Economia

Na pandemia, bancos digitais e fintechs miram nos MEIs

Mais de um ano depois da crise econômica trazida pela pandemia de coronavírus, o desemprego no Brasil atingiu o recorde de 14,7%. Simultaneamente, o número de microempreendedores individuais (MEIs) também explodiu. Em 2020, o país atingiu a marca de 11,3 milhões de empresas desse formato. De janeiro a março deste ano, foram cadastrados mais 500 mil MEIs. O número mostra que empreender pode ter sido a melhor (ou a única) saída para muitos trabalhadores em meio ao cenário caótico trazido pela covid-19. E quem está de olho nisso são os bancos digitais e as fintechs (empresas que prestam serviços financeiros de forma tecnológica, por meio de aplicativos e atendimento digital).

As startups querem sair na frente dos "bancões" ao oferecer um atendimento mais rápido e personalizado aos pequenos empreendedores. E os números mostram que esses profissionais têm aderido aos novos concorrentes.

No Banco Original, por exemplo, houve um aumento de 62% na base de clientes do segmento Pessoa Única nos últimos 12 meses. A empresa, no entanto, não abre o número total de contas. Essa área é focada em atender os MEIs, os EIs (empresários individuais) e os Eirelis (empresários individuais de responsabilidade limitada). Segundo o banco, o recém-lançado segmento de crédito para capital de giro para esses empreendedores teve mais de R$ 70 milhões contratados nos últimos três meses.

No Banco Inter, foram 450 mil novos clientes MEI e Pessoa Jurídica nos últimos 12 meses. Segundo o banco, foi uma alta de 119% nas contas digitais PJ e 98% da carteira de contas MEI em relação a maio de 2020. O Nubank, um dos bancos digitais mais populares, afirmou que tem hoje 530 mil usuários cadastrados na conta PJ, mas não divulgou o crescimento no último ano.

Além dos bancos digitais que atendem pessoas físicas e também jurídicas, nos últimos anos surgiram fintechs específicas para os empreendedores. É o caso da Cora. Na fintech, houve um crescimento de mais de 6.000% na base de clientes no último ano. Em maio de 2020 eram 1,4 mil clientes micro, pequenas e médias empresas. Em maio de 2021, esse numero chegou a 81,5 mil. O Linker é outra empresa do mesmo segmento. Eles não abrem, no entanto, o número de clientes.

Abertura de conta rápida

Segundo as fintechs, uma das grandes vantagens dos microempreendedores serem seus clientes é a agilidade na hora de abrir as contas, o que pode ser feito pelo aplicativo.

Segundo Igor Senra, fundador da Cora, uma conta PJ pode ser criada em três minutos por meio do seu app. No Linker, isso é feito em cinco minutos, segundo Davi Mourão.

No Original, Raul Moreira, Coordenador do Comitê de Inovação do Banco Original, afirma que a abertura da conta pode ser feita em "quatro cliques". O cliente, no entanto, deve ter uma conta PF também, mas que fica apartada da PJ e ele não é obrigado a movimentá-la.

No Inter, no entanto, a abertura demora cerca de quatro dias úteis, apesar de ser feita on-line. No Nubank, apenas os clientes que já têm conta na pessoa física podem fazer a abertura da conta jurídica. O procedimento, no entanto, é rápido e todo feito pelo app.

Embora não seja difícil encontrar clientes dos "bancões tradicionais" reclamando da demora ou da burocracia para abrir uma conta PJ, essas empresas estão se movimentando.

Itaú, Bradesco, Santander e Banco do Brasil afirmam que há a possibilidade de uma abertura de conta para pessoa jurídica por meio de seus sites e aplicativos. O prazo para ela ser validada, no entanto, é de três dias úteis após o envio da documentação.

Ainda assim, há em redes sociais como o Twitter e em sites de atendimento ao consumidor, como o Reclame Aqui, relatos de clientes que foram instruídos a comparecerem a uma agência para fazer a abertura.

Serviços específicos

Outra forma de atrair os clientes, além da agilidade na abertura da conta, são alguns serviços específicos oferecidos por essas fintechs aos clientes.

O Banco Original, o Nubank, o Inter e a Cora, por exemplo, oferecem o Pix (serviço de transações e pagamentos instantâneo lançado pelo Banco Central) gratuitamente aos microempreendedores.

O Linker ainda não incluiu o Pix na sua lista de serviços, mas disponibiliza o sistema "Linker Pay", no qual o empreendedor consegue gerar um link que é enviado ao cliente. Ao abri-lo, aquele comprador encontra um campo para preencher com o número do seu cartão de crédito e, assim, fazer o pagamento. A fintech, no entanto, já estuda a adesão do Pix.

Outra forma de pagamento pensada por essas empresas é o oferecimento de maquininhas de cartão, já que a maioria dos grandes bancos possuem credenciadoras (ou seja, as empresas que fornecem essas soluções) embaixo de seus guarda-chuvas ou têm parcerias com elas.

No caso do Original, existem parcerias com credenciadoras para oferecer as maquininhas com condições especiais para os clientes do banco. Já o Inter possui uma credenciadora, a Granito, que pode ser contratada pelos seus clientes por meio do aplicativo.

A Cora ainda não possui soluções de credenciamento, mas estuda implantar em breve um modelo onde o cliente escolhe a empresa que melhor o atende e a Cora tem acesso aos dados de credenciamento dele (ou seja, quanto ele vendeu, quanto tem para receber, etc). A partir daí, a fintech pode oferecer soluções como antecipação de recebíveis, etc.

Modelo de crédito

Segundo o levantamento Panorama de Crédito para empresas no Brasil, feito pelo Sebrae e pelo Banco Central, a taxa média de empréstimos cobrada das grandes empresas foi de 6,5% em 2020. Já a taxa média dos MEIs foi de 38,5%.

A fim de atender a esse público, as fintechs vêm pensando em linhas de crédito especiais para eles. No Original, por exemplo, é oferecido um crédito para capital de giro totalmente digital. A ideia para oferecer taxas mais assertivas a esse cliente é observar a movimentação de suas contas. Por isso, a adesão ao open banking (sistema que permite que empresas tenham acesso aos dados financeiros daquele usuário em outras instituições) é importante, segundo Raul Moreira.

"Hoje, temos um desafio importante de conscientizá-lo para aderir. Porque quando ele adere e fornece seus dados, ele permite que possamos ser mais assertivos em produtos e serviços e na concessão de crédito", afirma.

A Cora ainda não tem soluções de crédito, mas também estuda maneiras de oferecer opções mais personalizadas para aqueles clientes. "Estamos testando um piloto que vai funcionar melhor do que ficarmos olhando quanto aquele cliente tem de score nos birôs de crédito, vamos olhar mais para quanto ele transaciona na Cora", afirma Igor Senra.

O executivo destaca que um dos diferenciais da Cora é justamente o atendimento personalizado e atencioso ao cliente. "A maioria dos clientes que nos indicam foram os que caíram no nosso atendimento", conta.

No Inter, quando o cliente abre a conta PJ ele já tem uma análise de crédito feita na hora e um limite de crédito pré-aprovado.

Segundo ay Chalub, Diretor de Conta Digital e Meios de Pagamento do Inter, há linhas de crédito e soluções de antecipação de recebíveis competitivas para esse público.

"As taxas são muito competitivas. Nós acreditamos em oferecer taxas eficientes para esses clientes e já nascemos sem tarifa", afirma. Ele conta que o banco ainda está preparando uma ferramenta para esses clientes gerirem suas finanças. Ele não divulgou, no entanto, a previsão de lançamento.

Assim como a Cora, o Linker ainda não tem soluções de crédito. A ideia também é estudar uma forma de conceder empréstimos a taxas mais justas, que "respeitem o momento da empresa, quando muitas estão começando e ainda não têm um histórico financeiro", afirma David Mourão.

"Nossos primeiros movimentos para ajudar o empreendedor a ter sucesso são baseados na redução de custos. A conta é gratuita, facilitamos o acesso, tiramos a burocracia", afirma.

Todos os bancos digitais e fintechs destacaram a necessidade de criar produtos e linhas específicas para atender esse público. A ideia, segundo as instituições, é conhecer mais a fundo a movimentação financeira desses empreendedores e oferecer taxas condizentes com a realidade deles.

https://valorinveste.globo.com/objetivo/empreenda-se/noticia/2021/06/11/na-pandemia-bancos-digitais-e-fintechs-miram-nos-meis.ghtml