TJRS - EXECUÇÃO - CONFISSÃO DE DÍVIDA - EMBARGOS COM MÁ-FÉ DA FATURIZADA

DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL (INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA). DÉBITO ORIUNDO DE OPERAÇÕES DE FATURIZAÇÃO. NOVAÇÃO. MORA. MÁ-FÉ. EM OPERAÇÃO DE FACTORING NÃO HÁ QUE SE FALAR EM APLICAÇÃO DE JUROS. A REMUNERAÇÃO DA FATURIZADORA ADVÉM DO DENOMINADO “FATOR DE COMPRA”, CONSISTENTE NA DIFERENÇA ENTRE O PREÇO DE COMPRA E O VALOR NOMINAL DOS TÍTULOS, NA MODALIDADE DE DESÁGIO. JUROS MORATÓRIOS APLICADOS EM 12% AO ANO, SEM QUALQUER ABUSIVIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA FIXADA E APLICADA PELOS ÍNDICES DO IGP-M. MORA EX RE. APLICA-SE A REGRA DIES INTERPELLAT HOMINE. O TERMO INTERPELA EM LUGAR DO CREDOR, POIS A LEI OU O DIA DO VENCIMENTO DETERMINAM O INÍCIO (ART. 397, CAPUT, DO CÓDIGO CIVIL). INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA DESDE O VENCIMENTO E NÃO A PARTIR DA CITAÇÃO. MÁ-FÉ. AFASTADA. INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. O RECONHECIMENTO DA MÁ-FÉ EXIGE A DEMONSTRAÇÃO, AINDA QUE MINIMAMENTE FUNDAMENTADA, SEM A QUAL, OBSTA-SE A DEFESA.PROVIDA, EM PARTE, A APELAÇÃO DOS EMBARGANTES. PROVIDA A APELAÇÃO DA EMBARGADA.


APELAÇÃO CÍVEL  DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL
Nº 70031932668  COMARCA DE CAXIAS DO SUL
RECH EMBALAGENS DE MADEIRA LTDA  APELANTE/APELADO
ADEMIR ANDRE RECH  APELANTE/APELADO
LOREFAC FACTORING E SERVICOS LTDA  APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento à apelação dos embargantes; e em dar provimento à apelação da embargada.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. GUINTHER SPODE.

Porto Alegre, 22 de março de 2011.

DES.ª MYLENE MARIA MICHEL,
Relatora.

RELATÓRIO
DES.ª MYLENE MARIA MICHEL (RELATORA)

Trata-se de recursos de apelação interpostos por RECH EMBALAGENS DE MADEIRA LTDA e ADEMIR ANDRÉ RECH, e, LOREFAC FACTORING E SERVIÇOS LTDA., contra a sentença de improcedência proferida nos embargos à execução que lhe move LOREFAC FACTORING E SERVIÇOS LTDA.

Na inicial, postulam a inexigibilidade do Termo de Confissão de Dívida, e a revisão dos contratos de fomento mercantil, que deram origem ao título embargado. Alegam abusividade nas cláusulas contratuais, juros exorbitantes, capitalização mensal, multa de 10%, cobrança dos juros de mora e correção desde o vencimento da parcela. Pedem a incidência do CDC, com limitação da multa em 2%, e a inversão do ônus da prova. Dão à causa o valor de R$ 6.542,85. Juntam procuração e documentos (fls. 17/41).

Intimada a embargada apresentou impugnação (fls. 44/50). Alega a regularidade do crédito executado. Destaca que os embargantes firmaram Contrato de Confissão de Dívida, relativo a aditivos de operação mercantil anteriormente pactuado, porém eivado de vício. Afirma que as duplicatas foram devolvidas por desacordo comercial, em um novo contrato, extinguindo todos os contratos anteriores. Destaca que ocorrência de novação, consubstanciada no título exequendo, sendo descabida a revisão dos contratos pretéritos. Refuta a incidência do CDC. Pede a improcedência. Junta documentos (fls. 51/65).

Os embargantes manifestaram-se (fls. 67/71).

Instadas as partes sobre o interesse na produção de outras provas (fls. 72/73). Os embargantes postulam a aplicação do CDC e o julgamento antecipado (fls. 74). Não houve manifestação da embargada. Certidão de fl. 75vº.

Sobreveio sentença de improcedência, com condenação dos embargantes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de R$ 700,00, bem como ao pagamento de multa, pela litigância de má-fé, que fixo em 1% sobre o valor da causa (fls. 76/79vº).

Opostos embargos de declaração (fls. 81/82), assim resolvido:

Rh. Vistos.

Recebo os embargos, uma vez que tempestivos.

De acordo com a planilha de cálculo acostada na execução (fl. 11) o cômputo da correção monetária, desde 15/06/2007, está correto, tendo em vista o disposto na cláusula 3.5 do Termo de Confissão de Dívida. Com relação aos juros moratórios, assiste razão aos embargantes, sendo estes devidos desde a citação.

A cláusula penal de 10% não se confunde com a multa moratória, sendo devida pela inexecução da obrigação assumida no Termo de Confissão de Dívida, possuindo caráter punitivo.

Intimem-se.

RECH EMBALAGENS DE MADEIRA LTDA e ADEMIR ANDRÉ RECH apelam (fls. 85/100). Discorrem acerca dos fatos. Referem que na “compra dos referido título houve a cobrança de juros e encargos que totalizam aproximadamente 6% ao mês de encargos”. Dizem tratar-se de contrato de adesão, com vantagens excessivas ao factoring. Falam sobre a massificação das relações e do necessário afastamento do “pacta sunt servanta” (sic). Alegam a incidência do art. 6º, V; art. 53 e 53, do CDC. Postulam a revisão dos contratos. Alegam: juros abusivos, requerendo a limitação em 12% ao ano e readequação da multa contratada em 10% para 2%. Pedem o afastamento da multa por litigância de má-fé, pois não evidenciado o caráter protelatórios dos embargos à execução. A inversão dos encargos sucumbenciais.

LOREFAC FACTORING E SERVIÇOS LTDA. em razões de apelação (fls. 112/117). Pede a incidência dos juros moratórios desde o vencimento e não a partir da citação. Referem que no item 3.5 da Confissão de Dívida (título executivo) esta convencionada a constituição em mora do devedor, com juros moratórios de 12% ao ano, atualização monetária e cláusula penal de 10% sobre o débito vencido. Tratando-se de obrigação com termo certo, na forma do art. 397, caput, do Código Civil. Diz que os juros de mora foram pactuados em percentual compatível com a legislação, incidindo a partir do vencimento. Pede o provimento.

Recebidas as apelações no efeito devolutivo (fl. 119).

Houve contrarrazões (fls. 121/133 e 135/138).

É o relatório.

VOTOS

DES.ª MYLENE MARIA MICHEL (RELATORA)

Satisfeitos os requisitos de admissibilidade, conheço a ambas as apelações.

Em primeiro plano examino o recurso dos embargantes.

Como se pode notar cuida-se de execução de título extrajudicial “termo de confissão de dívida” que aparelha a execução, em apenso, nas fls. 09/10, e memória de cálculo de fl. 11.

O contrato de factoring possui natureza mercantil, pois versa sobre compra e venda de ativos financeiros, e a empresa faturizadora não pode ser considerada instituição financeira, não se cogita da aplicação das normas atinentes aos negócios jurídicos bancários, nem mesmo do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, sendo inviável a revisão dos contratos nos termos pretendidos.

Isso porque nos contratos de factoring não há incidência de juros propriamente ditos, mas sim do fator de compra (fator mensal), em que a remuneração é constituída pela diferença na compra dos direitos (créditos), ou seja, do resultado entre o preço de compra e o valor nominal dos títulos.

A empresa que recebe os títulos para faturização tem o direito de cobrar pelos serviços prestados. É o chamado deságio, o qual se justifica em virtude dos riscos por ela assumidos na transação.  Esse não tem natureza de juros, mas sim de remuneração, especialmente porque o contrato de factoring é atípico, de gênese complexa, não consistindo em negócio jurídico bancário.

Os apelantes, quando da contratação, estava ciente das cláusulas contratuais, em especial dos valores que seriam cobrados pela apelada, no título confessado, tendo, inclusive, se beneficiado do negócio, com isso formentando suas atividades. Aliás, sequer há alegação da existência de qualquer vício de consentimento.

De modo que se reconhece a higidez do título executivo:

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. REVISÃO DE CONTRATO DE FOMENTO MERCANTIL. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. JUROS MORATÓRIOS E CLÁUSULA PENAL. ABUSIVIDADE NÃO COMPROVADA.
1. OPERAÇÕES DE FOMENTO MERCANTIL OU FACTORING. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Em se tratando de empresa que opera no ramo de factoring, ela não integra o Sistema Financeiro Nacional, de modo que não poderá ser aplicado a esse tipo de pessoa jurídica as normas relativas aos negócios jurídicos bancários, nem o Código de Defesa do Consumidor. Ora, o cliente da empresa faturizadora no contrato de fomento mercantil (cessão de crédito) “apresenta-se como tomador de recursos para fomentar sua empresa, ou seja, para ser empregado em sua atividade ou cadeia produtiva (linha de produção, montagem, transformação de matéria-prima, aumento de capital de giro e pagamento de fornecedores) que não se enquadra como consumidor ou destinatário final”. Logo, a relação entre o faturizador e o faturizado tem natureza mercantil, e não de consumo – o que inviabiliza a incidência das normas consumeristas a esse tipo de negócio jurídico.
APELAÇÃO DESPROVIDA.
(Apelação Cível Nº 70025411794, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 17/12/2008).

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO, RECONVENÇÃO E EMBARGOS DO DEVEDOR. CONTRATO DE FACTURIZAÇÃO. CONFISSÃO DE DÍVIDAS COM GARANTIA HIPOTECÁRIA. NOVAÇÃO CARACTERIZADA. Distinção entre contrato de factoring e mútuo bancário. Não incidência da Súmula 286 do STJ. REVISÃO DE CONTRATO DE FATURIZAÇÃO. CDC. INAPLICABILIDADE. CAPITALIZAÇÃO. Inexistência de pactuação. ENCARGOS. INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE. EXCESSO DE EXECUÇÃO. Não caracterização. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70013365150, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flores de Camargo, Julgado em 14/12/2005)


Ademais, da análise dos documentos constantes nos autos não deflui a alegada abusividade e ilegalidade dos encargos cobrados.

Sabidamente, não se aplicam juros nos contratos de factoring. A remuneração da faturizadora advém do chamado “fator de compra”, consistente na diferença entre o preço de compra e o valor nominal dos títulos. Trata-se, pois, de um deságio, sem natureza de juros, justamente porque tal modalidade contratual não constitui um negócio jurídico bancário.

Quem recebe os títulos para faturizar possui o direito de cobrar pelo serviço e, no caso dos autos, não há qualquer prova de que o deságio tenha sido exorbitante ou que tenha ferido os interesses dos embargantes. Tanto é assim que realizaram mais de uma operação com a recorrida.

Outrossim, oportuno transcrever, acerca do tema, parte da fundamentação exarada pelo eminente Des. Pedro Celso Dal Prá, no julgamento da apelação cível n° 70022619761:

(...)
De outro lado, ainda que eventualmente o fator de compra mensal (deságio verificado no mês) supere 1%, o contrato não é abusivo ou eivado de nulidade, porque não se pode perder de vista que repousa justamente neste percentual a remuneração da empresa de factoring, na qual está inserta não só a remuneração pela prestação do serviço, como, também, os encargos, as despesas advindas da futura obtenção do crédito junto ao devedor originário do título, assim como os riscos assumidos pela faturizadora.
Não se vê, assim, ilegalidade na contratação, devendo preponderar o princípio segundo o qual o contrato faz lei entre as partes, obrigando-as ao seu cumprimento (pacta sunt servanda).
(...)

Ainda, em relação aos juros de mora, verifica-se que foram aplicados à taxa de 12% ao ano, de forma simples, estando, portanto, em conformidade com o art. 5° do Decreto n° 22.626/33 (Lei da Usura) e com o art. 406 do Código Civil c/c o art. 161, § 1°, do Código Tributário Nacional. Na mesma linha, a correção monetária foi aplicada pelos índices do IGP-M, inocorrendo, pois, qualquer abusividade .

Nesta mesma linha, exemplificativamente, recente julgado unâmine desta Câmara, de minha relatoria:

DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL (INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONFISSÃO DE DÍVIDA E ADITIVO). DÉBITO ORIUNDO DE OPERAÇÕES DE FATURIZAÇÃO. 1. Os embargantes-apelantes não lograram comprovar a alegada abusividade dos encargos cobrados. 2. Em operação de factoring não há que se falar em aplicação de juros. A remuneração da faturizadora advém do denominado "fator de compra", consistente na diferença entre o preço de compra e o valor nominal dos títulos, na modalidade de deságio. 3. Juros moratórios aplicados em 12% ao ano, sem qualquer abusividade. 4. Correção monetária já fixada e aplicada pelos índices do IGP-M, tal como pretendem os embargantes. Ausência de interesse recursal quanto ao ponto. 5. Não prospera a pretensão de abatimento do valor correspondente ao imóvel oferecido em garantia à embargada, porquanto indemonstrada a transferência do bem. Conjunto probatório dos autos que corrobora a versão da embargada, no sentido de que adquiriu o imóvel de terceira pessoa, estranha ao feito, conforme demonstra a matrícula do bem. 6. Pedido de afastamento das taxas de serviços e demais incidências extracontratuais que não veio minimamente fundamentado, além de configurar inovação recursal. 7. Litigando os embargantes-apelantes ao abrigo da gratuidade judiciária, deve ser suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais em relação a eles. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70036956605, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em 28/09/2010)


Ademais, não colhe a insurgência contra a multa de 10% tendente a reduzi-la para 2%, justamente por não se verificar encargo moratório e nem mesmo incidência do CDC à espécie como acima fundamentado, mas sim de cláusula penal pactuada sobre o inadimplemento, com mora ex re. Aplica-se a regra dies interpellat homine, ou seja, o termo interpela em lugar do credor, pois a lei ou o dia do vencimento assumirão o papel de intimação. (art. 397, caput, do Código Civil).

Em decorrência lógica, correta a inserção dos juros de 12% ao ano a partir do vencimento, não comportando acolhida o entendimento de que haveria de incidir tão somente a partir da citação no feito executivo, porquanto não se trata de mora ex persona (art. 397, parágrafo único, Código Civil), devendo-se ser provida a apelação da embargada.

Por fim, tenho que merece ser afastada a averbação dos embargantes como litigantes de má-fé, assim como exposta na sentença: “evidenciado o caráter meramente protelatório dos embargos, condeno os embargantes como litigantes de má-fé ao pagamento de multa que fixo em 1% sobre o valor da causa”. Ocorre que o reconhecimento da má-fé, exige a demonstração, minimamente fundamentada, sem a qual, obsta-se inclusive deduzir defesa.

Com essas considerações, dou parcial provimento à apelação dos embargantes para afastar a multa por litigância de má-fé; e dou provimento à apelação da embargada para manter o termo inicial dos juros de mora desde o vencimento da dívida.

Sucumbência mantida.

É como voto.

DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. GUINTHER SPODE - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI - Presidente - Apelação Cível nº 70031932668, Comarca de Caxias do Sul: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DOS EMBARGANTES, PROVERAM A APELAÇÃO DA EMBARGADA. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: CLAUDIA ROSA BRUGGER