Economia

À espera da CVM, mercado estrutura FIDCs ‘verdes’

Com as mudanças nas regras de fundos de investimentos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), os títulos “verdes” serão regulados oficialmente, a começar pelos fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDCs). Antes mesmos da regulação oficial, prevista para 2022, produtos com foco socioambiental já estão sendo estruturados e oferecidos ao mercado.

Especialistas ouvidos pelo Valor avaliam que o selo do regulador possibilitará que os participantes do mercado entendam de forma objetiva a compreensão da CVM acerca do tema ESG (sigla em inglês para os critérios ambientais, sociais e de governança). Um dos primeiros movimentos no mercado ocorreu com os FIDCs estruturados para financiar novas fontes de energia limpa ou renováveis - e o movimento se estende a outros setores.

Reflexões sobre a agenda ESG nas grandes empresas

Pela proposta do regulador apresentada na audiência pública, para se denominar como um título verde, será necessário seguir padrões mínimos. A ideia é que possam assim ser rotulados desde que invistam “preponderantemente” em direitos creditórios que ofereçam benefícios socioambientais. A CVM espera que os originadores dos recebíveis busquem projetos alinhados a essas práticas.

A regra deve trazer uma separação mais clara do que é “verde e do que não é”, diz a advogada Julia Franco, sócia do escritório Cescon Barrieu. “Por ser um direito creditório, o FIDC é uma forma interessante de prover financiamento de forma desbancarizada via mercado de capitais. Por meio do instrumento, é possível conceder crédito mais barato, seja para pequenas e médias empresas, seja porque quem está tomando o crédito vai aplicar num projeto ambiental”, disse a advogada.

A estrutura desses títulos, com cotas seniores e subordinadas, por exemplo, permite que parte dos investidores tomem maior risco, com taxas de retorno menores, para atrair outros interessados. Seria o caso, por exemplo, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), exemplifica Julia.

Para o sócio da gestora 3R Investimentos, Adriano Bernardi, os FIDCs terão que sair do lugar comum para se enquadrarem como um “fundo sociambiental de fato”. “Será preciso encontrar nichos, em que haja realmente benefícios indiretos de alguma forma”, afirma. E um produto que não funciona dessa forma terá vida curta, acrescenta.

Fundada há quase dez anos, a 3R (sigla para Reduzir, Reutilizar, Reciclar) buscou a área educacional, especificamente as universidades comunitárias - caso, por exemplo, das PUCs - para estruturar um FIDC. A gestora compra a carteira de alunos financiados pela universidade. Os bancos já fazem esse tipo de serviço, mas a taxas muito altas, diz Bernardi. “O Fies [Fundo de Financiamento Estudantil] teve ascensão e queda. Muitos alunos ficaram à margem”, lembra.

Um rótulo verde pode ajudar os gestores a obterem uma captação mais barata, diz o presidente e fundador da Paketá, fintech que provê crédito para funcionários CLT, Fabian Valverde. “Já somos ESG sem necessariamente usar essa bandeira. Não estamos tão ansiosos”, pondera.

Na Integral Investimentos, que tem mais de 30 FIDCs sob gestão, o tema ESG é prioridade, conta o sócio Cristiano Greve. “Buscamos transações que estejam tangenciando as possibilidades. A tese de [oferecer] microcrédito, por exemplo, tem espaço”, afirma. A empresa estruturou um título que financia o crédito pessoal usando o telefone pessoal do cliente como garantia. “Assim, tangenciamos o S [critério social do ESG]. Levar crédito para pessoas desbancarizadas tem forte apelo.”

“Aguardamos o que as regras da CVM vão trazer para nos adequarmos. Já demos o primeiro passo”, afirma a sócia do grupo Valorem, Charlote Odebrecht. Ela conta que a empresa decidiu dar um passo em direção ao ESG com um FIDC verde lançado em fevereiro de 2020. A gestora adotou filtros negativos e por meio de inteligência artificial consegue identifica se uma empresa tem uma sanção ambiental ou processo trabalhista, por exemplo. E contratou uma consultoria para ajudar a implementar as práticas ESG nas empresas.

“Um novo passo, no fim de 2022, é a criação de outro fundo somente para empresas ESG, que estimulem o uso de energia limpa ou criem produtos que eliminem desperdícios”, afirma.

https://umsoplaneta.globo.com/financas/negocios/noticia/2022/01/16/a-espera-da-cvm-mercado-estrutura-fidcs-verdes.ghtml