Jurídico

S??poss?el avaliar se uma lei de fal?cias e recupera?es empresariais ?boa ou n? ap? ela ser testada por uma crise econ?ica. Como o Brasil passou relativamente inc?ume pela crise de 2008, apenas agora, ap? mais de 10 anos em vigor, que a Lei de Fal?cias (Lei 11.101/2005) est?tendo seu batismo de fogo. O lado positivo ?que finalmente os estudiosos poder? analisar quais pontos dela funcionam e quais n?, e, assim, sugerir altera?es para aperfei?ar a norma. Quem afirma isso ?o desembargador do Tribunal de Justi? de S? Paulo Carlos Henrique Abr?.

“Se voc?tiver uma boa lei de recupera?o, tem condi?es de manter empregos, de evitar redu?o de arrecada?o, de apresentar planos econ?icos que s? fact?eis e de n? prorrogar para oito ou dez anos recupera?es que, no fundo, s? est?ios de fal?cia dilatados no tempo e no espa?”, aponta.

A seu ver, a Lei de Fal?cias ?boa, e conferiu maior seguran? jur?ica a empres?ios e credores, mas falhou em seus dois principais objetivos: diminuir a taxa Selic e aumentar a atividade empresarial.

Outro ponto fraco da norma ?que ela n? favorece uma efetiva recupera?o das companhias, analisa Abr?, citando que menos de 5% das entidades que entram nesse processo se restabelecem. Para mudar esse cen?io, o desembargador sugere a cria?o de regras espec?icas para alguns setores (como o de constru?es ou o automotivo) e o aumento de poderes do juiz quanto ?aprova?o ou reprova?o do plano de fal?cia ou recupera?o, de forma que ele possa barrar propostas invi?eis ou fraudulentas.

Com a opera?o “lava jato”, diversas empreiteiras envolvidas em esquemas de corrup?o na Petrobras ficaram insolventes. Muitos defendem que essas companhias recebam duras puni?es por seus crimes, como a “pena de morte empresarial” prevista na Lei Anticorrup?o (Lei 12.846/2013). Abr? discorda dessa vis?. Para ele, as companhias devem ser preservadas, uma vez que geram milhares de empregos e movimentam uma enorme cadeia de fornecedores. Dessa forma, ele defende que o governo ajude tais construtoras por meio de desonera?es fiscais.

Em entrevista ?ConJur, o desembargador ainda discutiu o lobby dos bancos na elabora?o da Lei de Fal?cias, sustentou que sociedades de economia mista se sujeitam ?norma e opinou ser preciso criar cursos de forma?o de administradores de fal?cias e recupera?es.

Leia a entrevista:  

ConJur – A Lei de Fal?cias fez 10 anos em 2015. Como o senhor a avalia?
Carlos Henrique Abr? – Eu a avalio em tr? momentos. Primeiro, a lei foi impactante porque conseguiu reformular o Decreto-Lei 7.661/1945 [que regulava as fal?cias e concordatas], que j?vigorava h?60 anos e trouxe um esp?ito inovador ??ea. Segundo, a adapta?o a ela durante esse per?do de 10 anos. E o terceiro ?o atual, que exige uma reformula?o urgente. Uma parte foi feita pela Lei Complementar 147/2014, que atinge micro e pequenas empresas, mas a lei ainda carece de outros fundamentos, uma vez que o teste de estresse est?sendo feito agora, quando grandes empresas est? se submetendo ao processo de recupera?o judicial. Em termos de sucesso, a lei foi aplaudida por toda a comunidade jur?ica, n? tem ningu? que discorde dela. Agora, ela precisa ser adaptada e corresponder ?realidade das empresas, dos empres?ios, e, principalmente, dos credores, que s?visam a recuperar cr?itos, e n? a preservar a empresa.

ConJur – Uma cr?ica comum ?Lei de Fal?cias ?que ela teria sido muito influenciada pelo lobby dos bancos, especialmente ao tirar os bens garantidos por aliena?o fiduci?ia do procedimento de pagamento de cr?itos da recupera?o judicial e da fal?cia. O que o senhor pensa dessa cr?ica?
Carlos Henrique Abr? – Eu participei ativamente do processo de elabora?o da lei, e realmente, n? s?os bancos, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, pressionaram. Isso porque o Brasil, naquela ?oca, estava em uma situa?o ruim, com o endividamento alto, grande desvaloriza?o do c?bio. Uma nova lei teria uma influ?cia muito forte, porque os bancos t? uma for? no Brasil que n? existe nos EUA ou na Europa. L? os bancos se submetem a um processo de recupera?o, enquanto aqui a maioria dos bancos est?fora disso. N? s?os bancos, mas tamb? os devedores fiscais, que ?obrigado a partir para um Refis e parcelar a d?ida e pagar sem poder faz?lo. Ent?, banqueiros no Brasil e credores fiscais — Uni?, estados e munic?ios — n? cooperam para o processo de recupera?o, o que os torna extremamente dificultosos.

ConJur – Quais s? os impactos da Lei de Fal?cias na atividade empresarial?
Carlos Henrique Abr? – Fort?simos. Uma boa lei de recupera?o ?vital para a sobreviv?cia do mercado e para evitar crises sist?icas de alguns setores. Hoje o Brasil vive uma crise multilateral, que abrange n? s?o setor de constru?o civil, mas tamb? o setor automobil?tico, o de autope?s, e v?ios outros, em cadeia. Ent?, se voc?tiver uma boa lei de recupera?o, tem condi?es de manter empregos, de evitar redu?o de arrecada?o, de apresentar planos econ?icos que s? fact?eis e de n? prorrogar para oito ou dez anos recupera?es que, no fundo, s? est?ios de fal?cia dilatados no tempo e no espa?. Por exemplo, o Chile promulgou uma lei em 2014 que disciplina aquilo que os empres?ios devem manter nas empresas como suficiente e essencial para continuarem o neg?io. Ent?, nenhum credor, muito menos banco, pode retirar maquin?io ou algum equipamento se ele for essencial ?continuidade do neg?io. E mais: a lei chilena envolve pessoas f?icas, ent? sujeitos superendividados podem apresentar planos e pagar os seus credores. Em seis meses, mais de 1.700 pessoas f?icas j?aderiram ao plano. E a grande vantagem da lei chilena ?que ela reduz o prazo de recupera?o de grandes empresas e das pessoas f?icas, ao contr?io da lei brasileira, que ?lacunosa. Nos casos de micro e pequenas empresas, temos o prazo ex?uo de tr? anos para a recupera?o. E o legislador foi infeliz ao estabelecer a Selic como taxa-base. Com a Selic acima dos 14%, n? se recupera nenhuma micro ou pequena empresa. 

ConJur – Que outras altera?es poderiam ser feitas para melhorar a lei brasileira?
Carlos Henrique Abr? – Primeiro, n? dever?mos definir um juiz trabalhista que ficasse prevento para todas as mat?ias que envolvessem a mesma empresa. Segundo, fazer a mesma coisa na ?ea tribut?ia: n? ter?mos um juiz federal e um juiz estadual preventos para decidir todos os processos daquela empresa em recupera?o ou em fal?cia. Terceiro: dever?mos dar mais poderes para o juiz em termos de aprova?o ou reprova?o do plano, como existe nos EUA, onde o juiz pode impor o plano de recupera?o evitando que se protelem assembleias e se dissimulem interesses que s? escusos. Em quarto lugar, muitas vezes as empresas est? insolventes e pedem recupera?o. A legisla?o alem?da insolv?cia permite apenas um aditamento da inicial, ent?, se a inicial n? estiver em termos, o juiz j?decreta de plano a quebra da empresa. Aqui no Brasil, n?. Aqui o plano ?apresentado, o des?io ?elevado, s? feitos v?ios aditamentos e no fundo esse plano que era para ser feito em cinco anos acaba indo para dez ou doze anos. E o pior: ?dice de ?ito de empresas que sa?am de recupera?o n? chega a 5%. 

ConJur – Nesse sentido, muitos afirmam que a Lei de Fal?cias ?muito r?ida, e dificulta a volta dos empres?ios ao mercado ao estabelecer prazo de cinco anos de reabilita?o. Esse prazo ?excessivo?
Carlos Henrique Abr? – A lei de 2005 tem um componente fundamental, que ?o artigo 64. Este dispositivo permite – e n? tem sido utilizado – o afastamento do controlador quando os atos praticados s? danosos ?dire?o da empresa - fraudes, falcatruas, erros de balan? dolosamente cometidos ou com culpa consciente. Mas s? rar?simos os casos no Brasil em que h?o afastamento do diretor ou do controlador, ao contr?io do que existe nos EUA e na Europa. Agora, o prazo de cinco anos ?relativamente razo?el se considerarmos os ganhos que esse controlador pode obter. Por exemplo, se uma empresa tem pap?s na Bovespa e se recupera, esses t?ulos que tiveram uma queda justificada em raz? da recupera?o podem receber uma grande valoriza?o.

ConJur – Esse prazo de cinco anos pode coibir tais fraudes ? empresas?
Carlos Henrique Abr? – O principal problema no Brasil ?que as atividades empresariais n? s? correspondentes ao risco do neg?io. Se uma empresa de constru?o ou uma transportadora a?ea cujo capital social ?baixo tiver um preju?o grande, n? haver?ressarcimento, porque n? tem uma cl?sula que garanta essa responsabilidade. Na Europa, em outros pa?es, qualquer atividade tem um capital social m?imo exigido. Se for uma construtora, voc?tem que ter um capital de 1 milh? de euros, se for uma incorporadora, tem que ser 1,5 milh? de euros, se for uma distribuidora de t?ulos de valores tenho que ter 2 milh?es de euros. Aqui no Brasil, voc?pode abrir uma sociedade limitada com R$ 100 mil e vender apartamentos de R$ 8 ou 10 milh?es. Se amanh?o apartamento tiver com algum defeito estrutural, a empresa tem R$ 100 mil para cobrir a d?ida.

ConJur – Na crise econ?ica de 2008, houve um debate, especialmente nos EUA, se o Estado deveria ajudar as empresas — principalmente as grandes — que corriam risco de fal?cia. De um lado, estavam os que argumentavam que era preciso resgatar tais companhias para evitar risco sist?ico na economia. Do outro, estavam os que eram a favor de deixar elas falirem, uma vez que tinham sido irrespons?eis na condu?o dos neg?ios. Na sua opini?, o Estado deve ou n? ajudar empresas a se recuperar?
Carlos Henrique Abr? – Existe uma vis? mais econ?ica do custo-benef?io, at?keynesiana, que as leis dos mercados devem ser seguidas porque se a empresa n? foi capaz de se manter, a fal?cia n? ?um mal maior que uma recupera?o malsucedida. No Brasil, h?um problema estrutural. As empreiteiras t? um poder enorme e concorr?cia inexistente. Assim, o governo deveria fazer um Proer [programa que auxiliou bancos no governo Fernando Henrique Cardoso] para as empreiteiras. Isso porque milhares de empregos dependem dessas empreiteiras e de micro e pequenas empresas que est? vinculadas a elas. Mas isso seria feito sem inje?o direta de dinheiro p?blico, talvez com desonera?es fiscais por um curto prazo. Seria algo semelhante ao que o governo fez por diversos anos com os setores automobil?tico e de eletrodom?ticos ao isent?los de IPI. Mas esse debate no Brasil ?diferente daquele dos EUA. Aqui, as empresas s? bem mais dependentes do Estado do que l? 

ConJur – O BNDES poderia ter uma fun?o mais atuante na recupera?o de empresas?
Carlos Henrique Abr? – Podemos ter fundos e podemos tamb? ter investidores interessados em empresas que apliquem seus capitais s?para essas empresas. Agora, a participa?o do Bndes em recupera?o ?pontual, deve ser focada para casos mais complexos, que podem gerar uma crise sist?ica.

ConJur – H?quem defenda equivaler honor?ios advocat?ios aos cr?itos trabalhistas nas fal?cias e recupera?es. O que o senhor pensa disso?
Carlos Henrique Abr? – ?uma mat?ia importante, mas que n? pode estar no primeiro plano, porque a primeira coisa que tem que ver ?a sobreviv?cia da empresa. Se a empresa for preserv?el e saud?el, o advogado vai ter a seguran? de que ir?receber. N? adianta a gente classificar os honor?ios extraconcursais ou na primeira classe se a empresa vai falir. As chances de ele receber ser? m?imas, e n? me parece que o interesse profissional – que ?o interesse particular – possa estar ?frente ou sobrepujar a preserva?o da empresa que tem. Por que o advogado estaria na frente do empregado? Por que o advogado estaria na frente do Fisco? Isso ?uma antinomia, n? tem l?ica.

ConJur – A Lei de Fal?cias n? cuida nem de empresas p?blicas nem de sociedades de economia mista. O que ocorre se a Petrobras, por exemplo, entrar em um quadro de insolv?cia geral?
Carlos Henrique Abr? – ? primeira vista, as sociedades de economia mista que realizam atividades econ?icas n? est? fora do alcance da Lei de Fal?cias. Tanto ?que n? tivemos o caso l?da Celpa, que pediu recupera?o judicial e depois foi vendida. O que ocorre ?o seguinte: como as empresas estatais t? controle dos estados, munic?ios e da Uni?, eles raramente v? tentar pedir uma recupera?o, porque antes disso, o Tesouro cobriria as d?idas. Fora que derrubaria o pre? das a?es na bolsa. Voc?s?pede recupera?o se tiver uma mudan? de controle, um arrendamento do neg?io ou o casamento da opera?o societ?ia. Caso contr?io, n?. Mas n? h?por que tirar sociedade de economia mista que exerce atividade empresarial sob a forma concorrencial da recupera?o judicial.

ConJur – Como o senhor avalia a recupera?o extrajudicial? Ela ?mais ou menos eficaz que a judicial?
Carlos Henrique Abr? – Ela foi posta pelo legislador para quando existe apenas uma classe de credores e quando voc?n? precisa de blindagem. Por exemplo, as empresas que possuem d?itos tribut?ios n? podem pedir a recupera?o extrajudicial se entrarem no Refis. A? o que existe ?uma recupera?o judicial que depois de consolidada pode passar a extrajudicial. A recupera?o extrajudicial ela n? produziu os frutos que o legislador tentou. Isso a?foi mais uma estrutura?o de algumas empresas que fizeram lobby e quiseram obter na lei um paralelismo de conseguir uma recupera?o extrajudicial, que ?um acordo parasociet?io, mas como voc?precisa de blindagem, de autoriza?o para venda de ativos, tudo isso poderia caracterizar uma fraude, e essa fraude ainda geraria responsabilidade criminal. Ent?, ?melhor voc?estar dentro de uma recupera?o judicial com prazos, com regras espec?icas, do que ir para uma recupera?o extrajudicial na qual pode surgir um pedido de fal?cia a qualquer momento.

ConJur – Muitos afirmam que h?uma excessiva concentra?o dos administradores de fal?cias e recupera?es judiciais, dizendo que poucos cuidam da maioria dos casos. Isso ?ruim para os processos, pelo monop?io, ou ?bom, porque concentra os casos em quem realmente entende do assunto?
Carlos Henrique Abr? – A remunera?o do administrador ainda ?elevada, 2%, 4%, 5% daquilo que for vendido. O Brasil n? tem tradi?o nessa ?ea porque n? vivemos 60 anos sob a figura do s?dico, que ?uma figura est?ica, n? ?din?ica como a do administrador judicial. Agora, o Brasil ?um pa? continental. Uma empresa grande pode ter se deslocado para o interior e pode ser que l?n? exista algu? qualificado. Uma empresa que tenha filial em oito ou dez estados, como o administrador vai percorrer cada estado e verificar uma por uma? Imposs?el, a n? ser que ele terceirize o servi?. Agora, ?fundamental que haja uma escola de administradores. No primeiro momento, se pensou at?em essa ser uma fun?o p?blica, exercida por um servidor concursado. ?uma atividade espinhosa, e n? s?no Brasil. Na Fran?, h?dez anos, houve o esc?dalo do Cr?it Lyonnais, no qual foram destitu?os v?ios administradores que receberam vantagens e compraram mans?es na Cote D'Azur.

No Brasil, primeiro precisamos formar bons administradores judiciais; segundo, estabelecer um sistema de rod?io na nomea?o, para test?los, para ver quais s? os bons, quais podem ser melhorados, quais est? apresentando falhas. Terceiro, trat?los com um regime de remunera?o que n? os onere, porque se voc?relegar a remunera?o do administrador para fases finais dos per?dos de recupera?o ou propriamente de fal?cia, o que vai acontecer? Eles reclamam at?que n? t? verbas suficientes para interpor recursos, fazer um preparo. Muitas vezes, o administrador ?responsabilizado pelo Fisco por d?idas tribut?ias que n? tem nada a ver com a posi?o deles, s? anteriores ?nomea?o. Essa atividade deveria ter um foco multidisciplinar. Se voc?pudesse nomear um economista, um administrador e um contador, isso daria um impulso ao processo, porque voc?teria tr? pessoas falando, tr? pessoas elaborando relat?io e trazendo experi?cias de cada setor, que se somam ao discernimento do ju?o.

Eu fiz isso na ?oca da interven?o na Parmalat e foi muito ben?ico. Havia dois administradores, dois contadores, dois economistas. Cada um deles palpitava, e onde havia alguma diferen?, eu tentava dirimi-la com outra informa?o, porque voc?retira o monop?io. E outra, ? vezes n? h?estrutura judicial para processar uma recupera?o judicial. O Judici?io tem que ter uma estrutura de funcion?ios que fiquem l?praticamente 24h em cima para funcionar. Por exemplo, em S? Paulo h?duas grandes recupera?es, com oito mil, nove mil atos para praticar, e tem l?doze funcion?ios. N? d? A estrutura tem que ser compat?el com aquilo que se pretende fazer.

ConJur – Nesses dez anos da Lei de Fal?cias, quais recupera?es judiciais realmente deram certo? Que as empresas voltaram a operar de forma satisfat?ia?
Carlos Henrique Abr? – N? tivemos o caso da Eucatex, que foi uma recupera?o r?ida e que em pouco tempo ela conseguiu, segundo consta nas informa?es, voltar ?sua atividade normal. Ela tinha um problema ligado a contratos internacionais, oscila?o do c?bio. Ela j?apresentou uma certa mobilidade e saiu da recupera?o. N? temos algumas empresas de agroneg?io menores que se recuperaram em S? Paulo e no Mato Grosso atrav? de opera?es estruturadas, parcerias ou arrendamentos de algumas plantas.

A Lei de Fal?cias ?muito mais uma lei econ?ica do que uma lei jur?ica. Ela tem um custo econ?ico, e todo pa? que enfrenta uma crise forte, seja no primeiro ou terceiro mundo, vai colocar a norma a teste e constatar que ela n? ?vi?el. A Fran? alterou sete vezes a sua lei, porque cada per?do de crise voc?tem que dar uma contornada na situa?o, tem que ampliar alguns benef?ios, cortar outros, porque no final das contas, a lei de recupera?o n? pode ser uma Lei de G?son. Se alguns querem levar vantagem para que muitos tomem preju?o, ela ?falha. N? temos que repartir os preju?os para que a empresa seja preservada e, l?na frente, os benef?ios se espalhem para muitas pessoas. Se eu tenho um cr?ito de R$ 2 milh?es, evidente que na recupera?o eu n? vou receber R$ 10 milh?es.

O que acontece ?que se houver um des?io de R$ 5 milh?es, o que se incentiva hoje em recupera?o ?que continue a ser parceiro daquela empresa, para que seja um credor extraconcursal. E a?o administrador vai poder pagar aqueles R$ 5 milh?es na frente de outros credores na classifica?o porque ele est?apostando naquela empresa. Um exemplo que eu cito: uma empresa a?ea que est?em recupera?o, ela tem tr? fornecedores de alimentos de bordo. Dois falam “entrou em recupera?o, vai falir, n? vou mais continuar”, e o outro fala “eu tem um trabalho de fornecimento com essa empresa h?oito anos, n? me parece que ela vai quebrar ent? eu vou continuar'. Essa empresa que continuou vai ser considerada extraconcursal, e vai poder receber na frente dos outros. Os novos fornecimentos tamb? ser? preferenciais se houver fal?cia. Se n? houver essa parceria, essa sinergia com o mercado, infelizmente n? se consegue nenhum tipo de recupera?o, porque voc?vai descapitalizar, vai depauperar a empresa, vai entregar para o mercado uma empresa min?scula que n? tem mais nem respeito, nem credibilidade, e muito menos cr?ito para receber. N? aproveitamos bem as recupera?es nesses 10 anos.

N? poder?mos ter recupera?es do setor sider?rgico, do setor t?til, que est?em problemas, do setor cal?dista, do setor da constru?o civil, que tamb? est?apresentando problemas, pois temos um n?mero de im?eis fechados maior que de im?eis habitados no Brasil. Ent?, h?uma s?ie de aspectos que devem ser contingenciados, primeiro para n? provocar um desemprego em massa, segundo para n? ter uma queda brutal de arrecada?o, terceiro para que se previnam, porque os bancos que est? hoje utilizando a lei como recupera?o de cr?ito amanh?podem ter um desaquecimento de economia, e os maiores prejudicados ser? eles, porque quando a economia est?travada ningu? vai a banco, ningu? pede empr?timo. Tivemos grandes opera?es de factoring que, a meu ver, n? se justificam para escalada de empresas em recupera?o, porque voc?n? tem cr?ito oficial, ent? vai para uma factoring. Isso da?tamb? ?prejudicial, porque tem taxa de juros, escalonamento, inclusive obten?o direta ou indireta do controle da empresa. 

ConJur – Quais foram os impactos da Lei Anticorrup?o sobre fal?cias e recupera?es de empresas?
Carlos Henrique Abr? – O princ?io b?ico da Lei Anticorrup?o ?tentar introduzir no mercado uma diretriz de moralidade e ?ica para os neg?ios empresariais. Se voc?tem empresas que est? enquadradas na Lei Anticorrup?o, ou por acordo de leni?cia ou por dela?o premiada, esse par?etro da boa-f?escapa para fins de recupera?o. Quer dizer, o mercado enxerga com certa resist?cia uma empresa que est?enquadrada na Lei Anticorrup?o e entra em recupera?o. Se ficou comprovado que ela praticou atos il?itos, qual ser?a mudan? de mentalidade para que ela se recupere e volte a fornecer ao mercado condi?es de credibilidade do que faz? Primeiro: os administradores devem continuar no neg?io? Segundo: voc?conseguiria o isolamento do grupo para apontar quais s? as empresas que praticam corrup?o e quais empresas est? blindadas?

Toda essa interfer?cia entre corrup?o e recupera?o n? existe, porque se a Lei Anticorrup?o ?uma lei que comprova a m?f? porque o agente se vale de mecanismo esp?rio para obter lucro, qual ?o impacto dessa rela?o com a recupera?o quando a lei foi concebida dentro de um cen?io de boa f?do empres?io, aquele empres?io que compete, que concorre e por algum motivo fora da previs?, ele n? conseguiu continuar no mercado? Agora, quem est?enquadrado em uma Lei Anticorrup?o n? se submeteu ?Lei do Conselho Administrativo de Defesa Econ?ica (Lei 12.529/2011), n? se submeteu ?Lei do Mercado de Capitais (Lei 6.385/1976). Pelo contr?io: ele foi para esquemas esp?rios e il?itos para obter um lucro que n? ?operacional, ?um lucro que vem de propinas e outras irregularidades. A?existe uma contamina?o. Agora, at?que ponto essa contamina?o vai ser expressiva para se transformar em uma fal?cia o futuro vai dizer. Outro ponto relevante ?a extens? da fal?cia e da recupera?o para empresas no exterior. At?que ponto n? poder?mos elaborar uma legisla?o internacional estrangeira? Porque n? adianta s?recuperar a empresa nacional se a empresa l?fora est?sendo bombardeada e submetida a um processo de fal?cia, e quem vai pagar a conta de l?vai ser aqui, vai ser a matriz. Se voc?n? amarrar as opera?es de recupera?o, o sucesso vai ser muito pequeno.

A Lei de Fal?cias ?boa, mas ainda n? foi testada. Houve uma demora excessiva na regulamenta?o dessa lei, e os agentes que v? cuidar da aplica?o delas — o Minist?io P?blico Federal, os Minist?ios P?blicos estaduais, a Controladoria-Geral da Uni?, o Tribunal de Contas da Uni? — ainda est? dialogando, e ningu? sabe que multas aplicar, se a menor, a maior, a intermedi?ia. No mercado europeu, no mercado norte-americano, a primeira regra de quem se submete ? regras de uma recupera?o ?chegar desarmado. Tem que mostrar que est?de boa-f? Se a pessoa j?chega falando que est?saindo de um enquadramento, de um acordo de leni?cia, isso ?mal visto no mercado, d?um descr?ito, um des?io muito alto. Temos que discutir tamb? se as empresas que est? em recupera?o prosseguir? com as negocia?es de seus pap?s em bolsa, o que ?fundamental, porque n? tivemos o exemplo de uma empresa no Rio de Janeiro que tinha seus pap?s cotados a R$ 30, R$ 31, R$ 33, e depois da recupera?o eles chegaram a cinquenta centavos.

ConJur – A OGX?
Carlos Henrique Abr? – ? O ?g? regulador fala "n? vamos suspender os neg?ios, inclusive porque n? temos informa?es de transpar?cia". A?v? fazer dilig?cias e dizer que n? podem operar com a empresa. Mas at?a? voc?deixa os pap?s chegarem a um ponto que ningu? ganha, o ?nico que pode ganhar ?o controlador se a empresa recuperar. Com isso, voc?causa um p?ico no mercado, pois h?milhares de adquirentes daqueles pap?s que est? perdendo. Ent?, ?prefer?el uma suspens? tempor?ia os pap?s at?que se d?uma estabilidade no neg?io a ficar jogando os pap?s para baixo. Isso ?ruim.

Os juristas italianos tratavam a recupera?o como sendo o processo mais complexo do ramo jur?ico, pois envolve uma s?ie de conceitos e tem repercuss?es em rela?o ?previd?cia, a cr?ito trabalhista, a cr?ito fiscal, cr?ito tribut?io, cr?ito de banco com garantia real. N? precisamos tratar o processo de recupera?o sob a ?ica da empresa. A empresa est?estabelecida? N? temos empresas hoje em com?cio eletr?ico, Como ?que fica essa recupera?o de empresa com portal eletr?ico? Como ?que n? vamos fiscalizar? Elas s? empresas confi?eis ou s? empresas que apenas aplicam o golpe no mercado? O primeiro aspecto ?saber: a empresa que foi para recupera?o tem os ingredientes da recupera?o? O empres?io tem l?um registro, tem boa-f? tem balan?? Por isso que a lei ?r?ida. Porque a porta de entrada ?como porta de banco: de repente um passa, outro n? passa, e aquele que fica travado precisa explicar por que ficou.

A Lei de Fal?cias trouxe para mais ?imo para os empres?ios no Brasil, mas ela n? alcan?u seus dois principais objetivos: reduzir a taxa de juros do pa? e incrementar a atividade empresarial. A taxa de juros continua elevada, n? temos hoje opera?es banc?ias de cart? de cr?ito que chegam a 300% ao ano, o que ?uma vergonha. N? estamos entre os pa?es que praticam as maiores taxas de juros do mundo. Enquanto isso, temos lucros banc?ios trimestrais de R$ 5 bilh?es. Nada contra os bancos, se eles ganharem mais, at?melhor, mas desde que esse lucro seja jorrado para a economia, que ele n? seja s?colocado em opera?es financeiras, que ele seja aberto, que as empresas tenham acesso a ele. Hoje n? n? podemos ter mais neg?ios. Temos que investir capital na produ?o.

http://www.conjur.com.br/2016-jun-12/entrevista-carlos-henrique-abrao-desembargador-tj-sp