Economia

Regulamentação da duplicata eletrônica beneficia empresas

Roberta Mello

O lançamento das duplicatas, comprovantes de crédito gerados pela venda de mercadorias ou prestação de serviços por uma empresa, passa por um importante processo de modernização e transparência. A lei de regulamentação de duplicatas eletrônicas apresenta diversos benefícios para as empresas que antecipam recebíveis. Além da redução de fraudes e modernização no mercado de crédito, com a normatização, a expectativa é que a oferta por antecipação de recebíveis aumente cerca de 30% no mercado.

Segundo a Associação Nacional dos Participantes em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Multicedentes e Multissacados (ANFIDC), a nova lei vai mudar as relações entre empresas que buscam por crédito com as instituições que concedem o empréstimo. "Há a possibilidade de algumas instituições, hoje não atuantes no setor, entrarem no mercado de antecipação. Além disso, a duplicata eletrônica pode gerar uma redução de custos, juros e riscos", como informa o diretor da ANFIDC, Luis Eduardo da Costa Carvalho.

O projeto determina que as informações das duplicatas deverão ser obrigatoriamente registradas em sistema eletrônico de entidades autorizadas pelo Banco Central, que passarão a ser as responsáveis pelo registro nacional de duplicatas.

Elas deverão guardar os títulos, controlar os documentos, formalizar provas de pagamento e fazer a transferência de titularidade. Atualmente, essas informações ficam dispersas. Caberá ao Conselho Monetário Nacional (CMN) fixar as diretrizes para a escrituração das duplicatas eletrônicas. A duplicata em papel não será extinta e continuará sendo emitida normalmente, ainda que atualmente elas quase não sejam utilizadas, conforme o especialista.

JC Contabilidade - Como funciona atualmente as duplicatas e quais as principais alterações trazidas pela nova norma?

Luis Eduardo da Costa Carvalho - Todas as operações de antecipação de duplicatas já são feitas de forma eletrônica. As empresas emitem as suas notas fiscais e respectivas duplicatas com prazos para recebimento do valor daquela nota fiscal. A mudança é que as instituições financeiras ou Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FDICs), que já recebem eletronicamente as notas fiscais, poderão fazer sua avaliação de risco e as operações de antecipação também de forma eletrônica. Feita a transação de antecipação desses títulos, depois eles são enviados eletronicamente para cobrança, através da rede bancária. Todo esse processo já é feito de forma eletrônica. O que a lei nova criou foi a obrigatoriedade dessas notas virem a ser registradas em centrais de registro.

Contabilidade - Qual o objetivo fundamental dessa nova norma?

Carvalho - É que esses recebíveis não sejam antecipados por mais de uma instituição. Da forma como é feito ainda hoje sempre haverá o risco daquela nota fiscal e aquelas duplicatas que foram encaminhadas eletronicamente e sobre as quais foi feita uma operação de antecipação sejam antecipadas por uma outra instituição financeira ou por um outro FDIC mais de uma vez. Não há um controle que permita que você identifique que aquele título já foi negociado com alguém. Com isso, o recurso não será antecipado mais de uma vez por que a instituição saberá de antemão que o título já foi vendido para alguém. Vou te dar o exemplo de um automóvel. Quando a pessoa compra um carro e tem uma nota fiscal, ela vai ao Departamento de Trânsito (Detran), faz o registro do carro e recebe um certificado. Quando você vai vender, faz a transferência da propriedade do vendedor para o comprador. Isso evita que o carro seja vendido duas ou três vezes. Isso ocorre por que há um registro no órgão centralizador. O que ocorreu com essa nova lei é que vai passar a existir um órgão registrador das notas fiscais e das respectivas duplicatas.

Contabilidade - Isso significa que desde a emissão da duplicata ela já vai ter de ser registrada nesse sistema eletrônico e, a partir daí, qualquer transação que venha a ser feita tem de ser registrada na duplicata?

Carvalho - Exatamente. O credor cede a duplicata ao FDIC e este antecipa o valor da duplicata ao vendedor, mediante um deságio daquele título, na expectativa de receber no futuro esse valor do comprador inicial do bem. Esse é o mecanismo de antecipação dos recebíveis. O que vai passar a existir agora é a segurança, pelo fato de haver um registro desses títulos em uma central de registro, de que ele não vai ser negociado duas vezes.

Contabilidade - Hoje em dia não existe nenhuma forma de controle e checagem da liquidez de cada duplicata?

Carvalho - Existe, mas daí fica a critério da instituição que vai fazer a antecipação. Cabe a ela buscar formas de garantir que aquele título existe. Esse é um outro ponto extremamente importante. Agora, esse tipo de checagem é feito por telefone, por e-mail ou até por um telegrama, o que acarreta em custos mais altos. Com a Central de Registro, o credor vai poder acessá-la e reconhecer a dívida na hora. Será um processo mais ágil, rápido e seguro para todo mundo. Para o devedor também haverá ganhos, por que evita que haja várias pessoas batendo à porta dele querendo cobrar o título. Isso é bom para os vendedores e para o mercado financeiro, pois todos vão fazer essas transações com mais segurança. Tudo isso vai também se refletir, pela redução do risco, no preço da transação.

Contabilidade - Você acredita que o preço na utilização de duplicatas tende a diminuir?

Carvalho - Sim, à medida em que você diminui o risco de acontecerem todos esses problemas que ainda ocorrem devido à falta de um sistema único com o registro de todas as transações envolvendo aquela duplicata, tende a cair o preço embutido e a democratizar o uso da transação. Essa é a grande vantagem que a nova legislação vai trazer.

Contabilidade - Essa diminuição no preço pode ser sentida não só pelas instituições financeiras, mas também ser repassada a quem emite a duplicata?

Carvalho - Normalmente quem faz a venda de um bem, por exemplo, já embute no preço o valor que ele vai antecipar da duplicata no mercado. Ele tenta repassar no preço o custo atrelado ao risco. Com a mudança, todo mundo da cadeia acaba se beneficiando no final. Um outro aspecto que não está transparente na lei, mas que é de fato um benefício enorme, é que quando você passa a ter esses registros a arrecadação dos impostos tende a se tornar mais difícil. Todas as transações serão registradas e facilmente fiscalizadas eletronicamente pelos governos municipais, estaduais e Federal. Todos os impostos que incidem sobre a cadeia produtiva poderão ser cobrados com mais transparência.

Contabilidade - A criação desse registro deve começar a acontecer agora?

Carvalho - Já existem algumas empresas hoje se organizando para prestar esse serviço. Elas devem funcionar como as centrais de custodia de títulos públicos e privados e a ideia é que todas as duplicatas estejam em todas as centrais - tanto os públicos quanto privados. A regulamentação já foi sancionada pela presidência e está em vigor. Porém, leva um tempo entre a lei ter sido aprovada no Congresso Nacional e sancionada e começar a produzir efeitos práticos no mercado.

Contabilidade - Você estima que haverá um incremento no uso de duplicatas a partir da regulamentação?

Carvalho - Sem dúvida, a regulamentação e a diminuição do risco tendem a criar um facilitador para que pequenas e médias empresas passem a utilizar o desconto de duplicatas. Atualmente, elas são vistas sempre com muita restrição pelos bancos e com esses mecanismos de registro e aumento da segurança certamente vão se beneficiar de acesso a linhas de crédito com taxas mais baixas. É uma legislação que vai trazer muitos benefícios. Quanto menores são os agentes econômicos mais benefícios eles vão ter. A grande empresa já tem uma série de mecanismos de proteção, podem pagar advogados, contadores, economistas, para se resguardar e reduzir o risco. Uma pequena ou média empresa não tem essa capacidade. É natural, então, que quanto mais seguras se tornam essas transações mais benefícios os pequenos e médios empresários vão ter. 

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