Economia

MEIs crescem em meio à pandemia

Roberta Mello

O Brasil deve registrar, em 2020, o maior nível de empreendedorismo de sua história. Impulsionados pela crise gerada pela pandemia do coronavírus, os brasileiros estão buscando na atividade empreendedora uma alternativa de renda. Com isso, uma estimativa feita pelo Sebrae (em sua pesquisa Global Entrepreneurship Monitor - GEM) aponta que aproximadamente 25% da população adulta estará envolvida, até o fim do ano, na abertura de um novo negócio ou com uma empresa com até 3,5 anos de atividade.

Os dados do Ministério da Economia confirmam essa tendência. Somente no primeiro semestre de 2020, o número de microempreendedores individuais (MEI) no País cresceu 10,2%, na comparação com o mesmo período do ano passado, chegando a 10,3 milhões de registros. Foram 892.988 novas formalizações nos seis primeiros meses do ano, um recorde histórico semestral, segundo dados do Portal do Empreendedor, do governo federal.

O Brasil tem atualmente mais de 17 milhões de pequenos negócios (7 milhões de micro e pequenas empresas e 10,9 milhões de MEI). Juntos, eles representam 99% de todas as empresas do país e são responsáveis por cerca 30% do PIB.

Dados do Ministério da Economia apontam que as empresas optantes do Simples Nacional geram mais da metade dos empregos formais (cerca de 55% do estoque de empregos formais) e participam de 44% da massa salarial. Um dado muito positivo, segundo o Sebrae, é que os pequenos negócios estão implementando inovação para enfrentar o contexto da crise imposto pela pandemia.

Segundo levantamento feito pelo Sebrae na última semana de agosto, as vendas online continuam em alta entre as micro e pequenas empresas que têm utilizado canais digitais, como as redes sociais, aplicativos ou internet como plataformas para comercialização de produtos e serviços.

Enquanto no levantamento feito no final de maio, 59% das empresas utilizavam esses canais, atualmente esse percentual já chega a 67%. Entre os empresários ouvidos, 16% passaram a vender por meio de ferramentas digitais a partir da chegada do coronavírus ao País.

A mesma série de pesquisas iniciada em março, mostrou que os pequenos negócios que estão com as dívidas em dia têm algumas características em comum: são aqueles que mais utilizavam vendas pelas redes sociais antes da pandemia (53%) e já usavam ferramentas digitais de gestão do negócio.

Ainda de acordo com as pesquisas do Sebrae, na última semana de agosto, 12% das Micro e Pequenas Empresas haviam efetuado contratações nos últimos 30 dias. Na mesma medida, vem caindo ao longo dos últimos meses o percentual de MPE que demitiram funcionários. No levantamento feito na primeira semana de abril, 18% das MPE haviam demitido. Na última pesquisa (agosto), esse percentual caiu para 8%.

O presidente do Sebrae, Carlos Melles, destaca que "o empreendedor brasileiro está dando uma incrível prova de resiliência e da sua capacidade de se adaptar, de se reinventar" em meio a crise do novo coronavírus. Ele complementa que: "Toda crise representa um desafio, mas pode ser também uma oportunidade para o empreendedor criar soluções inovadoras, que contribuam com o desenvolvimento e a profissionalização. As principais lições que a crise deixa são: a importância do planejamento, da qualificação da gestão e do investimento em inovação".

A formalização permite a emissão de notas fiscais, aluguel de máquinas de cartão e acesso a empréstimos (com juros mais baratos), a venda dos produtos ou serviços para o governo e, é claro, tributação simplificada e menor do que a de médias e grandes empresas. O empresário é enquadrado no Simples Nacional e fica isento dos tributos federais (Imposto de Renda, PIS, Cofins, IPI e CSLL).

Busca por 'abrir MEI' teve aumento de 222% em busca na internet

Pesquisa realizada pela empresa de marketing digital SEMrush aponta que o termo "abrir MEI" teve um aumento de 222% nas buscas no Google no mês de agosto de 2020, comparado ao mesmo mês no ano anterior. O crescimento é espelho do fenômeno de formalização deflagrado pela pandemia do novo coronavírus no Brasil, tendo em vista que número de microempreendedores individuais cadastrados no Portal do Empreendedor teve alta de 11,5% ante ao mesmo período do ano passado, o que é equivale a cerca de 84 mil novatos no empreendedorismo.

O levantamento da SEMrush mostra que março, mês em que a pandemia do novo coronavírus teve início no Brasil, registrou 74 mil buscas do mesmo termo, enquanto em agosto deste ano o dado pulou para 110 mil. Outros termos que tiveram 100% de aumento nas buscas no Google, segundo levantamento da SEMrush foram CNPJ, MEI, DAS MEI, CNPJ Receita, MEI boleto, consulta CNPJ, portal do MEI, busca ou cartão CNPJ, simples nacional MEI e situação cadastro MEI.

O contador e um dos fundadores do Easymei, aplicativo de auxílio e gestão focado em microempreendedores, Alexandre de Carvalho, explica que a busca reflete a dificuldade do empreendedor em abrir facilmente sua empresa e gerir seu negócio. "Ainda há falta de informação e processos muito burocráticos para abertura da empresa. Com isso, o mercado conta hoje com aplicativos que facilitam o processo e ajudam na abertura via internet, com o objetivo de auxiliar o microempreendedor a formalizar seu negócio e aumentar sua renda", destaca Carvalho.

A taxa de desemprego no País atingiu em agosto, segundo o IBGE, seu maior patamar desde maio, contabilizando 13,7 milhões de pessoas. O crescimento dos MEIs no Brasil é bastante impulsionado por números como esses. Só entre maio e julho, cerca de três milhões de pessoas ficaram sem trabalho. Por isso, os especialistas salientam que os estreantes no empreendedorismo devem buscar maneiras de compreender cada vez melhor seu negócio para que a saída encontrada não se torne uma armadilha.

O planejamento financeiro é a principal ferramenta de sucesso, diz Alberto Hamoui, do Hybank, uma fintech que disponibiliza uma conta de pagamento digital para microempreendedores. "É preciso ter uma organização, no que diz respeito às finanças, para que consigam ter o menor impacto quando futuras crises surgirem", completa Hamoui.

A abertura do próprio negócio, ainda que pequeno, é uma alternativa real ao desemprego. "Hoje o MEI é uma das portas de entrada para a abertura do seu negócio no Brasil, por ser uma das formas mais simples e baratas. O empresário só terá a obrigação de pagar o imposto da guia DAS, mensalmente, no valor aproximado de R$ 55, fazer o relatório mensal e realizar a sua declaração anual", explica o contador.

Pandemia ressalta a importância da formalização para a qualidade de vida

Além dos brasileiros que se viram sem uma fonte de renda e decidiram empreender, outros perfis de clientes procuraram a contadora Eliane Soares, sócia do escritório ERS Contabilidade e Assessoria Empresarial, desde março. Houve um número grande de empreendedores que já são MEI, mas tinham pendências com a Receita Federal, e também de pequenos empreendedores que precisavam formalizar o negócio para serem contemplados em alguma linha de financiamento aberta nesse período pelo governo federal.

Os MEIs contaram com aval do Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe) e acesso ao crédito pelo Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), além da liberação do FGTS. "Muita gente nos procurou em busca de assessoria para aproveitar essa facilidade e acessar alguma linha de financiamento - algo que antes era muito difícil de ser acessado dadas as exigências feitas pelos bancos", comenta Eliane.

Um relato cada vez mais comum é também o de pessoas que tiveram de fechar os negócios durante meses e passaram a contar apenas com o auxílio emergencial para sustento da família. "Isso fez com que muitas pessoas pensassem no futuro e em como iriam levar a vida caso ficassem doentes. O MEI dá a segurança de que a contribuição ao INSS está sendo feita e que a pessoa terá direito ao auxílio-doença e à licença-maternidade", exemplifica Eliane. 

Dicas simples para quem é Microempreendedor Individual manter a saúde do negócio em dia

- Abrir contas-correntes distintas para as finanças pessoais e as da empresa. Isso ajuda a manter a organização e evitar dores de cabeça na hora de fazer a Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF).

- Defina um salário mensal. Aqui vale lembrar que o pró-labore do MEI, que serve de base para o cálculo da contribuição mensal, é um salário-mínimo.

- Crie o hábito de fazer um controle financeiro. Faça uma tabela com o valor do produto ou serviço que você comercializa ou presta, anote a forma de pagamento, a data dos gastos e o valor da receita da sua empresa e quanto recebe de pagamentos (à vista ou parcelados).

- Tenha controle de tudo que for gasto com o negócio, como por exemplo, o transporte para atender um cliente ou a compra de mercadorias e equipamentos. Não misture gastos pessoais com os do seu negócio.

- Mantenha o pagamento da guia mensal sempre em dia. Se deixar acumular, não se assuste, entre no site do Portal do Empreendedor ou procure um contador e retome o pagamento das parcelas atrasadas e atuais.

- Busque a assessoria de um profissional contábil. Se não tiver como manter os honorários de uma contratação mensal, não deixe de procurar ajuda naqueles momentos críticos, como na hora de elaborar a declaração do Imposto de Renda ou a declaração anual do MEI.

Consultoria atende a microempreendedores 'mais humildes'

"Meu trabalho é como o de uma clínica popular contábil", descreve Silva Leandro, técnico em contabilidade especializado no atendimento ao microempreendedores individuais (MEIs) em analogia é à onda bastante recente de clínicas de saúde popular. Ele faz questão de lembrar que é graduado em Gestão Financeira e Administração, tem MBA em Controladoria e é pós-graduado em Direito Tributário e Docência do Ensino Superior, e que trabalhar com esse nicho de mercado que não para de crescer foi uma escolha.

"Moro em Viamão e a maioria das pessoas aqui não têm como sustentar 'um honorário' e, mesmo assim, por ser mais humilde, nunca deixa de pagar", salienta. O serviço prestado por Silva Leandro não conta com um grande número de clientes fixos - com contrato mensal, por exemplo. Mas sua carteira de clientes passa de 400.

Normalmente são pessoas que querem formalizar o negócio mas não têm acesso à internet ou segurança para fazerem tudo sozinha. É também gente que já tem MEI e está com alguma dificuldade para emitir as guias de pagamento, para comprovar ao banco o rendimento mensal ou que está com pendência com a Receita. Elas vão em busca da assessoria de um profissional contábil e encontram um consultor capaz de ajudá-lo na solução de questões bem pontuais.

Seu foco desde 2009 são os microempreendedores individuais, "normalmente os mais humildes", descreve o profissional. "O número de clientes só aumenta e ainda tem muitos profissionais contábeis que não veem o potencial. Antigamente, quando eu comecei, nem os bancos queriam abrir conta ou fazer um financiamento para os MEIs. Hoje, eles tratam os MEIs como deuses", comenta.

A pandemia, diz Leandro, revelou para muita gente desigualdades que ele mesmo já percebia. "Muitas famílias não têm acesso à internet, contam com apenas um celular para dar conta de tudo, não têm familiaridade com sistemas como o Portal do Empreendedor, não sabem emitir uma nota", diz, ressaltando que o papel social do profissional contábil deve ser atender também a essas pessoas. 

Mesmo assim, o empresário contábil não fica apenas esperando os clientes irem ao seu encontro. Com sua experiência ele também vai atrás dos empreendedores para apresentar soluções, como no caso daqueles negócios que enfrentavam dificuldades. "Eu mostrei para os empresários que uma solução podia ser fechar o negócio, indenizar corretamente os empregados e se formalizar como MEI", explica.

Para o especialista, o mais importante é que as pessoas acessem à modalidade do microempreendedor individual e estejam formalizadas para a garantia da sua sobrevivência. "E para isso procurem um profissional contábil. Só nós podemos comprovar sua movimentação financeira na hora de buscar um financiamento, colaborar com a organização da sua conta pessoa jurídica e apresentar soluções ao negócio", pontua.

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