Economia

Banco terá de abrir dados de produtos a concorrentes

Os bancos terão de abrir para concorrentes informações sobre cadastro, extratos e até produtos financeiros consumidos por seus clientes, se estes assim o desejarem. A diretriz faz parte do esboço da proposta do Banco Central (BC) para o "open banking", ao qual o Valor teve acesso.

Open banking é o sistema que permite a terceiros, com uso de tecnologia, acessar e até mesmo movimentar contas bancárias e de pagamentos - desde que tenham autorização do cliente. A premissa é que as informações pertencem aos usuários, e não às instituições financeiras.

O órgão regulador vem mantendo discussões sobre o assunto com bancos e fintechs e informou, na semana passada, que vai divulgar em breve um comunicado com as linhas gerais da proposta que será levada a consulta pública.

O cronograma prevê que, além do comunicado, o BC fará um workshop sobre o tema até junho. A minuta da regulamentação deve ser colocada em consulta pública no terceiro trimestre e a abertura das informações pelos bancos está prevista para o início de 2020. A implantação será feita em etapas, e a ideia é que comece pela abertura de informações de produtos e serviços oferecidos pelas instituições financeiras - sem entrar nos dados dos clientes propriamente.

O projeto foi mantido pelo novo presidente do BC, Roberto Campos Neto, na agenda de medidas para modernizar o sistema financeiro e fomentar a competição no setor. Campos já mostrava interesse pelo assunto quando era executivo do Santander, segundo fonte.

Colocar o open banking em prática implica a integração das plataformas de TI dos diversos prestadores de serviços financeiros. Isso se dará por meio da abertura das chamadas APIs (interface de programação de aplicativos, na sigla em inglês). São os "plugues" que permitem acessar dados em sistemas alheios.

Já existem alguns casos de compartilhamento de informações no mercado brasileiro. São os casos, por exemplo, do GuiaBolso, fintech que consolida informações financeiras dos clientes em uma plataforma; e do Conta Azul, aplicativo que permite a pequenas empresas que são clientes do Banco do Brasil fazer a integração automática de suas contas e extratos num só lugar.

No entanto, como é um tema sensível (já que esbarra no sigilo bancário) e a questão não está regulamentada, hoje há limitações para esse tipo de iniciativa.

O open banking ainda é objeto de estudo em diversas partes do mundo, mas foi adotado na União Europeia e no Reino Unido no ano passado. Por isso, esses países se tornaram parâmetros para o tema.

O projeto brasileiro, entretanto, é mais ousado que o europeu. Lá, o compartilhamento se restringe a informações bancárias mais básicas e dados sobre pagamentos. Aqui, o modelo em estudo pelo BC prevê também a abertura de dados cadastrais e dos produtos e serviços (como parcelas e taxas de operações crédito, seguros e investimentos) utilizados pelos clientes. São informações muito valiosas para concorrentes, sejam eles outros bancos ou fintechs.

"O BC não está sendo 'light'. Estamos animados", afirma Ricardo Taveira, sócio da Quanto. A empresa desenvolveu uma plataforma para conectar bancos e fintechs no conceito de open banking e lançou um cartão de débito que permite ao usuário movimentar o dinheiro de diversas contas.

Taveira, que tem participado de conversas com o regulador, avalia que o acesso a dados cadastrais vai permitir, na prática, a portabilidade de conta corrente.

Embora seja abrangente no tipo de informação a ser compartilhada, o open banking brasileiro só poderá ser exigido de instituições supervisionadas pelo regulador. O compartilhamento de dados de bancos e instituições de pagamentos será mandatório quando for para outras empresas reguladas pelo BC. Com as demais, serão firmados contratos bilaterais. Isso significa que, na prática, grande parte das fintechs só terá acesso às informações se conseguir firmar acordo com os bancos ou se pleitear algum tipo de licença.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) defende que os participantes do open banking sejam entidades autorizadas e reguladas pelo Banco Central para que haja padronização e uso adequado das informações. Do contrário, "os riscos de mau uso ou de desvio de propósito do dado aumentam significativamente", afirmou por meio de nota.

O Valor apurou que a Febraban contratou a consultoria britânica Oliver Wyman para assessorá-la nas discussões do modelo.

"O BC vai ter um papel muito importante de achar o equilíbrio de um modelo que preserve a solidez do sistema e garanta a segurança das informações, mas que não inviabilize a implementação, de fato, do open banking", diz Larissa Arruy, sócia do escritório de advocacia Mattos Filho.

Um dos pontos ainda em discussão é se haverá uma especificação técnica para as APIs e para o gerenciamento de riscos. A questão é se estipular um padrão pode engessar o modelo e inibir a competição. O Valor apurou que os grandes bancos preferem que cada um desenvolva seu modelo, desde que não dificulte o acesso às APIs dos concorrentes. Muitas fintechs, porém, entendem que a padronização é um caminho para baratear a tecnologia e ampliar a escala.

De acordo com Febraban, em tese faria sentido ter uma "padronização técnica", mas é preciso pesar prós e contras desse modelo, "com a visão de todos os interessados".

Para Taveira, da Quanto, os princípios da norma e a vigilância do BC importam mais do que a definição de um padrão para garantir o sucesso do open banking.

Esse e outros assuntos serão debatidos por grupos de trabalho a serem criados pelo BC reunindo os setores envolvidos no open banking. Segundo a Febraban, a partir daí haverá uma decisão conjunta com a participação de instituições financeiras, instituições de pagamentos e regulador.

Outra questão que preocupa as instituições financeiras é até onde vai a responsabilidade delas pelas informações compartilhadas. Em princípio, quem recebeu os dados de um cliente passa a ser o responsável por eles daí em diante. Porém, os bancos temem que haja interpretações diferentes na Justiça em caso de vazamento.

As instituições financeiras estão sujeitas à legislação sobre o sigilo bancário e estão se adaptando à lei de proteção de dados, que entra em vigor em 2020.

Para Larissa, é positivo que a regulação do open banking venha depois da legislação da proteção de dados, pois torna o processo mais seguro. De acordo com ela, as instituições reguladas pelo BC ficarão sujeitas tanto à lei quanto à esfera administrativa.

Embora o custo de compartilhamento dos dados seja considerado baixo, também está em discussão ainda quem deverá arcar com ele. A tendência é que, se houver custo, ele seja do cliente e não do canal de acesso, de forma a não ferir o conceito de neutralidade da rede.

Fonte: Talita Moreira, do Valor

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