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Empresa pode ser multada em juízo por não guardar documento

Por Joice Bacelo

Deixar de guardar documentos considerados como necessários pode custar caro para as empresas. Juízes e desembargadores vem mudando a jurisprudência e vêm decidindo pela aplicação de multa diária nos casos em que há descumprimento de prazo. Não existe ainda, no entanto, um padrão definido. Os valores, em julgados recentes, têm variado entre R$ 100 e R$ 500 ao dia.

Recentemente, a 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ­SP) manteve multa diária de R$ 200 que havia sido fixada pelo juiz da primeira instância à Telefônica Brasil (hoje Vivo). O processo envolvia um contrato referente à participação financeira em plano de investimento e expansão do serviço de telefonia. A parte contrária sustentava que o documento lhe assegurava o direito de uso de linha telefônica e também ações da antiga Telesp.

O magistrado determinou que os contratos fossem exibidos em, no máximo, 20 dias. Passado esse prazo começaria, então, a incidir multa diária. A companhia recorreu da decisão. Na segunda instância, a relatora do caso, desembargadora Silvia Rocha, entendeu que o autor da ação apresentou indícios suficientes de que teve relação jurídica com a empresa e que notificou a companhia para a apresentação dos documentos ainda em sede administrativa.

"Por outro lado, a ré [empresa] não alega nada que concretamente a impeça de cumprir a determinação. Ademais, a imposição de multa visa dar celeridade à satisfação do pedido do autor, consumidor com mais de 80 anos", afirma na decisão a desembargadora.

Decisões nesse sentido eram improváveis até bem pouco tempo. Isso por conta de uma súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de nº 372, que nega o método. O texto é taxativo: "Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória". E juízes e desembargadores seguiam esse entendimento.

A mudança de jurisprudência se deu a partir de março, com a vigência do novo Código de Processo Civil (CPC). Uma das novidades da nova norma são os poderes dados aos juízes para o cumprimento de suas decisões. O artigo 139 possibilita ao juiz "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou subrogatórias para assegurar o cumprimento de ordem judicial" ­ o que, segundo especialistas, possibilitaria a aplicação de multa.

Há ainda um dispositivo específico sobre tema. Está no parágrafo único do artigo 400: "Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub­rogatórias para que o documento seja exibido". "Então a súmula do STJ acabou perdendo a eficácia", diz o advogado Marcos Serra Netto Fioravanti, do escritório Siqueira Castro. "Porque o fundamento normativo segundo a qual ela havia sido editada é o CPC anterior, que não existe mais", completa.

Há pelo menos outras quatro decisões semelhantes a da Vivo no Tribunal de Justiça de São Paulo ­ todas elas envolvendo instituições financeiras. Ao Banco do Brasil, por exemplo, a 20ª Câmara de Direito Privado fixou multa diária de R$ 500 caso não apresentasse, em 20 dias, extratos bancários relativos ao período de março de 2007 a agosto de 2012. O caso envolvia um contrato de financiamento para a aquisição da casa própria, em que o cliente pedia a revisão dos termos.

Em uma outra situação, envolvendo o Banco Santander, a 18ª Câmara de Direito Privado decidiu por fixar valores mais baixos: R$ 100 ao dia se a instituição financeira não exibisse, no prazo de 20 dias, cópia de todos os contratos firmados com um cliente. O banco, neste caso, havia apresentado somente a proposta de abertura da conta corrente.

Outros dois julgados envolvem a Financeira Itaú e o Banco Itaucard ­ o primeiro tramitou na 22ª e o segundo na 23ª Câmara de Direito Privado do TJ­SP. Em ambos foram fixados R$ 500 ao dia caso os documentos não fossem apresentados em 30 dias. No caso do Itaucard, foi exigida planilha de cálculo usada em um contrato financeiro para a aquisição de veículo. Advogados acreditam que a inclusão de uma norma específica à apresentação de documentos no novo CPC foi pensada como forma de evitar que as empresas tenham vantagem em relação à outra parte. Isso porque, na prática, afirmam, era comum situações em que se deixava de fornecer o documento porque o conteúdo era desfavorável ­ impedindo, desta forma, que o cliente levasse o caso adiante.

Especialista na área, Priscila Sansone, do Veirano Advogados, chama a atenção para uma outra situação: os custos e o trabalho demandado às empresas para a guarda desses documentos. "Antes, colocavam na balança o espaço físico ou mesmo o espaço de armazenamento de dados. Hoje, sem dúvida, tem que ser colocado na balança eventuais multas por não terem condições de apresentar os documentos", diz.
A advogada destaca ainda que as empresas devem ficar atentas ao prazo de prescrição de cada pleito ­ que estão fixados no Código Civil e variam conforme os casos. Para uma ação de reparação civil, por exemplo, são três anos. Já cobrança de dívida definida em documento escrito são cinco anos e o prazo máximo de prescrição previsto na legislação brasileira é de dez anos.

Para o especialista Vitor de Paula Ramos, do Silveiro Advogados, os empresários devem ficar atentos também a outras duas questões: organização e conteúdo. Primeiro, para que a documentação seja facilmente localizada e depois para evitar que informações equivocadas sejam disponibilizadas à Justiça. Principalmente no caso de e­mails. "Há de se ter cuidado, por exemplo, com comentários laterais, comentários que não refletem a posição da empresa", diz.

De acordo com o advogado, o texto do artigo 400 do novo CPC é expresso e específico à exibição de documentos ­ não cabendo interpretação contrária. "E o texto é genérico. Então, é possível que, além da multa, os juízes determinem que um oficial de justiça busque o documento ou até medidas mais gravosas, como suspender determinada atividade da empresa", afirma Ramos.

Procurado pelo Valor, o Banco do Brasil informou, por meio de nota, que entende não haver alteração da norma e, por isso, não caberia a aplicação de multa. Afirmou ainda que irá recorrer das decisões em desacordo com a jurisprudência do STJ. Já a Vivo disse que não comenta decisões e que "atua para cumprir rigorosamente os prazos estabelecidos pela Justiça". O Santander se posicionou no sentido de que a "aplicabilidade da súmula 372 versus o artigo 400 do novo CPC ainda não foi enfrentada pelo STJ" e que "a fundamentação do acórdão mencionado não reflete o entendimento majoritário do Judiciário". E o Itaú disse acreditar que a súmula será mantida. O banco recorrerá das decisões.

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