TJPR - CHEQUE - MONITÓRIA PROPOSTA POR EMPRESA DE FACTORING - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA CAUSA DEBENDI

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUES PRESCRITOS. FACTORING. JULGAMENTO ANTECIPADO. CERCEAMENTO DE DEFESA. REQUERIMENTO DO APELANTE PARA PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL A FIM DE APURAR O DESTINATÁRIO DOS DESCONTOS DO CHEQUE. CASO QUE PRESCINDE DE PROVA PERICIAL. MAGISTRADO É O DESTINATÁRIO DA PROVA. PRESUNÇÃO LEGAL DA CAUSA DEBENDI. FACTURIZAÇÃO. TÍTULO DE CRÉDITO QUE REPRESENTA PROVA ESCRITA. PRINCÍPIO DA LITERALIDADE DAS CÁRTULAS. EMBARGANTE QUE NÃO COMPROVOU IMPEDITIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DO AUTOR, DESATENDENDO AO DISPOSTO PELO ARTIGO 333, II, CPC. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. I- Na ação monitória ajuizada contra emitente, embasada em cheque prescrito, torna-se desnecessária a demonstração da causa debendi, ou seja, do negócio jurídico subjacente à emissão do título de crédito.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 993960-8 da 2ª Vara Cível da Comarca de União da Vitória, em que é apelante MADEREIRA PORTO VITÓRIA LTDA e apelado VALEFACTORING LTDA.
1. RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta contra sentença proferida pelo MM Juíza de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de União da Vitória que, em autos de Monitória nº 532-57.2011.8.16.0174, ajuizada por VALEFACTORING LTDA em face de MADEREIRA PORTO VITÓRIA LTDA, reconheceu a ilegitimidade ativa da autora para a cobrança dos cheques nº 7315, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com vencimento no dia 12.3.2011 e nº 7254, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), com vencimento no dia 25.2.2011, ambos do Banco Bradesco S/A, por estarem endereçados a terceiros, sem qualquer tipo de endosso na frente ou verso das cártulas, inexistindo qualquer outorga de poderes à autora/apelada para que pudesse realizar a sua cobrança.
 
Contudo, foi rejeitado o pedido inserto nos embargos monitórios, julgando parcialmente procedente o pedido monitório formulado por VALEFACTORING LTDA em face da MADEIREIRA PORTO VITÓRIA LTDA, extinguindo o processo com resolução de mérito, de acordo com o disposto no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, convertendo, em parte, a decisão inicial mandamental, em título judicial, em relação aos cheques de nª 1155, 1279, 1280, 7330, 7316, 1240, 7324, 1099, 1204, 1228, cujos valores deverão ser corrigido monetariamente do vencimento pela média do INPC e IGP/DI, bem como acrescidos de juros de mora à razão de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação, com amparo no artigo 405 do Código Civil.
A ré foi condenada ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15%.

Insurge-se a ré, MADEREIRA PORTO VITÓRIA LDTA, alegando, em síntese, que: I) houve cerceamento de defesa em razão da dispensa, sem justo motivo, da prova postulada pela apelante, qual seja, avaliação pericial contábil visando apurar o destinatário do produto financeiro do desconto dos cheques, visto ser a apelada empresa dedicada às atividades de factoring, que adquire ativos mediante faturização; II) os cheques, que servem de base para a propositura da ação monitória, ensejam apenas presunção de existência do débito, partindo de um juízo sumário próprio da primeira fase do processo monitório; III) a cognição que a princípio é sumária, será dilatada, mediante iniciativa do réu com oposição de embargos, possibilitando a formação de um juízo completo e definitivo sobre a existência do direito do autor.

Em contrarrazões, aduziu o autor, em síntese, que: I) os cheques sequer foram descontados, foram, na verdade, devolvidos sem existindo necessidade de perícia para apurar a quem foram canalizados os produtos das cártulas; II) dessa forma, o presente recurso interposto pela ré é meramente protelatório; III) cheques são títulos autônomos e independentes que, uma vez emitidos, constituem direito certo ao destinatário, assim, não há necessidade de demonstrar a origem dos títulos.

Ao final, pugna pela manutenção da sentença.

É o relatório.

II- VOTO E FUNDAMENTAÇÃO

Presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos (legitimidade, interesse, cabimento e inexistência de fato impeditivo ou extintivo) e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal), conheço do recurso.

A presente insurgência recursal se refere à sentença proferida nos autos de Monitória, em que foi julgado parcialmente procedente o pedido monitório formulado por VALEFACTORING LTDA em face da MADEIREIRA PORTO VITÓRIA LTDA, convertendo, em parte, a decisão inicial mandamental, em título judicial, em relação aos cheques de nª 1155, 1279, 1280, 7330, 7316, 1240, 7324, 1099, 1204, 1228.

Pela sentença reconheceu-se a ilegitimidade ativa da autora para a cobrança dos cheques nº 7315, nº 7254, por estarem endereçados a terceiros, sem qualquer tipo de endosso na frente ou verso das cártulas, inexistindo qualquer outorga de poderes à autora/apelada para que pudesse realizar a sua cobrança.

O apelante pugna pela nulidade da sentença, alegando que lhe foi cerceado o direito à defesa, pois manifestou nos embargos sua intenção de produzir provas, o que não foi possível devido ao julgamento antecipado da lide.

Aduz, ainda, que os cheques, que servem de base para a propositura da ação monitória, ensejam apenas presunção de existência do débito, partindo de uma cognição sumária própria da primeira fase do processo monitório. Porém, a cognição que a princípio é sumária, pode ser dilatada, mediante iniciativa do réu, com oposição de embargos, possibilitando a formação de um juízo completo e definitivo sobre a existência do direito do autor.

Alega cerceamento de defesa em razão da dispensa, sem justo motivo, de avaliação pericial contábil visando demonstrar a realidade da operação de faturização e apurar o destinatário do produto financeiro do desconto dos cheques, visto ser a apelada empresa dedicada às atividades de factoring, que adquire ativos mediante faturização.

Em que pese a tese sustentada, o recurso não merece provimento, conforme se declinará na sequência.

Em primeiro lugar é de se ressaltar que o cheque é um título de crédito e, como tal, marcado pela cartularidade e pela capacidade de livre circulação.

Assim sendo, somente é válido aquilo que estampado na cártula, no caso do cheque quando de sua feitura, podendo o documento transitar pelo mercado sem restrições, salvo se estas nele constarem.

Face ao princípio da autonomia dos títulos de crédito, do qual decorrem tanto o princípio da abstração quanto o da a análise da causa debendi, porquanto os títulos de crédito gozam de plena desvinculação da relação da qual se originaram.

Portanto, não havendo quaisquer indícios de que o recorrido não seja portador de boa-fé, não há que discutir matéria diversa da relação direta entre as partes desta lide.

Trago jurisprudência a respeito:

"APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO MONITÓRIA RECURSO DO EMBARGANTE CHEQUES PRESCRITOS DOCUMENTOS HÁBEIS A INSTRUIR O PEDIDO MONITÓRIO, NOS TERMOS DO ARTIGO 1.102- A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRÊNCIA INDICAÇÃO DA CAUSA DEBENDI DESNECESSIDADE TÍTULO DE CRÉDITO QUE COMPORTA PROVA ESCRITA, EVIDENCIANDO O PRINCÍPIO DA LITERALIDADE DAS CÁRTULAS CAMBIAIS ÔNUS DA PROVA QUE INCUMBE AO EMBARGANTE QUANTO À EXISTÊNCIA DE FATO MODIFICATIVO, IMPEDITIVO OU EXTINTIVO DO DIREITO DO AUTOR DESATENDIMENTO AO DISPOSTO NO ARTIGO 333, II, DO CPC DÍVIDA RECONHECIDA PELO APELANTE/EMBARGANTE RECURSO DESPROVIDO. 1. Não caracteriza cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando não há necessidade de dilação probatória. 2.- Conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal, o autor da ação monitória não precisa declinar a causa debendi da emissão do cheque, cumprindo ao devedor, ao se valer dos embargos monitórios, provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito postulado, em conformidade com a regra inserta no artigo 333, inciso II do Código de Processo Civil. 3. Não se desincumbindo o embargante de seu ônus, é de ser constituído o título judicial pretendido. 4. Apelação Moraes Panza - J. 13.09.2011)

TÍTULO DE CRÉDITO. FACTORING. CHEQUE. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA. EXCEÇÕES PESSOAIS. A OPERAÇÃO DE FACTORING NÃO DESNATURA A NATUREZA DE TÍTULO DE CRÉDITO DO CHEQUE, PERSISTINDO A REGRA DE AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA, RAZÃO PELA QUAL SÃO INOPONÍVEIS AO ENDOSSATÁRIO AS EXCEÇÕES PESSOAIS DO DEVEDOR EM FACE DO CREDOR ORIGINÁRIO. (Apelação Cível 20060110151332. DF. 6ª Turma Cível. Relatora: Ana Maria Duarte Amaranto Brito. Publicado em 18/06/2008).
AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUES. FACTORING. EXTINÇÃO POR INÉPCIA DA INICIAL. FUNDAMENTO NA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CHEQUES PÓES-DATADOS. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE TÍTULOS PARA FUNDAMENTAR OPERAÇÃO DE FACTORING. OPERAÇÃO QUE NÃO PREJUDICA A NATUREZA DE COMPRA DE CRÉDITOS FUTUROS. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS QUE INDICAM A RELAÇÃO DE FATURIZAÇÃO. COMPROVAÇÃO DA CAUSA DEBENDI. DESNECESSIDADE. CÁRTULA QUE POSSUI REPRESENTATIVIDADE DO DÉBITO. PRESUNÇÃO LEGAL DA CAUSA DEBENDI ATÉ O TRANSCURSO DO PRAZO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO DE ATÉ O TRANCURSO DO PRAZO DE ENRIQUECIMENTO. EXEGESE DA LEI DO CHEQUE. SENTENÇA CASSADA. (Apelação Cível 2008022930-5. TJSC. Relator: Jorge Schaefer Martins).

Ainda, colaciono julgado do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. AÇÃO MONITÓRIA APARELHADA EM CHEQUE DÍVIDA. 1. Para fins do art. 543-C do CPC: Em ação monitória fundada em cheque prescrito, ajuizada em face do emitente, é dispensável menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula. 2. No caso concreto, recurso especial parcialmente provido. (REsp 1094571 / SP. Ministro Luis Felipe Salomão. Segunda Seção. Publicado em 14/02/2013)

Dessa forma, correto está o entendimento do juízo de primeira instância que asseverou: "(...) o pedido da embargante quanto à produção de prova pericial mostra-se despiciendo e meramente protelatório, porquanto, os cheques sequer foram descontados e sim devolvidos por ausência de provisão de fundos e estão endereçados a embargada. Não há necessidade de perícia para saber a quem foi canalizado o produto das cártulas, a uma porque não houve produto ou fruto destas haja vista que se pretende a sua cobrança, e o destinatário está evidente no preenchimento do cheque, endereçada a embargada(...)"

Ademais, cabe esclarecer que o Magistrado é destinatário das provas colacionadas aos autos e é dele a incumbência de avaliar a necessidade de sua produção e, ainda, indeferir as que lhe parecem inúteis ao deslinde da causa.

Deste modo, estando o Juiz apto a proferir a sentença, pode dispensar as provas a serem produzidas ou usar aquelas de que já dispunha, desde que apresente os fundamentos a partir dos quais formulou a sua decisão, nos termos do art. 131 do CPC e do art. 93, inciso IX, da Constituição da República.
No caso dos autos, verifica-se que a matéria debatida é exclusivamente de direito, impondo-se o julgamento antecipado da lide, como corretamente o fez o julgador de primeiro grau.
Nesse sentido, colaciono julgado deste E. Tribunal de Justiça: "AÇÃO MONITÓRIA EMBASADA EM TÍTULOS DE CRÉDITO SEM EFICÁCIA EXECUTIVA - CHEQUES PRESCRITOS - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO OCORRÊNCIA - MAGISTRADO É O DESTINATÁRIO DAS PROVAS - JUROS MORATÓRIOS NO PERCENTUAL DE 1% AO MÊS (ART. 406 DO CC/2002 C/C ART. 161 § 1º DO CTN) A PARTIR DA CITAÇÃO - INTELIGÊNCIA DO ART. 219 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL C/C ART. 52, II DA LEI DO CHEQUE - PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - CORREÇÃO MONETÁRIA - TERMO INICIAL - ENDOSSO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO - EXIGÍVEL A ATUALIZAÇÃO SOMENTE A PARTIR DA NÃO COMPENSAÇÃO DAS CÁRTULAS - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MINORAÇÃO - ACOLHIMENTO - RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO." (TJPR Apelação Cível n. 744.949-4 - 7ª Câmara Cível. Relator: Luiz Sérgio Neiva- Publicado em 12/07/2011).

Portanto, inexiste cerceamento de defesa, pois desnecessária a demonstração da origem do débito.

Assim sendo, atento às peculiaridades do caso concreto, e à luz dos excertos jurisprudenciais anteriormente acostados, é que se nega provimento à apelação, mantendo incólume a sentença recorrida.
 
III- DISPOSITIVO
 
ACORDAM os Senhores Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao apelo, de acordo com o voto do Relator.
 
Presidiu o julgamento o senhor Desembargador LUIZ ANTÔNIO BARRY (com voto), e dele participou a senhora Desembargadora DENISE KRUGER PEREIRA, ambos acompanhando o voto do Relator.
 
Curitiba, 19 de março de 2013.

JUIZ ROBERTO MASSARO
Substituto de Desembargador