O protesto de NP Digital

As transmissões de créditos a Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDC”) classificados como fomento mercantil pela ANBIMA são disciplinadas em contratos que preveem as regras gerais das cessões e efetivadas mediante a assinatura de um termo aditivo.

Entre as regras, normalmente, estão previstas aquelas que disciplinam as hipóteses de recompra dos créditos cedidos em caso de vício de origem, assim como de coobrigação do cedente e dos demais responsáveis solidários pelo pontual e integral pagamento do recebível pelo devedor.

Se, por exemplo, uma duplicata adquirida pelo FIDC representar um crédito originário de venda de mercadorias, a ausência de entrega do produto pelo cedente ou a devolução da mercadoria pelo sacado - no prazo da lei e nas hipóteses cabíveis - podem tornar o título inválido para a cobrança. Esse título será chamado de não performado e gerará ao cedente a obrigação de recompra.

Seguindo o exemplo anterior, se a mercadoria for entregue e o sacado não pagar no vencimento o FIDC poderá cobrar não apenas o devedor originário, mas também o próprio cedente e os demais responsáveis solidários. O título será considerado performado e a cobrança, fundamentada na cláusula de coobrigação. A Lei Uniforme de Genebra, art. 15, a Lei do Cheque, art. 21, o Código Civil, art. 296, e a Instrução CVM 356/2001, art. 2º, XV, são algumas das disposições legais e normativas que autorizam expressamente a coobrigação.

Diante do risco de geração de saldo devedor dos contratos de cessão, quer derivado de recompra ou de coobrigação, os FIDC têm convenientemente incluído no kit cadastral dos cedentes ou em cada efetiva cessão de créditos a emissão de uma nota promissória no valor correspondente ao limite operacional concedido ou do valor bruto de cada efetiva cessão. Adicionalmente, também é recomendável e perfeitamente legal o recebimento de garantias ao cumprimento do contrato de cessão, em especial por meio de alienação fiduciária (leia mais).

Essa nota promissória será:

(a) provavelmente assinada mediante a utilização de certificado digital, a chamada NP digital;
 
(b) emitida por todos os coobrigados, isto é, o cedente e os responsáveis solidários;
 
(c) utilizada para representar o saldo devedor do contrato de cessão e para permitir o ingresso de ação de execução contra o cedente e os demais coobrigados ou de pedido de falência.

Quando o FIDC optar pelo pedido falimentar o prévio protesto da NP digital será obrigatório. E nesse caso o credor poderá encontrar alguma dificuldade na recepção do título no cartório de protesto.

Essa dificuldade não se refere – ou não deveria se referir – a nenhum questionamento a respeito da validade da NP digital. Afinal, não custa lembrar, qualquer documento em forma eletrônica com assinatura digital (ICP-Brasil) é plenamente válido para todos os fins legais. É a Medida Provisória n. 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, com vigência autorizada pela Emenda Constitucional n. 32 de 11 de novembro de 2001, que diz isso no art. 10 e §1º.

O ponto questionado por alguns cartórios, sobretudo aqueles situados fora dos grandes centros urbanos, está na conferência das assinaturas digitais. Incrivelmente, alguns tabelionatos ainda não criaram estrutura para validar a assinatura eletrônica.

Se não criaram, devem criar. O usuário não pode ser prejudicado pela atrasada falta de atualização de alguns cartórios. Os títulos assinados digitalmente são uma realidade e não se pode mais admitir tamanho descompasso entre os serviços prestados pelos cartórios e a já cotidiana plataforma eletrônica de celebração de negócios.

O pedido de falência lastreado em duplicata, nota promissória, confissão de dívida ou no contrato de cessão assinados digitalmente depende do prévio protesto do respectivo título ou documento representativo da dívida. Não recepcionar esse título ou documento assinado digitalmente, além de desprezar as relações sociais e negociais atuais, significa impedir o credor de protestar a dívida e, muito pior, de pedir a falência do devedor.

No Estado de São Paulo, felizmente, esse tema foi regulado nas Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais no art. 26:
 
26. Títulos e documentos de dívida assinados mediante utilização de certificados digitais emitidos no âmbito da ICP-Brasil podem ser recepcionados para protesto por meio eletrônico, se realizada, em qualificação, conferência das assinaturas com emprego de programa adequado à legislação brasileira.” (redação dada pelo Provimento CGJ n. 18 de 10 de abril de 2017)
 
A expectativa é que essa adequação normativa à utilização de meios digitais de comunicação e produção de contratos e títulos de crédito seja, o quanto antes, reproduzida nos demais Estados.

Em resumo:

(a) a emissão de nota promissória é recomendada nas relações entre os FIDC e os cedentes;
 
(b) a NP digital é válida e deve ser recepcionada para protesto pelos cartórios competentes;
 
(c) em São Paulo os cartórios de protesto estão orientados a protestar títulos ou documentos de dívida assinados digitalmente, havendo a expectativa de que tal normatização se espalhe pelo país

Marcelo Augusto de Barros

Marcelo Augusto de Barros

Advogado e sócio do escritório Teixeira Fortes Advogados Associados. Formado em 2001 pela UNIP. Cursos de extensão em Direito Processual Civil pela FADISP em 2003, Direito Contratual pela PUCSP em 2004, e Finanças Aplicadas ao Direito pela GVLAW em 2006. LLM em Direito Societário (Master of Laws) pelo IBMEC/SP em 2008. Atua nos setores contencioso e consultivo ambiental, contratual e societário.