Fomento

FIDC: tendências regulatórias para 2019

Caso as expectativas envolvendo uma retomada do crescimento econômico brasileiro se concretizem, possivelmente teremos um ano bastante favorável ao desenvolvimento da indústria de fundos de investimento, em especial para o mercado de crédito privado e infraestrutura.

Por mais que a indústria de fundos brasileira esteja na 7ª colocação no ranking mundial, considerando o volume de ativos sob gestão, cerca de R$ 4 trilhões, verifica-se que enquanto cerca de R$ 3 trilhões do patrimônio dos fundos de investimento brasileiro ainda está concentrado em títulos públicos e operações compromissadas com títulos públicos, apenas R$ 414 bilhões deste patrimônio encontra-se alocado em fundos estruturados[1].

Até o presente momento, considerando as altas taxas de juros, de fato não fazia muito sentido correr risco de crédito privado ou das oscilações da renda variável, com a alta remuneração fornecida pelos títulos públicos, praticamente livres de risco.

Ocorre que este cenário vem se alterando, e o regulador parece estar atento à necessidade de retirar entraves que estejam inibindo o pleno desenvolvimento da indústria de fundos de investimento e do mercado de capitais em geral, pois vem implementando amplo projeto com o objetivo de reduzir o custo de observância de seus participantes.

Especificamente na indústria de fundos de investimento em direitos creditórios – FIDC, um dos entraves mais significativos é o atual regime de responsabilização dos prestadores de serviços, notadamente a divisão de responsabilidades entre o administrador fiduciário, o gestor de recursos e o custodiante.

Os FIDC – fundos de investimento destinados a aquisição preponderante de crédito dos mais diversos setores da econômica –, são importantes veículos de securitização, permitindo a antecipação de recebíveis e se apresentando como relevante instrumento de captação de recursos no mercado de capitais.

Seus principais prestadores de serviço são o administrador fiduciário, o gestor de recursos e o custodiante. O primeiro é o responsável legal do fundo, tem a responsabilidade de manter as operações do mesmo, realizar as comunicações legais e relacionamento com os cotistas, além de supervisionar os demais prestadores de serviços. Já o gestor de recursos é responsável pela seleção e monitoramento dos direitos creditórios adquiridos, enquanto o custodiante é responsável, dentre outras funções, por realizar a liquidação física e financeira dos direitos creditórios.

A Instrução CVM 356/01, que regulamenta os FIDC,  originalmente não detalhava de forma específica as atribuições e responsabilidades de cada um dos prestadores de serviço do FIDC, o que acabou permitindo que as partes definissem suas atribuições com certa flexibilidade, o que efetivamente foi feito, em especial no que se refere a verificação do lastro, sua guarda e cobrança.

A falta de clareza sobre as atribuições e responsabilidade sobre a recepção, análise e guarda da documentação que evidenciava o lastro dos direitos creditórios deu ensejo a práticas que geraram graves problemas de governança, tal como a delegação de responsabilidade pela guarda dos documentos para os cedentes do FIDC. Referida prática acabou favorecendo a ocorrência de graves problemas em determinados fundos, permitindo fraudes e dificultando a cobrança dos direitos creditórios, o que ao final, acarretou em vultuosos prejuízos aos cotistas.

A CVM chegou a instaurar alguns processos administrativos sancionadores contra custodiantes e administradores fiduciários. Os casos foram emblemáticos e geraram alguns precedentes importantes para a indústria. Em linhas gerais, reforçou-se a importância do custodiante e a impossibilidade de se responsabilizar o administrador sem demonstrar suas eventuais falhas na fiscalização do custodiante.

Após essas experiências, a autarquia editou a Instrução CVM 531/13, alterando a Instrução CVM 356/01, com o objetivo de mitigar estruturas que propiciam a ocorrência de conflito de interesses (em que a concentração indevida de funções por um mesmo participante ou por partes a ele relacionadas podia comprometer a boa governança dos FIDC), e definir mais claramente as atribuições e responsabilidades do administrador e dos principais prestadores de serviços aos FIDC.

Nesse sentido, foi imputada uma série de responsabilidade e controles adicionais tanto para o administrador fiduciário, quanto para a instituição custodiante, o que gerou significativos impactos para essa indústria, e acabou motivando grandes participantes a deixarem de prestar os serviços de administração fiduciária e custódia de FIDC, em razão dos altos custos de observância.

Importa mencionar que a indústria de FIDC chegou a um patrimônio líquido de mais de R$117 bilhões de reais em 2011, mas viu seu valor diminuir até 2015. Apesar de ter voltado a crescer, o patamar ainda não foi recuperado, e em novembro de 2018, o patrimônio líquido total era de R$110 bilhões[2].

Conforme vem sendo divulgado, a CVM pretende submeter a audiência pública nova regra para os FIDC ainda esse ano, tendo como objetivos centrais atualizar a regra e aprimorar o atual regime de responsabilidades e atribuições dos prestadores de serviço, notadamente no que refere ao gestor.

Nas últimas atualizações da norma, a autarquia centrou seus esforços nos administradores fiduciários e custodiantes – possivelmente por estes terem sido alvo dos escândalos que motivaram as respectivas mudanças regulamentares –, e acabou não dando tanta atenção à figura do gestor, deixando de definir com clareza suas atribuições e responsabilidades. Atualmente, o gestor, profissional que seleciona os recebíveis e toma as decisões de investimento, possui significativamente menos exigências de controles e responsabilidades do que o custodiante.

Além disso, considerando a edição da Resolução 4.694/18, pelo Conselho Monetário Nacional, que autorizou a CVM a flexibilizar o público alvo dos FIDC, possivelmente a CVM permitirá que FIDC que atendam a determinados requisitos sejam destinados a investidores de varejo. Nesse sentido, possivelmente a nova regulação exigirá controles mais rígidos dos fundos destinados aos investidores de varejo e mais flexíveis para os demais investidores.

Os aprimoramentos à regulação dos FIDC possivelmente representarão importante incentivo para o desenvolvimento mais efetivo deste produto, trazendo mais capilaridade à captação com a ampliação do público alvo, e mais segurança jurídica aos prestadores de serviço com o reequilíbrio de suas responsabilidades.

A modernização da regra dos FIDC, se efetivamente vier, virá em excelente momento, pois os veículos têm tido importante papel no financiamento de projetos de infraestrutura e no barateamento do crédito no Brasil, refletido na ampla presença na aquisição de recebíveis originados por fintechs e arranjos de pagamento.
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[1] Dados da ANBIMA, disponível em http://www.anbima.com.br/pt_br/informar/estatisticas/fundos-de-investimento/fi-consolidado-historico.htm

[2] Dados da ANBIMA, disponível em http://www.anbima.com.br/pt_br/informar/estatisticas/fundos-de-investimento/fi-consolidado-historico.htm

JULIA FRANCO – Advogada do Stocche Forbes Advogados
BERNARDO KRUEL DE SOUZA – Advogado do Stocche Forbes Advogados

https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-stocche-forbes/fidc-tendencias-regulatorias-para-2019-26012019