Caso as expectativas envolvendo uma retomada do crescimento econômico brasileiro se concretizem, possivelmente teremos um ano bastante favorável ao desenvolvimento da indústria de fundos de investimento, em especial para o mercado de crédito privado e infraestrutura.
Por mais que a indústria de fundos brasileira esteja na 7ª colocação no ranking mundial, considerando o volume de ativos sob gestão, cerca de R$ 4 trilhões, verifica-se que enquanto cerca de R$ 3 trilhões do patrimônio dos fundos de investimento brasileiro ainda está concentrado em títulos públicos e operações compromissadas com títulos públicos, apenas R$ 414 bilhões deste patrimônio encontra-se alocado em fundos estruturados[1].
Até o presente momento, considerando as altas taxas de juros, de fato não fazia muito sentido correr risco de crédito privado ou das oscilações da renda variável, com a alta remuneração fornecida pelos títulos públicos, praticamente livres de risco.
Ocorre que este cenário vem se alterando, e o regulador parece estar atento à necessidade de retirar entraves que estejam inibindo o pleno desenvolvimento da indústria de fundos de investimento e do mercado de capitais em geral, pois vem implementando amplo projeto com o objetivo de reduzir o custo de observância de seus participantes.
Especificamente na indústria de fundos de investimento em direitos creditórios – FIDC, um dos entraves mais significativos é o atual regime de responsabilização dos prestadores de serviços, notadamente a divisão de responsabilidades entre o administrador fiduciário, o gestor de recursos e o custodiante.
Os FIDC – fundos de investimento destinados a aquisição preponderante de crédito dos mais diversos setores da econômica –, são importantes veículos de securitização, permitindo a antecipação de recebíveis e se apresentando como relevante instrumento de captação de recursos no mercado de capitais.
Seus principais prestadores de serviço são o administrador fiduciário, o gestor de recursos e o custodiante. O primeiro é o responsável legal do fundo, tem a responsabilidade de manter as operações do mesmo, realizar as comunicações legais e relacionamento com os cotistas, além de supervisionar os demais prestadores de serviços. Já o gestor de recursos é responsável pela seleção e monitoramento dos direitos creditórios adquiridos, enquanto o custodiante é responsável, dentre outras funções, por realizar a liquidação física e financeira dos direitos creditórios.
A Instrução CVM 356/01, que regulamenta os FIDC, originalmente não detalhava de forma específica as atribuições e responsabilidades de cada um dos prestadores de serviço do FIDC, o que acabou permitindo que as partes definissem suas atribuições com certa flexibilidade, o que efetivamente foi feito, em especial no que se refere a verificação do lastro, sua guarda e cobrança.
A falta de clareza sobre as atribuições e responsabilidade sobre a recepção, análise e guarda da documentação que evidenciava o lastro dos direitos creditórios deu ensejo a práticas que geraram graves problemas de governança, tal como a delegação de responsabilidade pela guarda dos documentos para os cedentes do FIDC. Referida prática acabou favorecendo a ocorrência de graves problemas em determinados fundos, permitindo fraudes e dificultando a cobrança dos direitos creditórios, o que ao final, acarretou em vultuosos prejuízos aos cotistas.
A CVM chegou a instaurar alguns processos administrativos sancionadores contra custodiantes e administradores fiduciários. Os casos foram emblemáticos e geraram alguns precedentes importantes para a indústria. Em linhas gerais, reforçou-se a importância do custodiante e a impossibilidade de se responsabilizar o administrador sem demonstrar suas eventuais falhas na fiscalização do custodiante.
Após essas experiências, a autarquia editou a Instrução CVM 531/13, alterando a Instrução CVM 356/01, com o objetivo de mitigar estruturas que propiciam a ocorrência de conflito de interesses (em que a concentração indevida de funções por um mesmo participante ou por partes a ele relacionadas podia comprometer a boa governança dos FIDC), e definir mais claramente as atribuições e responsabilidades do administrador e dos principais prestadores de serviços aos FIDC.
Nesse sentido, foi imputada uma série de responsabilidade e controles adicionais tanto para o administrador fiduciário, quanto para a instituição custodiante, o que gerou significativos impactos para essa indústria, e acabou motivando grandes participantes a deixarem de prestar os serviços de administração fiduciária e custódia de FIDC, em razão dos altos custos de observância.
Importa mencionar que a indústria de FIDC chegou a um patrimônio líquido de mais de R$117 bilhões de reais em 2011, mas viu seu valor diminuir até 2015. Apesar de ter voltado a crescer, o patamar ainda não foi recuperado, e em novembro de 2018, o patrimônio líquido total era de R$110 bilhões[2].
Conforme vem sendo divulgado, a CVM pretende submeter a audiência pública nova regra para os FIDC ainda esse ano, tendo como objetivos centrais atualizar a regra e aprimorar o atual regime de responsabilidades e atribuições dos prestadores de serviço, notadamente no que refere ao gestor.
Nas últimas atualizações da norma, a autarquia centrou seus esforços nos administradores fiduciários e custodiantes – possivelmente por estes terem sido alvo dos escândalos que motivaram as respectivas mudanças regulamentares –, e acabou não dando tanta atenção à figura do gestor, deixando de definir com clareza suas atribuições e responsabilidades. Atualmente, o gestor, profissional que seleciona os recebíveis e toma as decisões de investimento, possui significativamente menos exigências de controles e responsabilidades do que o custodiante.
Além disso, considerando a edição da Resolução 4.694/18, pelo Conselho Monetário Nacional, que autorizou a CVM a flexibilizar o público alvo dos FIDC, possivelmente a CVM permitirá que FIDC que atendam a determinados requisitos sejam destinados a investidores de varejo. Nesse sentido, possivelmente a nova regulação exigirá controles mais rígidos dos fundos destinados aos investidores de varejo e mais flexíveis para os demais investidores.
Os aprimoramentos à regulação dos FIDC possivelmente representarão importante incentivo para o desenvolvimento mais efetivo deste produto, trazendo mais capilaridade à captação com a ampliação do público alvo, e mais segurança jurídica aos prestadores de serviço com o reequilíbrio de suas responsabilidades.
A modernização da regra dos FIDC, se efetivamente vier, virá em excelente momento, pois os veículos têm tido importante papel no financiamento de projetos de infraestrutura e no barateamento do crédito no Brasil, refletido na ampla presença na aquisição de recebíveis originados por fintechs e arranjos de pagamento.
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[1] Dados da ANBIMA, disponível em http://www.anbima.com.br/pt_br/informar/estatisticas/fundos-de-investimento/fi-consolidado-historico.htm
[2] Dados da ANBIMA, disponível em http://www.anbima.com.br/pt_br/informar/estatisticas/fundos-de-investimento/fi-consolidado-historico.htm
JULIA FRANCO – Advogada do Stocche Forbes Advogados
BERNARDO KRUEL DE SOUZA – Advogado do Stocche Forbes Advogados
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-stocche-forbes/fidc-tendencias-regulatorias-para-2019-26012019
Por mais que a indústria de fundos brasileira esteja na 7ª colocação no ranking mundial, considerando o volume de ativos sob gestão, cerca de R$ 4 trilhões, verifica-se que enquanto cerca de R$ 3 trilhões do patrimônio dos fundos de investimento brasileiro ainda está concentrado em títulos públicos e operações compromissadas com títulos públicos, apenas R$ 414 bilhões deste patrimônio encontra-se alocado em fundos estruturados[1].
Até o presente momento, considerando as altas taxas de juros, de fato não fazia muito sentido correr risco de crédito privado ou das oscilações da renda variável, com a alta remuneração fornecida pelos títulos públicos, praticamente livres de risco.
Ocorre que este cenário vem se alterando, e o regulador parece estar atento à necessidade de retirar entraves que estejam inibindo o pleno desenvolvimento da indústria de fundos de investimento e do mercado de capitais em geral, pois vem implementando amplo projeto com o objetivo de reduzir o custo de observância de seus participantes.
Especificamente na indústria de fundos de investimento em direitos creditórios – FIDC, um dos entraves mais significativos é o atual regime de responsabilização dos prestadores de serviços, notadamente a divisão de responsabilidades entre o administrador fiduciário, o gestor de recursos e o custodiante.
Os FIDC – fundos de investimento destinados a aquisição preponderante de crédito dos mais diversos setores da econômica –, são importantes veículos de securitização, permitindo a antecipação de recebíveis e se apresentando como relevante instrumento de captação de recursos no mercado de capitais.
Seus principais prestadores de serviço são o administrador fiduciário, o gestor de recursos e o custodiante. O primeiro é o responsável legal do fundo, tem a responsabilidade de manter as operações do mesmo, realizar as comunicações legais e relacionamento com os cotistas, além de supervisionar os demais prestadores de serviços. Já o gestor de recursos é responsável pela seleção e monitoramento dos direitos creditórios adquiridos, enquanto o custodiante é responsável, dentre outras funções, por realizar a liquidação física e financeira dos direitos creditórios.
A Instrução CVM 356/01, que regulamenta os FIDC, originalmente não detalhava de forma específica as atribuições e responsabilidades de cada um dos prestadores de serviço do FIDC, o que acabou permitindo que as partes definissem suas atribuições com certa flexibilidade, o que efetivamente foi feito, em especial no que se refere a verificação do lastro, sua guarda e cobrança.
A falta de clareza sobre as atribuições e responsabilidade sobre a recepção, análise e guarda da documentação que evidenciava o lastro dos direitos creditórios deu ensejo a práticas que geraram graves problemas de governança, tal como a delegação de responsabilidade pela guarda dos documentos para os cedentes do FIDC. Referida prática acabou favorecendo a ocorrência de graves problemas em determinados fundos, permitindo fraudes e dificultando a cobrança dos direitos creditórios, o que ao final, acarretou em vultuosos prejuízos aos cotistas.
A CVM chegou a instaurar alguns processos administrativos sancionadores contra custodiantes e administradores fiduciários. Os casos foram emblemáticos e geraram alguns precedentes importantes para a indústria. Em linhas gerais, reforçou-se a importância do custodiante e a impossibilidade de se responsabilizar o administrador sem demonstrar suas eventuais falhas na fiscalização do custodiante.
Após essas experiências, a autarquia editou a Instrução CVM 531/13, alterando a Instrução CVM 356/01, com o objetivo de mitigar estruturas que propiciam a ocorrência de conflito de interesses (em que a concentração indevida de funções por um mesmo participante ou por partes a ele relacionadas podia comprometer a boa governança dos FIDC), e definir mais claramente as atribuições e responsabilidades do administrador e dos principais prestadores de serviços aos FIDC.
Nesse sentido, foi imputada uma série de responsabilidade e controles adicionais tanto para o administrador fiduciário, quanto para a instituição custodiante, o que gerou significativos impactos para essa indústria, e acabou motivando grandes participantes a deixarem de prestar os serviços de administração fiduciária e custódia de FIDC, em razão dos altos custos de observância.
Importa mencionar que a indústria de FIDC chegou a um patrimônio líquido de mais de R$117 bilhões de reais em 2011, mas viu seu valor diminuir até 2015. Apesar de ter voltado a crescer, o patamar ainda não foi recuperado, e em novembro de 2018, o patrimônio líquido total era de R$110 bilhões[2].
Conforme vem sendo divulgado, a CVM pretende submeter a audiência pública nova regra para os FIDC ainda esse ano, tendo como objetivos centrais atualizar a regra e aprimorar o atual regime de responsabilidades e atribuições dos prestadores de serviço, notadamente no que refere ao gestor.
Nas últimas atualizações da norma, a autarquia centrou seus esforços nos administradores fiduciários e custodiantes – possivelmente por estes terem sido alvo dos escândalos que motivaram as respectivas mudanças regulamentares –, e acabou não dando tanta atenção à figura do gestor, deixando de definir com clareza suas atribuições e responsabilidades. Atualmente, o gestor, profissional que seleciona os recebíveis e toma as decisões de investimento, possui significativamente menos exigências de controles e responsabilidades do que o custodiante.
Além disso, considerando a edição da Resolução 4.694/18, pelo Conselho Monetário Nacional, que autorizou a CVM a flexibilizar o público alvo dos FIDC, possivelmente a CVM permitirá que FIDC que atendam a determinados requisitos sejam destinados a investidores de varejo. Nesse sentido, possivelmente a nova regulação exigirá controles mais rígidos dos fundos destinados aos investidores de varejo e mais flexíveis para os demais investidores.
Os aprimoramentos à regulação dos FIDC possivelmente representarão importante incentivo para o desenvolvimento mais efetivo deste produto, trazendo mais capilaridade à captação com a ampliação do público alvo, e mais segurança jurídica aos prestadores de serviço com o reequilíbrio de suas responsabilidades.
A modernização da regra dos FIDC, se efetivamente vier, virá em excelente momento, pois os veículos têm tido importante papel no financiamento de projetos de infraestrutura e no barateamento do crédito no Brasil, refletido na ampla presença na aquisição de recebíveis originados por fintechs e arranjos de pagamento.
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[1] Dados da ANBIMA, disponível em http://www.anbima.com.br/pt_br/informar/estatisticas/fundos-de-investimento/fi-consolidado-historico.htm
[2] Dados da ANBIMA, disponível em http://www.anbima.com.br/pt_br/informar/estatisticas/fundos-de-investimento/fi-consolidado-historico.htm
JULIA FRANCO – Advogada do Stocche Forbes Advogados
BERNARDO KRUEL DE SOUZA – Advogado do Stocche Forbes Advogados
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-stocche-forbes/fidc-tendencias-regulatorias-para-2019-26012019