Sul (107,9%), Coreia do Sul (164,8%) e Hong Kong (258,4%), EUA (215,9%), Suíça (168,5%) e Reino Unido (143,7%). 

O percentual da inadimplência no spread bancário médio no Brasil atingiu quase 1/3 (equivalente a 31,9%) no triênio de 2018 e 2020, o que dá uma ideia bem razoável do valor atribuído às garantias no Brasil. Fortalecendo as garantias, reduzem-se os custos com inadimplência, o que faz cair os juros pagos, especialmente pelos tomadores menores. E o fortalecimento das garantias depende de elas poderem ser usadas quando a inadimplência ocorrer.

Atualmente, a recuperação do crédito é tarefa incerta e demorada: recupera-se apenas 14,6% do valor das garantias no Brasil, contra 85,3% no Reino Unido, 81,8% nos EUA e 41,6% no Chile. O tempo médio de recuperação do crédito no Brasil é também substancial, atingindo 4 anos, contra apenas 1 ano no Reino Unido e EUA, 1 ano e meio na Coreia do Sul e 2 anos no Chile. 

Esses dados indicam que o tratamento atual dispensado ao tema das garantias pelo ordenamento jurídico brasileiro necessita ser reformulado para melhorar esses números e, por conseguinte, reduzir os juros pagos pelo tomador brasileiro.

Essa reformulação é promovida pelo projeto aprovado pela Câmara, que aprimora regras de execução da alienação fiduciária, prevendo, por exemplo, que devedores devem manter seus endereços sempre atualizados junto aos credores e estende para hipotecas o regime de execução extrajudicial de créditos já testado e aprovado nas alienações fiduciárias, entre outras medidas. 

Ter acesso a crédito barato também é um dos elementos fundamentais do exercício de cidadania financeira, algo muito falado, mas pouco compreendido. Aqui podemos, mais que nunca, afirmar que a proposta melhora a vida da “empreendedora cidadã” ou “empreendedor cidadão”. 

Uma das principais medidas do projeto é a criação das Instituições Gestoras de Garantias, as IGGs, que facilitarão o maior aproveitamento de bens do devedor em operações de crédito com garantia e darão agilidade à concessão de crédito.

Um exemplo nos parece útil para a compreensão da IGG. 

Atualmente, um bem dado em garantia que valha R$ 1 milhão pode estar garantindo um crédito, por exemplo, de apenas R$ 100 mil. Ou seja, uma grande parte do valor do bem –de até R$ 900 mil– não poderá ser utilizada em operações de crédito com outras instituições financeiras. Não havendo concorrência com outras instituições financeiras, créditos subsequentes utilizando a mesma garantia tendem a ser caros e se tornam quase que uma venda casada crédito/garantia.

O modelo proposto no projeto de lei torna possível a constituição da garantia preceder o crédito e a independência daquela garantia do credor original. É evidente que a própria instituição financeira credora original, sem ter estes R$ 900 mil exclusivos para seus próprios créditos, também deverá oferecer taxas mais atrativas para o devedor nos créditos subsequentes. Ou seja, o formato da IGG permite que a mesma garantia possa ser utilizada para quantos créditos couberem na garantia sem que precisem ser obrigatoriamente providos pela instituição financeira credora inicial.

Outro ponto importante é a eliminação do atual monopólio da Caixa Econômica Federal em relação aos penhores civis, permitindo uma concorrência que abrirá um corredor de oportunidades de acesso a crédito barato ao cidadão. Mais do que isso, dado que a CEF não está e nem pode estar em grande parte dos municípios brasileiros, emprestadores alternativos podem ser a única forma de ajudar ou mesmo resgatar pessoas que precisam de recursos de forma urgente. 

Acatei também emendas importantes de meus colegas que merecem destaque especial. O deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP) propôs a criação de um procedimento extrajudicial de busca e apreensão de garantias em bens móveis (veículos) em caso de inadimplemento nos contratos com alienação fiduciária. Dada a média de 4 anos para recuperação de garantias no Brasil e a demora dos procedimentos judiciais, a possibilidade de acelerar a recuperação de bens móveis extrajudicialmente tende a gerar efeito grande na redução dos juros cobrados. O credor poderá dar opção com (com juros menores) e sem procedimento extrajudicial ao tomador. Ao permitir ao credor resolver seu problema de assimetria de informação em relação ao devedor, esta possibilidade deve reduzir bastante os juros dos bons pagadores. Fizemos modificações importantes nesta proposta de forma a evitar o uso indevido de forças policiais neste processo.

O deputado Ricardo Barros (PP-PR) propôs que direitos minerários pudessem ser utilizados como garantia. Os títulos minerários têm valor econômico e, por isso, devem poder ser usados como mecanismo de mitigação de risco de crédito. Seu valor decorre de que sua aquisição por meio de transferência do direito tem custo menor do que o de sua emissão original. Isso decorre do fato que algumas etapas do processo de emissão daqueles títulos, como o licenciamento ambiental, não precisam ser repetidas quando ocorre a transferência. O potencial de criação de riqueza e empregos no setor de mineração é gigantesco no Brasil e, portanto, acatei imediatamente sua emenda.

O deputado Ricardo Barros também propôs estender a desoneração atual (0%) do Imposto de Renda em ações e em títulos públicos dos rendimentos auferidos por domiciliados no exterior para os rendimentos dos investimentos de renda fixa também auferidos por domiciliados no exterior. A medida permite ampliar a captação de recursos das empresas, especialmente para financiar obras de infraestrutura, por meio das debêntures. Isto representa isonomia tributária das operações de emissão de títulos de dívida em relação às operações de capital, evitando distorções alocativas e manipulações contábeis. Aquiesci imediatamente a este avanço inequívoco.

O projeto permite a extensão da alienação fiduciária de coisa imóvel, pela qual a propriedade fiduciária já constituída possa ser utilizada como garantia de operações de crédito novas e autônomas de qualquer natureza para instituições financeiras. Deixamos claro que as Empresas Simples de Crédito (ESCs) também poderão se valer desta extensão, o que tem impacto grande no microcrédito para pequenos empreendedores.

Enfim, este projeto atenuará os efeitos do aumento recente da Selic pelo Banco Central, aliviando a vida das empresárias e empresários que precisam de crédito para tocar seu negócio. Isso permite um aumento da eficiência e uma redução de barreiras à entrada no mercado de crédito, beneficiando inclusive as chamadas fintechs de crédito, incrementando as alternativas dos tomadores.

Nesse período pós-pandemia, em particular, a falta de lastro para operações de crédito ao sistema produtivo tende a dificultar ainda mais a vida financeira das empresas, depois de um período já muito duro. Não podemos impor custos a mais para nossas empresas neste momento. Garantias mais robustas e crédito mais farto e barato são ingredientes-chave para a retomada sustentada de nosso crescimento. 

https://www.poder360.com.br/opiniao/assegurando-o-credito-no-brasil/