TJRS - FACTORING - REVISIONAL - CDC

APELAÇÃO CÍVEL. FOMENTO MERCANTIL. FACTORING. DESÁGIO. AÇÃO REVISIONAL. IMPOSSIBILIDADE. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. INEXISTÊNCIA DE JUROS. Não há falar em revisão de contrato de factoring, posto que não se confunde com contrato bancário, onde há a incidência de juros. Precedentes. Ação julgada improcedente. ANOTAÇÃO DO NOME DE DEVEDORES NOS CADASTROS DE MAUS PAGADORES.  admissibilidade. requisitos. hipóteses de impedimento. Considerando que a ação revisional proposta contesta a existência parcial do débito, mostra-se imprescindível o depósito do valor incontroverso ou a prestação de caução para que reste deferida a medida postulada. SUCUMBÊNCIA. Redimensionados os ônus da sucumbência. deram provimento AO APELO. unânime.
Apelação Cível Décima Quinta Câmara Cível - Regime de Exceção
Nº 70018552158 Comarca de Novo Hamburgo
CIRIO ADMINISTRADORA DE VALORES LTDA.,  APELANTE;
METALVAN INDúSTRIA E COMéRCIO DE METAIS LTDA E OUTROS., APELADO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Quinta Câmara Cível - Regime de Exceção do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, dar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Vicente Barroco de Vasconcellos (Presidente) e Des. Angelo Maraninchi Giannakos.
Porto Alegre, 23 de maio de 2007.
DES. OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS,
Relator.

RELATÓRIO
Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos (RELATOR)
Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por CIRIO ADMINISTRADORA DE VALORES LTDA., por inconformada com a sentença que, nos autos da ação revisional ajuizada por METALVAN INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE METAIS LTDA., julgou o feito parcialmente procedente para determinar a fixação dos juros em 12% ao ano, em todas as contratações, com correção monetária pelo IPG-M, e limitar a multa em 2%. Admitiu a repetição dos valores eventualmente pagos a maior, tornou definitiva a liminar de fl. 30 e, em razão da sucumbência recíproca, condenou o réu ao pagamento de 30% das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 700,00 e o autor aos restantes 70% das custas, bem como honorários advocatícios, arbitrados em R$ 300,00.
Em suas razões, sustenta o apelante, sumariamente, a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso e conseqüentemente a impossibilidade de revisão dos contratos, principalmente porque não se confunde com instituição de direito bancário. Afirma que não há falar em limitação dos juros, posto que nos contratos de factoring não há juros e sim fator mensal, livremente fixados pelas partes. Ainda, em face do inadimplemento por parte da autora, deve ser mantido o cadastramento de seu nome nos órgãos de proteção ao crédito. Postula pela reforma.
Com preparo e contra-razões, vieram os autos conclusos para julgamento.
Registro, finalmente, que foram rigorosamente observadas as formalidades constantes dos arts. 549, 551, § 2º, e 552 do CPC
É o relatório.
VOTOS
Des. Otávio Augusto de Freitas Barcellos (RELATOR)
Procede a inconformidade.
Com efeito, segundo lição de Waldírio Bulgarelli[1]:
“Bastante assemelhado ao desconto bancário, a operação de factoring repousa na sua substância, numa mobilização dos créditos de uma empresa; necessitando de recursos, a empresa negocia os seus créditos cedendo-os à outra, que se incumbe de cobrá-los, adiantando-lhe o valor desses créditos (conventional factoring) ou pagando-os no vencimento (maturity factoring); obriga-se contudo a pagá-los mesmo em caso de inadimplemento por parte do devedor da empresa. Singelamente pode-se falar em venda do faturamento de uma empresa à outra, que se incumbe de cobrá-lo, recebendo em pagamento uma comissão e cobrando juros quando antecipa recursos por conta dos recebimentos a serem feitos.”
A conceituação deixa clara a situação de que não se está a tratar de negócio jurídico bancário, mas de compra e venda de ativos financeiros, não se aplicando à situação as regras do Código de Defesa do Consumidor, impossibilitando a sua revisão, como pretendido.
Ocorre que nos contratos de factoring não há a incidência de juros propriamente ditos, mas sim do denominado Fator de Compra, remunerando a empresa pelos serviços prestados através da diferença entre o preço de compra e o valor nominal dos títulos.
Para os contratos em geral, prevalece o princípio do pacta sunt servanda, salvo quando comprovada alguma situação excepcional a desconstituí-lo, o que não se verifica no presente caso, impossibilitando a revisão da relação contratual.
Neste sentido, o entendimento deste Tribunal de Justiça:
AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. FACTORING. Não se constituindo o contrato de factoring em negócio jurídico bancário, descabe a pretensão revisional de juros, que não se confundem com a remuneração do faturizador, consistente de percentual de deságio sobre o valor dos títulos, considerando que na prestação dos serviços de cobrança a cessionária assume o risco da não liquidação dos créditos. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. APELO DA RÉ PROVIDO. RECURSO DA AUTORA PREJUDICADO. (Apelação Cível Nº 70014754196, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bayard Ney de Freitas Barcellos, Julgado em 21/03/2007)
Apelação cível. Direito privado não especificado. Revisional. Factoring. Fomento comercial. Incidência do denominado fator de compra. A empresa que recebe os títulos para faturização tem o direito de cobrar pelos serviços prestados. Descabida a limitação dos juros. Apelo desprovido. (Apelação Cível Nº 70010295475, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 23/11/2006)
AÇÃO REVISIONAL. FACTORING. CHEQUES. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE ABUSIVIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. Restringindo-se o autor a alegar, genericamente, haver abusividade na cobrança dos títulos adquiridos pela ré, empresa de factoring, sem demonstrar referidos abusos, improcede o pedido revisional. Não se conhece do apelo no tocante ao pedido de afastamento da aplicação da pena de litigância de má-fé, tendo em vista que a mesma não foi aplicada pelo Juízo de origem, na sentença. Apelo conhecido, em parte, e, no ponto em que conhecido, desprovido. (Apelação Cível Nº 70015114747, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 16/08/2006)
“ACAO DE REVISAO CONTRATUAL. CONTRATO DE "FACTORING". DESAGIO. Não cabe a pretensão revisional de juros relativamente a contratos de factoring, que não se constitui em negocio jurídico bancário, atento a que o deságio não representa, exclusivamente taxa de juros. Não há cerceamento de defesa quando a questão de mérito e exclusivamente de direito. PRELIMINAR REJEITADA E RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70003222643, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 24/04/2002).
“FACTORING. DESÁGIO. REVISÃO CONTRATUAL. JUROS. IOF. ISSQN. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DESCABIMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. 1 - O contrato de factoring não constitui negócio jurídico bancário, razão pela qual descabe acolher-se a pretensão que visa a revisão das cláusulas relativas aos juros. Inaplicabilidade da limitação constitucional. A empresa faturizadora possui o direito de cobrar pelos serviços prestados ao faturizado, em percentual sobre os créditos, na modalidade de deságio, o que não revela a incidência de juros. Vedação inexistente na lei. 2 – IOF.  (...) 4 – Tarifa de cobrança. Inexistência de abusividade. 5 – Inexistência de valores a restituir, razão pela qual descabe o pedido de repetição de indébito. 6 - Cerceamento de defesa não configurado. Preliminar repelida. Precedentes jurisprudenciais. Ação julgada improcedente em primeiro grau. Apelo provido em parte.” (Apelação Cível Nº 70001577105, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 12/04/2001).
Inviável, portanto, a revisão pretendida pela parte autora
No que tange à liminar concedida à fl. 30, também assiste razão à apelante.
Em que pese já se tenha decidido de maneira diversa nesta Câmara, tem-se que não mais se pode admitir a proibição de inscrição do nome de devedores em bancos de dados de proteção ao crédito unicamente pela circunstância de ter o devedor ajuizado ação revisional de seus débitos.
É consabido que o entendimento predominante das duas Turmas de Direito Privado do STJ que, pendente discussão judicial sobre a dívida ou o seu valor, é indevida a inscrição do nome do devedor em bancos de dados de proteção ao crédito, assim entendidos o SPC (CDL), a SERASA, o CADIN e o Banco Central. A respeito do tema, confiram-se as seguintes decisões: REsp. 351.763/SP, REsp. 213.580/RJ, REsp. 168.934/MG, REsp. 189.061/SP, REsp. 180.843/RS, Aga. 278.280/PI, REsp. 551.573/PB, REsp. 188.390/SC, REsp 180.665/PE, e Ag. 534.874/RS.
No entanto, inúmeras são as ações de revisão de débito intentadas com o único objetivo de retirar o nome do devedor dos órgãos de proteção ao crédito, sem que qualquer quantia seja paga ou depositada, sendo o Poder Judiciário utilizado como escudo para a inadimplência.
Para que tal inscrição seja considerada indevida, faz-se necessária a presença concomitante de três elementos, a saber: a) que haja ação proposta pelo devedor contestando a existência integral ou parcial do débito; b) que haja a efetiva demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda em alegações dotadas de verossimilhança e em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça; e, c) que sendo a contestação apenas de parte do débito, deposite o devedor o valor referente à parte tida por incontroversa ou preste caução idônea, ao prudente arbítrio do Magistrado.
Assim, no caso em concreto, considerando que a ação revisional proposta pelo devedor contesta a existência parcial do débito, mostra-se imprescindível o depósito do valor incontroverso ou a prestação de caução para que reste deferida a medida postulada. Ademais, em face da flagrante impossibilidade de revisão do contrato, não pode subsistir a liminar deferida à fl. 30.
Portanto, impõe-se a revogação da liminar anteriormente concedida.
Em razão do provimento do apelo, impõe-se o redimensionamento dos ônus sucumbenciais, restando a parte autora condenada ao pagamento da integralidade das custas processuais e honorários advocatícios devidos ao patrono da demandada, fixados em R$ 1.000,00.
Diante do exposto, o voto é no sentido de dar provimento ao apelo para julgar improcedente a presente ação revisional, revogar a liminar deferida à fl. 30 e redimensionar os ônus da sucumbência na forma supra.
Des. Angelo Maraninchi Giannakos (REVISOR) - De acordo.
Des. Vicente Barroco de Vasconcellos (PRESIDENTE) - De acordo.
DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS - Presidente - Apelação Cível nº 70018552158, Comarca de Novo Hamburgo: "DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: MOZART GOMES DA SILVA
[1] Contratos Mercantis. 13°Ed. Altas, 2000: São Paulo. P.321.

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