TJRS - NEGATIVA DE REVISIONAL POR NÃO SE TRATAR DE COBRANÇA DE JUROS REMUNERATÓRIOS, CAPITALIZAÇÃO OU COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - NÃO INCIDÊNCIA CDC

EMBARGOS À EXECUÇÃO. CHEQUES RECEBIDOS ATRAVÉS DE CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. CONTRATO DE FACTORING. NÃO INCIDÊNCIA DO CDC. IMPOSSIBILIDADE DE DESCARACTERIZAÇÃO PARA MÚTUO E DE REVISÃO DO CONTRATO. NOS CONTRATOS DE FACTORING NÃO SE VISLUMBRA A POSSIBILIDADE DE REVISÃO, JÁ QUE EM TAIS AVENÇAS NÃO INCIDEM ENCARGOS COMO JUROS REMUNERATÓRIOS, CAPITALIZAÇÃO OU COMISSÃO DE PERMANÊNCIA, SOMENTE O FATOR DE COMPRA QUE É A REMUNERAÇÃO DA EMPRESA. LOGO, A EMPRESA APELADA NÃO ESTÁ SUJEITA AS NORMAS RELATIVAS AOS NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS E NEM AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO QUANTO AO DESVIRTUAMENTO DO CONTRATO DE FACTORING. APELO DESPROVIDO.

APELAÇÃO CÍVEL- DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Nº 70051905180 - COMARCA DE ERECHIM
IRINEU JOSE MENEGAT - APELANTE
IVONE GAIKI MENEGAT - APELANTE
BERNARDI & BASSO LTDA  APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores DES. GELSON ROLIM STOCKER E DES. LUIZ RENATO ALVES DA SILVA.

Porto Alegre, 13 de dezembro de 2012.


DES.ª ELAINE HARZHEIM MACEDO,
Relatora.


RELATÓRIO

DES.ª ELAINE HARZHEIM MACEDO (RELATORA)

Trata-se de apelação interposta por IVONE GAIKI MENEGAT e IRINEU JOSÉ MENEGAT, insurgindo-se contra a sentença que julgou improcedentes os embargos de devedor opostos em desfavor de BERNARDI & BASSO LTDA. O magistrado condenou os embargantes ao pagamento das custas. Fixou honorários em 15% sobre o valor do débito. Restou suspensa a exigibilidade, em face da AJG concedida.

Em suas razões (fls. 146/153), os apelantes alegam haver carência da ação de execução de título extrajudicial. Afirmam que caberia revisão ampla de todas as operações realizadas e dos encargos cobrados, desde o primeiro contrato celebrado e que culminaram com os títulos ora em execução, visto que há, na espécie, situação jurídica continuativa que deve ser encarada como unicidade. Discorrem, ainda, sobre a limitação da taxa de juros remuneratórios em 12% ao ano nos contratos de abertura de crédito e renegociações posteriores. Por fim, asseguram não haver cabimento quanto ao uso da capitalização mensal dos juros remuneratórios, já que tal pacto de capitalização é excessivamente oneroso ao consumidor, devendo ser afastado. Requerem a procedência dos embargos, reformando integralmente a sentença, deferindo a liminar pugnada, com inversão da sucumbência e prequestionamento.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 158/168), subiram os autos conclusos para julgamento.

Registra-se que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.


É o relatório.


VOTOS

DES.ª ELAINE HARZHEIM MACEDO (RELATORA)

Orientando a decisão, é caso de desprovimento do recurso, cujos temas a serem analisados serão somente aqueles efetivamente deduzidos ao juízo “a quo”, não se podendo enfrentar questões outras porquanto caracterizam inovação processual.

Nesse sentido, em suma, alegam os embargantes que há cobrança de encargos ilegais pela empresa ora embargada, em especial juros e capitalização, devendo ser revisada toda a negociação entretida pelo embargante-varão, considerando-se as inúmeras vezes em que efetuou contratos com a exequente.

Ocorre, todavia, que se trata de contrato de fomento mercantil, sendo que os documentos das fls. 75/125 atestam uma série de aquisição de títulos de crédito pela embargada através do ora embargante, sendo que não há falar em continuidade da relação negocial, até porque cada negócio se resume a ele mesmo. Assim sendo, no caso presente, relativamente aos três cheques que embasam a demanda expropriatória, objeto de contrato de faturização, não há falar na análise de relações pretéritas, até porque dizem respeito a títulos de crédito emitidos por terceiras pessoas.

Ademais, importante dizer que não se pode cogitar da pretensão de revisão do contrato e de descaracterização do negócio para mútuo financeiro, porquanto, tratando-se de contratos de factoring, não há a incidência de encargos como juros remuneratórios, capitalização ou comissão de permanência, somente o fator de compra que é a remuneração da empresa, composta pela diferença do preço de compra e o valor nominal dos títulos e que não é objeto de limitação.

Desse modo, não há como se acolher a pretensão de incidência das regras do Código de Defesa do Consumidor e de limitação dos juros ao percentual de 12% ao ano ou mesmo de demais encargos, pois a empresa recorrida opera no ramo de factoring. não integrando o Sistema Financeiro Nacional, de maneira que, em razão disso, não pode lhe ser aplicado as normas relativas aos negócios jurídicos bancários e nem o CDC.

Já restou consagrado que em contratos como o da espécie aqui tratada, o cliente da empresa faturizadora no contrato de fomento mercantil (cessão de crédito) apresenta-se como tomador de recursos para fomentar sua empresa, quer dizer, para ser empregado em sua atividade ou cadeia produtiva (linha de produção, montagem, transformação de matéria-prima, aumento de capital de giro e pagamento de fornecedores), o que não se enquadra como consumidor ou destinatário final.

Assim, a relação entre o faturizador e o faturizado tem natureza mercantil, e não de consumo, sendo inviável a incidência das normas consumeristas, razão pela qual não há se falar no caso em análise de limitação dos juros a taxa de 12% ao ano, de não incidência de capitalização mensal e de afastamento da comissão de permanência.

Importante artigo de autoria do juiz de Santa Catarina ORLANDO LUIZ ZANON JUNIOR, publicado in http://jus.uol.com.br/revista/texto/10635/inaplicabilidade-do-codigo-de-defesa-do-consumidor-aos-contratos-de-fomento-mercantil-factoring bem esclarece a questão, senão vejamos:

“A análise de tal problemática perpassa inicialmente pela análise do conceito do ajuste de factoring para, somente após a formulação de uma conclusão sobre sua natureza jurídica, analisar se incide a legislação consumerista sobre tal modalidade de operação empresarial.
No tocante ao primeiro ponto de análise (natureza jurídica do factoring), cabe destacar que o conceito normativo de fomento mercantil encontra-se no art. 15, § 1º, II, ''d'', da Lei 9.249/1995:
d) prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).
Ante tal dispositivo, conclui-se que contrato de fomento mercantil (ou factoring) consiste em negócio jurídico em que um empresário (faturizado) cede seus créditos, decorrente de relações comerciais com terceiros (clientes), para uma terceira pessoa física ou jurídica (faturizador), recebendo recursos financeiros mediante o pagamento de uma comissão (spread ou lucro), embasada na assunção do risco pela liquidez dos títulos negociados, podendo ainda compreender assistência mercadológica para gestão de ativos.
Outrossim, o factoring representa nítido ajuste entre empresários para fomento de suas atividades comerciais, em que um contraente assume os riscos da atividade comercial da outra, fomentando-a e recebendo uma contraprestação equivalente por isto.
Tal conceito é bem explicitado por Maria Helena Diniz:
“O contrato de faturização de fomento mercantil ou factoring é aquele em que um empresário (faturizado) cede a outro (faturizador), no todo ou em parte, os créditos provenientes de suas vendas mercantis a terceiro, mediante o pagamento de uma remuneração, consistente no desconto sobre os respectivos valores, ou seja, conforme o montante de tais créditos. É um contrato que se liga à emissão e transferência de faturas. Daí dizer Waldirio Bulgarelli que a operação de factoring seria a "venda do faturamento de uma empresa à outra, que se incumbe de cobrá-lo, recebendo em pagamento uma comissão". (in Curso de Direito Civil Brasileiro. V 3. 23 ed. São Paulo: Saraiva: 2007. p. 739)”.

A lição de Fábio Ulhoa Coelho é no mesmo sentido:

Pelo contrato de fomento mercantil, um dos contratantes (faturizador) presta ao empresário (faturizado) o serviço de administração do crédito, garantindo o pagamento das faturas por este emitidas. A faturizadora assume, também, as seguintes obrigações: a) gerir os créditos do faturizado, procedendo ao controle dos vencimentos, providenciando os avisos e protestos assecuratórios do direito creditício, bem como cobrando os devedores das faturas; b) assumir os riscos do inadimplemento dos devedores; c) garantir o pagamento das faturas objeto de faturização. Há duas modalidades de fomento mercantil. De um lado, o ''conventional factoring'', em que a faturizadora garante o pagamento das faturas antecipando o seu valor ao faturizado. Essa primeira modalidade compreende três elementos: serviços de administração do crédito, seguro e financiamento. De outro lado, o ''maturity factoring'', no qual a faturizadora paga o valor das faturas ao faturizado apenas no vencimento, modalidade em que estão presentes a prestação de serviços de administração do crédito e o seguro, mas ausente o financiamento. (in Curso de Direito Comercial. V. III, 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 134/135).

Diante de tal conceituação, verifica-se que a atividade de fomento mercantil assemelha-se à operação bancária, porém desta diverge, porquanto não se volta precipuamente para concessão de crédito no sistema financeiro nacional, mas sim ao estímulo empresarial mediante prestação de serviços mercadológicos, ainda que tal fomento envolva a disponibilização de capital de giro mediante compra de títulos.
Esclarecendo tal diferença entre as atividades típicas de fomento mercantil com as operações de caráter bancário, colaciona-se a lição de Antônio Carlos Donini:
Portanto, distanciam-se as empresas de factoring da função dos bancos, eis que os campos de atuação daquelas se limitam à compra de crédito, antecipação de recursos não-financeiros e prestação de serviços, conjugada ou separadamente.
Tão clara é a distinção que hoje se tem pacífica a desnecessidade de autorização do Banco Central para o funcionamento das empresas de factoring, bastando, para tanto, o arquivamento dos atos constitutivos na Junta Comercial.
Não é de se estranhar que muitos que militam na área do direito vêem no caso uma modalidade de financiamento por parte da empresa de factoring, há de se observar, no entanto, que não se trata de um financiamento bancário, em que as importâncias adiantadas deverão ser devolvidas àquele que financia, mas sim um mecanismo que permite à empresa-cliente do factoring o gozo imediato das importâncias relativas às suas vendas, o que lhe dá a possibilidade de maiores negócios, como acontece com as empresas que vendem unicamente à vista. (in Manual do Factoring. São Paulo: Klarear, 2004. p. 54; grifou-se).
Nessa trilha lógica, é possível concluir que o fomento mercantil corresponde à atividade comercial que envolve a prestação contínua de serviço de administração de créditos e a compra de direitos creditórios que tenham origem em vendas mercantis.
Explicitada a natureza da avença de factoring, passa-se para segunda parte desta análise, consistente em verificar se a legislação consumerista aplica-se à tal modalidade contratual.
E, diante da natureza jurídica acima esmiuçada, é forçoso concluir que os preceitos de defesa do consumidor não incidem sobre os contratos de fomento mercantil, porquanto estes representam nítida relação comercial entre empresários (pessoas físicas ou jurídicas), em que um contraente fomenta a atividade mercantil da outra em troca de uma comissão pela assunção dos riscos, inexistindo relação de consumo nos termos expressos nos arts. 2º e 3º do CDC.
Isso porque as balizas axiológicas da proteção ao consumidor expressam o interesse na tutela das relações entre empresários (com carga de hipersuficiência) e consumidores finais de produtos ou serviços (com caráter de hipossuficiência), de modo a preservar os interesses do elo mais fraco das relações entabuladas no mercado de consumo e, desta forma, incentivar a circulação de riquezas mediante a propagação de um sistema garantista do comércio no cenário capitalista.
Exatamente por isso que, por via de regra, as relações entre sociedades empresárias não estão sujeitas às disposições do Código de Defesa do Consumidor, vigendo entre elas as disposições da legislação empresarial e cível, mormente em se tratando de nítida operação de fomento mercantil (estimulação de atividade produtiva), que revela a igualdade entre as partes contraentes, a qual afasta completamente o caráter de consumo de produto ou serviço.
Assevera-se ainda que a posição do faturizado na avença não se enquadra no conceito normativo de consumidor previsto no art. 2º da Lei 8.078/1990 ("Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final"), porquanto o dinheiro gerado com a respectiva transferência de crédito para faturizadora é destinado ao impulso da sua atividade econômica, com a compra de insumos, pagamento dos credores e dos empregados etc.
Não se desconhece que há entendimento jurisprudencial no sentido da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às operações de faturização, sob o argumento de que se assemelha à atividade bancária (cf. AC 2005.034731-2, Ronaldo Moritz Martins da Silva, 13.07.2006). Tal orientação, contudo, somente deve ser aplicada quando o ajuste firmado pela faturizadora se apresentar como atividade bancária disfarçada, a exemplo de quando esta concede mútuos feneratícios, o que não é vedado a particulares não vinculados ao sistema financeiro nacional, em conformidade com os arts. 406, 586 a 592 do Código Civil de 2002 e arts. 1º e 2º do Decreto 22.626/1933 (cf. STJ, REsp 329935, Carlos Alberto Menezes Direito, 26.08.2002).
Isso porque, quando a atividade da faturizadora ficar restrita à compra dos créditos da faturizada resultantes de vendas mercantis e prestações de serviços, dentro do estrito conceito de fomento mercantil, é necessário afastar a aplicação dos preceitos de tutela do consumidor, em face da sua nítida faceta empresarial e da inexistência de desigualdade substancial entre as partes.
Acerca desta temática, veja-se a doutrina de Fábio Ulhoa Coelho:
“Em outros termos, e atento ao objeto deste Curso (os contratos entre empresários), pode-se afirmar que, entre empresário iguais – isto é, com recursos para entabular negociações devidamente informados sobre a exata extensão dos direitos e obrigações em contratação -, aplica-se o regime cível; entre empresários desiguais, aplicam-se as normas especialmente editadas para o contrato (p. ex., as das leis sobre representação comercial) ou o regime do direito do consumidor (na hipótese de empresário consumidor ou vulnerável: Cap. 42, item 2). (in Curso de Direito Comercial. V 3. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 19; grifou-se).

Diante dos fundamentos expostos, quando restar constatada que a relação negocial firmada pelas partes reflete nítida operação de fomento mercantil (factoring), entre contraentes em pé de igualdade, deve ser afastada a incidência do Código de Defesa do Consumidor”.

Logo, acertado o posicionamento adotado pelo magistrado singular ao rejeitar a revisão postulada, porquanto, como bem sinalizado na sentença, não houve qualquer demonstração quanto ao desvirtuamento do contrato de factoring, tendo o embargante-varão assumido livremente as obrigações ajustadas no contrato de fomento mercantil celebrado entre as partes, estando ele ciente e tendo concordado com todas as cláusulas e condições ali ajustadas, desimportando que os títulos em comento tenham sido emitidos pela embargante-varoa.

A fim de reforçar o improvimento do recurso, ilustram-se algumas decisões desta Corte acerca da matéria em debate:

“APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL E EMBARGOS À EXECUÇÃO. OPERAÇÃO DE FACTORING. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO, INAPLICÁVEL O CDC. - Não há falar em revisão do contrato de factoring nos termos formulados pelos autores, ora apelantes, pois não incidentes juros remuneratórios, capitalização ou comissão de permanência. - Tratando-se de demanda em que não há condenação, o critério aplicável é o do § 4º do art. 20 do CPC. Apelo e recurso adesivo desprovidos.” (Apelação Cível Nº 70025276338, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 04/06/2009);

“APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE FACTORING. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO, REVISÃO CONTRATUAL, EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS E ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CONTRATO MERCANTIL. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NO CASO CONCRETO. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DOS ENCARGOS ABUSIVOS, OS QUAIS PRETENDIAM VER REVISADOS. POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.” (Apelação Cível Nº 70029400512, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angelo Maraninchi Giannakos, Julgado em 12/08/2009); 


“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. REVISÃO DE CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. JUROS MORATÓRIOS E DEMAIS ENCARGOS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE NÃO COMPROVADA. DIREITO DE REGRESSO. I PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA. O artigo 93, inciso IX da Constituição Federal determina que todas as decisões devem ser fundamentadas. A jurisprudência tem entendido, contudo, que a existência de motivação sucinta não enseja a nulidade da decisão. II MÉRITO. 1. OPERAÇÕES DE FOMENTO MERCANTIL OU FACTORING. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Em se tratando de empresa que opera no ramo de factoring, ela não integra o Sistema Financeiro Nacional, de modo que não poderá ser aplicado a esse tipo de pessoa jurídica as normas relativas aos negócios jurídicos bancários, nem o Código de Defesa do Consumidor. Ora, o cliente da empresa faturizadora no contrato de fomento mercantil (cessão de crédito) apresenta-se como tomador de recursos para fomentar sua empresa, ou seja, para ser empregado em sua atividade ou cadeia produtiva (linha de produção, montagem, transformação de matéria-prima, aumento de capital de giro e pagamento de fornecedores) que não se enquadra como consumidor ou destinatário final. Logo, a relação entre o faturizador e o faturizado tem natureza mercantil, e não de consumo o que inviabiliza a incidência das normas consumeristas a esse tipo de negócio jurídico. 2. ENCARGOS REMUNERATÓRIOS. No presente caso, tenho que não restou demonstrada qualquer abusividade dos valores cobrados, uma vez que inexiste a cobrança de juros remuneratórios, havendo a previsão tão-somente da cobrança de comissão sobre a prestação de serviço e do fator de compra, além de despesas operacionais, os quais encontram-se devidamente descritos no contrato de fomento mercantil nº 257,  colacionado às fls. 121 a 124 dos autos, razão pela qual improcede tal pleito revisional. Por conseguinte, não há que se falar em indevida cobrança de taxas e comissões de serviços, bem como na restituição de valores, tampouco em reparação por perdas e danos. Quanto a este último, em especial, ressalto que a demandada sequer logrou êxito em demonstrado qualquer prejuízo que de fato tenha suportado, e que seja capaz de justificar tal pleito. 3. DIREITO DE REGRESSO. Tenho que a insurgência da recorrente, no ponto, merece prosperar, uma vez que as cláusulas contratuais permissivas do direito de regresso conferem à faturizadora direitos muito amplos, devendo, pois, ser interpretadas restritivamente, de modo a permitir o direito de regresso tão-somente nas hipóteses de vício inerente ao negócio jurídico 4 ÔNUS SUCUMBENCIAIS. Redimensionados. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.” (Apelação Cível Nº 70025321894, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 17/12/2008);

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. FACTORING. PESSOA JURÍDICA. No caso concreto não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, porquanto a pessoa jurídica não se enquadra como destinatária final do produto quando utiliza-se da contratação no implemento de sua atividade empresarial. Entretanto, possível a revisão pelas normas de direito comum. Hipótese em que não há falar de revisão dos juros remuneratórios e da capitalização de juros, pois que nos contratos de factoring não incidem ambos os encargos e sim o denominado Fator de Compra, ou seja, a remuneração da empresa pelos serviços prestados mediante a diferença entre o preço de compra e o valor nominal dos títulos. Diante do resultado do julgado não haverá o que repetir ou compensar. Tendo em vista o que restou decidido fica autorizado o registro do nome da parte autora nos cadastros de inadimplentes. APELO PROVIDO. (TJRS, AC 70020043600, José Conrado de Souza Júnior, 31.07.2007);
FACTORING. REVISÃO CONTRATUAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. 1. A compreensão do vocábulo consumidor, para fins de definição do âmbito de incidência da legislação consumerista, deve partir da expressão destinatário final, entendido como aquele destinatário fático e econômico do bem ou do serviço, sem que objetive o incremento ou fomento de outra atividade negocial. Revela o aspecto teleológico, não se admitindo a incidência das normas protetivas às relações em que um profissional adquire um produto ou usufruiu de um serviço com o fim de otimizar ou dinamizar o seu próprio negócio lucrativo. Nesses casos, dir-se-á que o profissional atuou como destinatário intermediário, fugindo ao alcance da definição do art. 2º do CDC. Hipótese em que as avenças firmadas entre as partes litigantes objetivavam o incremento das respectivas atividades negociais. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. 2. O contrato de factoring não constitui negócio jurídico bancário, razão pela qual descabe acolher-se a pretensão que visa à revisão das cláusulas relativas aos juros pactuados. A empresa faturizadora possui o direito de cobrar pelos serviços prestados ao faturizado, em percentual sobre os créditos, na modalidade de deságio. PRELIMINARES REJEITADAS. APELO DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DA AUTORA PREJUDICADO. (TJRS, AC 70013298559, Paulo Antônio Kretzmann, 04.05.2006”.

Portanto, deve ser mantida a improcedência dos embargos, na medida em que restou demonstrado que os títulos em comento foram recebidos através de fomento mercantil, não se cogitando da pretensão de revisão de contrato de factoring e nem de incidência das regras do código de consumidor, já que a avença pactuada não se confunde com contrato bancário, razão pela qual resta afastada a pretensão de revisão de juros, capitalização e comissão de permanência, já que não têm incidência tais encargos, mas apenas o chamado fator de compra, ou seja, a remuneração da empresa, que não deve ser limitada, dada a própria natureza do instituto.

De qualquer sorte, prevenindo embargos declaratórios, sob pena inclusive de incidência de multa, se for o caso, tem-se, por derradeiro, como prequestionados os artigos 192 da CF, 6º, IV e V e 51, IV do CDC, 122 e 406 do CC e 326 e 396 do CPC, cujos dispositivos em nenhum momento restam ofendidos pela presente decisão, já que a solução dos autos encontra suficiente fundamento nos termos antes esposados.
 
Pelo fio do exposto, nega-se provimento ao apelo.

É a decisão.

DES. GELSON ROLIM STOCKER (REVISOR) - De acordo com a Relatora.

DES. LUIZ RENATO ALVES DA SILVA - De acordo com a Relatora.

DES.ª ELAINE HARZHEIM MACEDO - Presidente - Apelação Cível nº 70051905180, Comarca de Erechim: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: VICTOR SANT ANNA DE SOUZA NETO