STJ - FACTORING - DESNECESSIDADE DE REGISTRO NO CRA - ATIVIDADE PRIVATIVA DE ADMINISTRADOR NÃO CARACTERIZADA


RECURSO ESPECIAL Nº 1.778.739 - SP (2018?0261460-9)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRACAO DE SAO PAULO
ADVOGADOS : ALEXANDRE RODRIGUES CRIVELARO DE SOUZA  - SP214970
    PAULO RENZO DEL GRANDE E OUTRO(S) - SP345576
RECORRIDO : MARTE FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA
ADVOGADOS : EDY ROSS CURCI E OUTRO(S) - SP032962D
    CARLOS EDUARDO EMILIO CURCI  - SP221940D

 
RELATÓRIO
 
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição da República, contra acórdão assim ementado: 
 
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. REGISTRO DE EMPRESA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE FACTORING. DESCABIMENTO. ATIVIDADE PRIVATIVA DE ADMINISTRADOR NÃO CARACTERIZADA. APELAÇÃO PROVIDA.
1. A questão devolvida a esta E. Corte diz respeito à obrigatoriedade de registro junto ao Conselho Regional de Administração do Estado de São Paulo - CRA?SP da empresa que presta serviços de factoring.
2. A Lei n° 4.769?65 dispõe, em seu Art. 2°, que "a atividade profissional de Técnico de Administração será exercida, como profissão liberal ou não, mediante: a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária, direção superior; b) pesquisas, estudos, análise, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e contrôle dos trabalhos nos campos da administração, como administração e seleção de pessoal, organização e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, relações públicas, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais, bem como outros campos em que êsses se desdobrem ou aos quais sejam conexos".
3. Os Arts. 14 e 15, da mesma Lei n° 4.769?65, determinam que "só poderão exercer a profissão de Técnico de Administração os profissionais devidamente registrados nos C.R.T.A., pelos quais será expedida a carteira profissional", e que "serão obrigatoriamente registrados nos C.R.T.A. as emprêsas, entidades e escritórios técnicos que explorem, sob qualquer forma, atividades do Técnico de Administração, enunciadas nos têrmos desta Lei".
4. O Art. 1°, Parágrafo Único, da Lei n° 7.321?85, alterou para "Administrador" a denominação da categoria profissional de "Técnico de Administração".
5. Entende o C. STJ que o critério de obrigatoriedade de registro no Conselho Profissional é determinado pela atividade básica da empresa ou pela natureza dos serviços prestados. Precedente (RESP 200800726124).
6. É fato incontroverso nos autos que a apelante presta serviços de factoring, cingindo-se a controvérsia ao enquadramento dessa atividade como privativa ou não de administradores.
7. Entende esta C. Turma que as empresas de factoring são aquelas que exploram atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços, não se sujeitando, somente por isso, ao registro junto ao Conselho Regional de Administração. No mesmo sentido é o entendimento esposado pelo C. STJ em julgamento de Embargos de Divergência em Recurso Especial. Precedentes desta C. Turma (AC - APELAÇÃO dl?EL - 2100123 - 0003541-40.2014.4.03.6108 ? AC - APELAÇÃO CÍVEL - 2112631 - 0007352-95.2015.4.03.6100) e do C. STJ (ERESP 201201054145).
8. Apelação provida.
9. Reformada a r. sentença para declarar a inexistência de relação jurídica entre as partes que obrigue o registro da empresa apelante junto ao Conselho apelado e, por consequência, reconhecer a nulidade das penalidades impostas em decorrência da ausência de registro, invertendo-se o ônus da sucumbência.
 
 
Os Embargos de Declaração foram parcialmente acolhidos, sem efeitos infringentes, nos termos da ementa abaixo copiada:
 
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO VERIFICADA NO ACÓRDÃO EMBARGADO. LEI N° 13.021?14. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS PARCIALMENTE PARA FINS DE INTEGRAR O JULGADO.
1. A Lei n° 13.105?2015 (Novo Código de Processo Civil) estabelece em seu Art. 1.022 que cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de oficio ou a requerimento e corrigir erro material. Nos termos do parágrafo único do referido dispositivo, considera-se omissa a decisão que deixar de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento ou incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, §1°.
2. De fato, há omissão no v. acórdão, que deve ser integrado nos seguintes termos:
"6. Conforme documentos de fls. 18?21, 'a sociedade terá como objeto social o ramo de: factoring, fomento mercantil, serviços de análise e gestão de crédito, de orientação mercadológica, de acompanhamento de contas a receber e contas a pagar, adquirir créditos (direitos) de empresas resultantes de vendas de seus produtos, mercadorias ou de prestação de serviços'. É fato incontroverso nos autos que a apelante presta serviços de factoring, cingindo-se a controvérsia ao enquadramento dessa atividade como privativa ou não de administradores".
3. Portanto, hão de ser parcialmente acolhidos os embargos de declaração opostos, complementando-se o item 6 da ementa nos termos citados, sem, contudo, se lhes atribuir caráter infringente.
4. Desde logo, cumpre asseverar que o escopo de prequestionar a matéria para efeito de interposição de recurso especial ou extraordinário perde a relevância, em sede de embargos de declaração, se não demonstrada a ocorrência de qualquer das hipóteses previstas no artigo 1.022, do Código de Processo Civil.
5. Aliás, veja-se que o artigo 1.025 do novo Código de Processo Civil bem esclarece que os elementos suscitados pelo embargante serão considerados incluídos no acórdão "para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade".
6. Embargos de declaração parcialmente acolhidos.
 
 
O recorrente alega que os arts. 2º, da Lei 4.769?1995 e 1º da Lei 6.839?1980 foram violados e que há divergência jurisprudencial. Afirma:
 
Diferentemente do quanto considerado pelo Tribunal Regional, a decisão dos Embargos de Divergência em Resp. n° 1.236.002 NÃO se aplica a presente caso pois, conforme consta da própria ementa do julgado dessa Corte Superior foi analisado o caso concreto ("no caso concreto e "neste caso"), sendo que naquela hipótese, diferentemente deste caso, se verificou no objeto social da empresa que ela realizava apenas a aquisição de títulos de crédito  sendo certo que no caso da empresa recorrida há no objeto social a prestação de diversos serviços típicos de Admmistrador:
(...)
A própria decisão proferida nos Embargos de Divergência em Resp. n° 1.236.002 reconhece que "não há que se comparar a oferta de serviço de gerência financeira e mercadológica - que envolve gestões estratégicas, técnicas e programas de execução voltados a um objetivo e ao desenvolvimento da empresa - como aquisição de um crédito a prazo" - o que deixa claro que no caso de serviços relacionados a mercadologia há o emprego de técnicas típicas de Administrador, o que atrai a obrigatoriedade do registro no Conselho Regional de Administração e afasta a aplicação no caso em questão da conclusão outrora alcançada por essa Corte.
Ou seja, o próprio Superior Tribunal de Justiça diferencia a  empresa que apenas compra créditos daquelas empresas de fomento - que prestam serviços com técnicas voltadas ao desenvolvimento da empresa -cliente.
(...)
Assim, diante do fato de que (i) a decisão proferida pelo STJ analisou hipótese diversa da dos autos, (ii) já que naquele caso a empresa apenas comprava créditos, (iii) enquanto neste caso a empresa presta serviços correlatos de gestão financeira e mercadológica, não se aplica ao caso a decisão proferida nos Embargos de Divergência em Resp. n° 1.236.002.
 
 
O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso.
É o relatório. 
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.778.739 - SP (2018?0261460-9)
 
VOTO
 
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Ao decidir a controvérsia, o Tribunal a quo consignou (fl. 403):
 
É fato incontroverso nos autos que a apelante pregta serviços de factoring, cingindo-se a controvérsia ao enquadramento dessa atividade como privativa ou não de administradores.
Entende esta C. Turma que as empresas de factoring são aquelas que exploram atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços, não se sujeitando, somente por isso, ao registro junto ao Conselho Regional de Administração.
 
No julgamento dos Embargos de Declaração, a Corte Regional esclareceu (fl. 422):
 
De fato, há omissão no v. acórdão, que deve ser integrado nos seguintes termos:
6. Conforme documentos de fls. 18?21, "a sociedade terá como objeto social o ramo de: factoring, fomento mercantil, serviços de análise e gestão de crédito, de orientação mercadológica, de acompanhamento de contas a receber e contas a pagar, adquirir créditos (direitos) de empresas resultantes de vendas de seus produtos, mercadorias ou de prestação de serviços". E fato incontroverso nos autos que a apelante presta serviços de factoring, cingindo-se a controvérsia ao enquadramento dessa atividade como privativa ou não de administradores.
 
Infere-se dos trechos acima transcritos que as atividades da recorrida enquadram-se na modalidade de factoring convencional, e não na de trustee.
A Primeira Seção, no julgamento dos EREsp 1.236.002?ES, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, consignou que os escritórios de factoring não precisam ser registrados nos conselhos regionais de administração, quando suas atividades são de natureza eminentemente mercantil –  ou seja, desde que não envolvam gestões estratégicas, técnicas e programas de execução voltados a um objetivo e ao desenvolvimento de empresa.
Dessume-se, portanto,  que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, razão pela qual não merece prosperar a irresignação.
Nesse sentido:
 
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PRELIMINAR. MATÉRIA NÃO ALEGADA OPORTUNAMENTE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. FACTORING. FOMENTO MERCANTIL. CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO. INSCRIÇÃO. DESNECESSIDADE.
1. A matéria que não foi abordada no momento oportuno não pode ser conhecida, ante a preclusão consumativa.
2. A Primeira Seção desta Corte Superior de Justiça, quando do julgamento dos EREsp n. 1.236.002?ES, da relatoria do Min. Napoleão Nunes Maia Filho, fixou o entendimento segundo o qual é desnecessária a inscrição das empresas de factoring nos conselhos regionais de administração nas hipóteses em que as respectivas atividades tenham natureza eminentemente mercantil, isto é, não abarquem gestões estratégicas, técnicas e programas de execução cujo objetivo seja o desenvolvimento de empresas.
3. Hipótese em que o Tribunal de origem concluiu que a atividade desenvolvida pela empresa destina-se privativamente ao fomento mercantil.
4. O recurso manifestamente improcedente atrai a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC?2015, na razão de 1% a 5% do valor atualizado da causa.
5. Agravo interno desprovido, com aplicação de multa
(AgInt no REsp 1681860?SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22?05?2018, DJe 03?08?2018)
 
 
ADMINISTRATIVO. EMPRESA QUE SE DEDICA À ATIVIDADE DE FACTORING. REGISTRO NO RESPECTIVO CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO. SÚMULA 83?STJ. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL PREJUDICADA.
1. A Primeira Seção, no julgamento dos EREsp 1.236.002?ES, Rel.
Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, consignou que os escritórios de factoring não precisam ser registrados nos conselhos regionais de administração quando suas atividades são de natureza eminentemente mercantil - ou seja, desde que não envolvam gestões estratégicas, técnicas e programas de execução voltados a um objetivo e ao desenvolvimento de empresa.
2. De acordo com o referido julgado, a inscrição é dispensada em casos em que a atividade principal da empresa recorrente consiste em operação de natureza eminentemente mercantil, prescindindo, dessarte, de oferta às empresas-clientes de conhecimentos inerentes às técnicas de administração ou de administração mercadológica ou financeira. Ficou ainda esclarecido que não há "comparar a oferta de serviço de gerência financeira e mercadológica - que envolve gestões estratégicas, técnicas e programas de execução voltados a um objetivo e ao desenvolvimento da empresa - com a aquisição de um crédito a prazo pela solvabilidade dos efetivos devedores dos créditos vendidos".
3. No caso dos autos, o Tribunal local, analisando o contrato social da empresa, apontou as seguintes atividades desenvolvidas pela recorrente: na espécie, o objeto social das apelantes é o fomento mercantil (factoring), conforme revelam suas respectivas razões sociais.
4. Sendo certo que as atividades da empresa se enquadram apenas como factoring convencional, é dispensada a inscrição no Conselho Regional de Administração.
5. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento deste Tribunal Superior, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83?STJ: "Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida." 5. Recurso Especial não provido.
(REsp 1669365?MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 20?06?2017, DJe 30?06?2017)
 
 
Ante o exposto, nego provimento ao Recurso Especial.
É como voto.

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