Vamos falar sobre gestão do risco jurídico em factoring?

Parte I – Prevenção do risco jurídico

No setor de factoring trabalhamos convivendo com riscos de todo o tipo e a toda hora. Um dos principais é o risco jurídico. Seu conhecimento e sua correta gestão, certamente deve ser alvo de reflexão entre os administradores e colaboradores das factorings.

Penso que podemos dividir a gestão do risco jurídico em duas fases:

• A prevenção do risco jurídico, que atua no gerenciamento de situações anteriores a intervenção do poder judiciário, e

• A gestão dos processos judiciais.

Iniciamos com a prevenção, que entendo ser a que deve merecer maior atenção dos empresários e colaboradores do setor.

A experiência mostra que a maioria das empresas, factorings ou não, utilizam-se de advogados “bombeiros”, ou seja, aqueles que são chamados somente na hora que a “casa incendiou”, o problema já está posto, e muitas vezes irreparável.

Uma boa administração, não pode prescindir de um controle eficaz em suas rotinas, visando antever e prevenir problemas que podiam ser facilmente sanáveis na sua fase inicial, ou ainda, totalmente evitados com simples cuidados tomados pela equipe de trabalho. Devemos lembrar, que a “agilidade” vendida pelas factorings não pode levar a falta de segurança.

É possível que um único processo possa levar a “quebra” de uma factoring. Com esta frase, pode parecer que estou sendo trágico ou pessimista, mas a realidade que tenho visto em algumas empresas, que concentram excessivamente seus negócios e ainda o fazem de maneira temerária, suporta esta tese.

A minimização das fragilidades, conjuntamente com a antecipação e o clareamento dos “imprevistos”, deve ser o foco principal de concentração dos esforços para a correta prevenção de perdas desnecessárias - já bastam as inevitáveis.

Errar em factoring, significa perder dinheiro.

Quero lembrar, também, que nossas factorings ainda saem em desvantagem no judiciário, principalmente quanto ao entendimento de sua atividade e seu real valor para a economia de nosso país, exceção feita a algumas louváveis e recentes sentenças e acórdãos.

Analisando especificamente a exposicão de uma factoring ao risco, penso que este tem inicio na confecção do seu “Contrato Social”, que traz, dentre outros, o objeto social da empresa.

Tenho visto, que muitas factorings tem no seu contrato de constituição, um objeto social extremamente amplo, com atividades que não pratica, e nem tem interesse de praticar, sendo este um bom exemplo de como existem situações que podem levar a um passivo “oculto”, que poderia ser “claro”, desde que evidenciado por um profissional especialista na redução destes riscos.

Digo isto, pelo fato de ser comum a inclusão no objeto social de prestação de atividades administrativas pelas factorings, que necessitam de um profissional inscrito no CRA (Conselho Regional de Administração), e em muitos casos, talvez a maioria, a empresa de factoring nunca tenha praticado, ou mesmo nunca tenha tido a intenção de praticar nenhum ato privativo desta profissão regulamentada. No entanto, fica ela exposta a um passivo judicial muitas vezes desconhecido por seus administradores.

Exemplo disso é o entendimento da primeira turma do STJ, que julgou um recurso do CRA/SC contra ação promovida pelo Sinfac/NCO, que traz:

“A obrigatoriedade da inscrição das empresas em determinado Conselho profissional, é ditada pela "atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros" independentemente do profissional que devam contratar para a realização da tarefa”.

E ainda, no mesmo acórdão:

“As atividades desempenhadas pelas empresas de factorings na modalidade convencional, que envolve funções de compra de crédito (cessão de crédito) e prestação de serviços convencionais (análise de riscos dos títulos e cobrança de créditos da faturizada) não estão no alcance da fiscalização profissional do Conselho Federal de Administração - CRA, porquanto sua atividade-fim não se enquadra nas hipóteses elencadas como de natureza administrativa.”
(RECURSO ESPECIAL Nº 932.978 - SC (2007/0051518-3)

Este é somente o início dos possíveis problemas que uma factoring pode estar sujeita. O andamento dos negócios do dia-a-dia se encarrega de determinar o tamanho do passivo judicial oculto, ou não, na factoring.

Basear-se somente em garantias contratuais e cambiais não pode ser a primeira opção da factoring para a recuperação de crédito. Certamente a prevenção de situações que levam a ter que recuperar um crédito via judicial deve ser o foco.

Costumo dizer a alguns clientes que o advogado somente utiliza as “ferramentas” ou “armas” que seu cliente fornece para que possa alcançar o objetivo em uma ação judicial. Se uma empresa fornece somente um “canivete” para que o advogado a utilize numa batalha judicial, será com esta “arma” que o advogado buscará o sucesso jurídico. E qual a chance nesse caso?

Prevenção significa a antecipação aos problemas, e para isso requer atitudes do empresário no sentido de munir-se de boas “armas” para que se possa alcançar ao advogado quando da batalha judicial. Agindo desta forma, o empresário certamente aumenta consideravelmente as chances de eficácia não só nas demandas judiciais, mas nas negociações que as antecedem.

Exemplificativamente, veja o  que diz uma pesquisa do Banco Central quanto a  estimativas para o prazo médio necessário para a recuperação judicial de créditos não pagos há mais de sessenta dias, conforme a garantia: 
 

Prazo

Hipoteca Aval e Fiança Garantia fiduciária

Outras formas de garantia

Em meses 24 37 20 31
Fonte: Banco Central

Não é intenção deste artigo analisar todas as possibilidades de prevenção jurídica numa empresa de factoring, até mesmo pelo fato de que cada empresa tem  suas próprias “fragilidades” em suas rotinas, bem como, não há profissional do direito que consiga “clarear” todas as possibilidades existentes.

Porém, existem algumas situações em que a abordagem é de grande importância, e o faço de forma a elencar através de perguntas sobre situações comuns e possíveis de estar acontecendo na sua factoring:

• O contrato de faturização de sua factoring está espelhando a realidade das operações efetivamente concretizadas? Ou, é um contrato “genérico”, que prevê situações que não estão de acordo com sua realidade?

• Na elaboração dos contratos de sua factoring, foi levado em consideração o   “princípio da boa-fé contratual”, o “princípio da função social do contrato”, e ainda o “princípio do equilíbrio econômico”?

• As garantias contratuais e nos títulos de crédito, obedecem todos os requisitos para sua validade?

• Quando sua factoring opera com diversas modalidades, ela se utiliza de procedimentos e contratos específicos que obedeçam os parâmetros norteadores do factoring?

• Sua empresa utiliza-se de consultas aos tribunais para identificar comportamento judicial de seus cedentes e principais sacados?

• Existe alguma previsão contratual sobre o valor limite de responsabilidade dos “garantidores”?

• Sua factoring possui e utiliza critérios para notificar os sacados das duplicatas negociadas?

• No caso de protesto de títulos adquiridos, antes do título ir para o Cartório, sua factoring toma algum cuidado verificando se tal título não possui algo que possa ser objeto de futura ação de reparação de danos morais e/ou abalo de crédito?

• Sua factoring toma os cuidados necessários na hora do pagamento da operação?

• Sua empresa está preparada para enfrentar uma ação revisional de contrato alegando a falta de prestação de serviços, float, juros moratórios na recompra, tarifas pós-compra, etc.?

• Em resumo, sua empresa se preocupa mais em ter o telefone do corpo de bombeiros ou em ter um bom plano de prevenção de incêndios junto com um extintor à mão de sua equipe de trabalho?

Veja que as perguntas acima, são somente uma pequena amostra de situações que podem expor sua factoring ao risco jurídico.

Pense e responda, adequadamente, os questionamentos acima. Se não conseguiu ficar tranquilo com suas respostas, é hora de observar melhor as rotinas de sua factoring, procurando e corrigindo as eventuais falhas que possam ocasionar riscos desnecessários.

Na continuação deste artigo, tratarei sobre a gestão dos processos judiciais.

Se quiser comentar este artigo, envie para desbesel@terra.com.br

 

Ernani Desbesel

Ernani Desbesel

Especialista em Negócios de Compra de Recebíveis
MBA em Gestão Estratégica de Factoring
Advogado há 26 anos com especialidade em negócios das Empresas de Compra de Recebíveis
Palestrante em 11 cursos sobre o Setor de Compra de Recebíveis
Ex-empresário do Setor de Fomento Mercantil
Consultor de Empresas de Factoring, Securitização e FIDC
Auditor de Riscos da ISO 31000:2009 (Gestão de Riscos)