Confissão de Dívida - Vantagens - Riscos - Novação - Reserva Mental

A relação do setor com o contrato de confissão de dívida é peculiar. Depois de muito correr atrás do devedor, e finalmente obter a concordância com uma forma de pagamento, muitas vezes envolvendo a redução de ganhos, juros, supressão de multa, postergações e outros benefícios, o devedor não paga nenhuma parcela. Pior! Ao receber uma nova ligação de cobrança, você percebe que ele usou do contrato para liberar os sacados que agora te ameaçam com ações indenizatórias acaso ouse cobrá-los.

A frustração é inevitável.

Sabemos que o instrumento de confissão de dívida é um contrato de duas ou mais partes que tem muitas vantagens:

Ele pode ser utilizado para enjeitar, ou corrigir, aspectos da relação jurídica havida com o devedor (como a ausência de comprovação da operação, por exemplo) e basta que ele possua duas testemunhas para que possa ser executado.

Há outros benefícios, como a possibilidade de estabelecer o vencimento antecipado, em caso de mora ou inadimplemento com multa contratual; a inclusão de outros devedores ou responsáveis solidários; a inclusão de garantias reais e/ou fidejussórias e a alteração da cláusula de eleição de foro.

Mal utilizada, no entanto, a Confissão de Dívida é um tiro no pé, pois dela decorre a novação, implicando na extinção da dívida anterior, e sua substituição por uma nova, residindo nesse aspecto sua grande aceitação na jurisprudência.
     
Apelação Cível. Embargos à execução rejeitados. Título extrajudicial. Confissão de dívida. Novação. Empresa embargante que reconheceu a responsabilidade pelos títulos cedidos à embargada, assumindo e renegociando a dívida que passou a ser representada por meio de 24 notas promissórias. Feito que versa sobre o inadimplemento das notas promissórias emitidas pela empresa embargante. Incabíveis contendas acerca dos termos do contrato de factoring. Jurisprudência TJ/RJ. Sentença mantida. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO, na forma do art. 557, caput, CPC. Apelação Cível nº 0014777-10.2009.8.19.0021 – 10ª Câmara Cível 09/2011.

Há que se ter muito cuidado com essa armadilha, especialmente quando se substitui um contrato que sozinho já poderia ser executado, e está cheio de títulos sem lastro (duplicatas frias) com potenciais implicações penais para os sacados e o negócio do devedor.
 
Nesses casos, deve-se optar por realizar negociações dentro do contrato-mãe, conferindo ao termo de acordo efeitos complementares ao contrato, suspeitando do interesse do devedor na assinatura de uma confissão de dívida desnecessária.
    
Caso não seja possível, e a confissão de dívida seja assinada, dê preferência à cláusula de "sem ânimo de novar", referência judicialmente polêmica, que nem sempre é aceita pelo juízo. De um jeito ou de outro, será necessário discutir o tema dos vícios de consentimento no Judiciário, afirmando que a confissão é nula por ato de reserva mental.
 
reserva mental está disciplinada no art. 110 do Código Civil, e decorre da colisão de dois atos distintos de vontade: 
 
(a) uma interna - a intenção de não pagar e aproveitar-se da novação
 
(b) uma externa - a intenção de pagar as parcelas combinadas
 
A boa notícia é que, sendo desconhecida a intenção de não pagar, a empresa poderá alegar a nulidade, e correr atrás dos sacados e antigos devedores solidários. 
 
A má notícia, no entanto, é que esse reconhecimento dependerá de uma ação declaratória, significando que o credor deverá abrir mão do caminho mais célere, preterindo executar a confissão de dívida.
  
Por fim, no campo Jurisprudencial, pondere-se que o reconhecimento de Julgados sobre reserva mental nos contratos de confissão de dívida são raros, carecendo de uma maior provação no Poder Judiciário para desenvolver o assunto em Juízo.

Felipe do Canto Zago

Felipe do Canto Zago

Advogado, graduou-se pela  Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Desde os primeiros anos de prática processual, empreendeu em escritórios de advocacia próprios, tornando-se profissional reconhecido no Mercado de Capitais (FIDCs e Securitizadoras) e Direito Empresarial, destinando anos à vida à academia, onde leciona e possui profícua produção.
 
Mestre em Direito na área de Fundamentos Constitucionais do Direito Público e do Direito Privado pela PUCRS, formou-se Pós Graduado em Direito Empresarial pela mesma universidade. Possui, também, extensão em Direito Civil, Processo Civil, Direito Administrativo, Direito do Consumidor, Direito Tributário no IDC, Direito Bancário pela FGVRJ, Direito Imobiliário na AJURIS e Direito Societário na UNISINOS.
 
Professor Convidado (2013-2017) da Pós-Graduação em Direito Processual Civil da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, bem como da Pós-Graduação em Direito Contratual, Responsabilidade Civil e Direito Imobiliário da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (desde 2018 até o momento).Possui diversos estudos jurídicos publicados em revistas técnicas, artigos jurídicos e jornais de grande circulação; é também palestrante em Congressos, Cursos e Simpósios no setor de compra de ativos mobiliários.