TJRS - REVISIONAL FACTORING - LIMITAÇÃO

Apelação cível. Ação de revisão de contrato de fomento mercantil, “factoring” ou faturização, ajuizada pela empresa faturizada. Extensão da revisão contratual. Juros. Características do contrato e repartição da responsabilidade entre as partes, como faturizador ou faturizada. Sentença de parcial acolhimento do pedido. Recurso de apelação da autora.
O faturizado tem o dever de pagar as duplicatas irregularmente emitidas por ele ou cujo valor recebeu diretamente. O risco assumido pelo faturizador diz respeito apenas aos títulos regularmente emitidos e não pagos pelo devedor.
A revisão contratual faz-se caso por caso, não na sua amplitude genérica, em consonância com o objeto da ação revisional e da monitória, limitada às duplicatas efetivamente em discussão e às características jurídicas do contrato de fomento mercantil.
Manutenção da sentença.
Apelação desprovida.

Apelação Cível

 

Vigésima Câmara Cível
Nº 70039115753

 

Comarca de Lagoa Vermelha
MOVEIS RODIAL LTDA

 

APELANTE
FOMENTO FACTORING LTDA

 

APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Vigésima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso de apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Rubem Duarte (Presidente) e Des. Glênio José Wasserstein Hekman.
Porto Alegre, 20 de outubro de 2010.

DES. CARLOS CINI MARCHIONATTI,
Relator.
RELATÓRIO
Des. Carlos Cini Marchionatti (RELATOR)
Eminentes Colegas.
Cuida-se de demanda movida por MÓVEIS RODIAL LTDA. contra FOMENTO FACTORING LTDA.
Em síntese, pede a procedência do pedido para declarar que, no caso, os contratos de factoring cuidam-se, em verdade, de mútuos, os quais devem ser revisados, para fins de limitar os juros em 12% ao ano, afastando-se a capitalização e outros encargos que a autora reputa ilegais.
Pleiteia, também, a repetição do indébito.
A sentença (fls. 173-178), que também examinou ação monitória entre as partes, julgou procedente, em parte, o pedido, “... apenas para expungir do contrato celebrado entre as partes a responsabilização da autora em caso de insolvência do emitente de título válido cedido” (fl. 178).
Contra a sentença insurge-se a autora, por meio de apelação (fls. 187-211), tempestivamente interposta e preparada.
Em síntese, sustenta: a.) a responsabilidade imputada à demandante relativamente aos títulos inadimplidos descaracteriza o contrato de factoring, determinando a configuração de verdadeiros contratos de mútuo; b.) houve desvirtuamento, no caso, do contrato de factoring; c.) o faturizado não pode ser responsabilizado pelo eventual inadimplemento do título; d.) devem ser revisados todos os contratos existentes entre as partes; e.) os juros devem ser limitados em 12% ao ano; f.) deve ser afastada a capitalização dos juros; g.) deve ser autorizada a repetição do indébito; h.) deve ser afastada a determinação sentencial de compensação dos honorários advocatícios.
Pede a reforma da sentença nos pontos impugnados.
Intimada, a demandada não ofereceu resposta (fl. 215).
Os autos vieram conclusos em 06.10.2010, ocasião em que relatei e minutei o projeto de voto à douta revisão e à espera do julgamento da Câmara, conforme a escala.
É o relatório.
VOTOS
Des. Carlos Cini Marchionatti (RELATOR)
Eminentes Colegas.
Desde logo, antecipo o meu voto de negar provimento ao recurso de apelação.
A sentença apelada examinou com critério e correção a matéria debatida nos autos, de modo que estou aderindo aos seus fundamentos, os quais adoto como razões de decidir, integrando-os ao voto, transcrevendo-os no que mais importa ao caso, assim (fls. 174v.-178):
“(...)
- Da revisão de contrato
Afasto a preliminar de inépcia da inicial, pois os pedidos são compreensíveis e embasados na fundamentação.
O contrato principal das fls. 122/126 rege o negócio jurídico firmado pelas partes e o define como:
[...] prestação de serviços de apoio gerencial, em caráter contínuo, realizada pela sociedade de fomento mercantil, conjugada com a compra de direitos (créditos) ou de ativos representativos de vendas mercantis e de prestação de serviços realizados a prazo, por suas empresas clientes contratantes. Distingue-se da operação de mútuo na qual o mutuário (devedor) se obriga a restituir a quantia mutuada ao mutuante (credor). A operação de fomento mercantil, portanto, não é operação de crédito, mas de compra e venda de direitos originados de recebíveis mercantis e de serviços.
Fábio Ulhoa Coelho, a respeito do contrato de factoring, diz que a função econômica do mesmo é poupar o empresário das preocupações decorrentes da outorga de prazos e facilidades para pagamento aos seus clientes e da inadimplência desses, assumindo a faturizadora a obrigação gerir os créditos do faturizado, cobrar os devedores e assumir os riscos do inadimplemento dos devedores do faturizado, pois para isso é remunerada com o fator de compra (Manual de Direito Comercial. Ed. Saraiva, 11ª ed. p. 447).
A jurisprudência gaúcha também tem se manifestado sobre o tema e verbera que o risco pela inadimplência do devedor é assumido pela faturizadora, a qual compra os títulos com um deságio representativo do custo financeiro da antecipação do crédito e da taxa de risco pelo eventual inadimplemento do emitente do título:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AGRAVO RETIDO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CHEQUES. DA FALTA DE PAGAMENTO DOS TÍTULOS NÃO DECORRE O DIREITO DA EMPRESA DE FACTORING DE DIRECIONAR COBRANÇA CONTRA A FATURIZADA POR MEIO DE DEMANDA EXECUTÓRIA EMBASADA NAS CÁRTULAS INADIMPLIDAS. ANÁLISE DAS PRELIMINARES PREJUDICADA. Embora formalmente transmitida a propriedade dos títulos por endosso, o faturizador-endossatário não pode promover execução contra o endossante, como ocorreria, normalmente, em aplicação do princípio da autonomia das obrigações cambiárias. Isso porque se consubstancia da essência do contrato de factoring que o vendedor perca a qualidade de coobrigado cambiário, justamente pela existência de pagamento na negociação da(s) cártula(s). A compra que caracteriza tal negócio jurídico é feita com um deságio, constituído pelo custo financeiro da antecipação do crédito representado pelo ativo vendido e pela taxa de risco pelo eventual inadimplemento do emitente do título, justificável, tal taxa de risco, pela circunstância de que o vendedor fica exonerado de qualquer responsabilidade quanto a esse aspecto. Tal direcionamento executório somente se legitima em hipóteses excepcionais, não correspondentes àquela conformadora do material cognitivo dos autos. APELO PROVIDO. AGRAVO RETIDO PREJUDICADO. (Apelação Cível Nº 70023930985, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Judith dos Santos Mottecy, Julgado em 02/10/2008 – sem grifo no original).
A empresa requerida, apesar de ser devidamente remunerada pelo deságio, ou fator de compra dos títulos, esquivou-se do risco de inadimplência exigindo que a autora se responsabilizasse pela liquidação dos títulos negociados em caso de insolvência dos sacados, conforme estipulado na cláusula 12 do contrato (fl. 125).
Destarte, nesse ponto merece ser revisto o contrato, pois se a requerida foi remunerada e é da essência do contrato de factoring a assunção do risco pela faturizadora, não pode ela receber pelos serviços e pelo risco do inadimplemento do emitente e ainda exigir que a faturizada arque com eventual insolvência do devedor.
Isso não significa, no entanto, que toda a negociação deve ser revista como deseja a autora, pois não comprovada a abusividade nas demais cláusulas contratuais, como se verá.
Conforme se observa no contrato, a autora, afora a questão da insolvência, obrigou-se a responder pelas obrigações inerentes ao endosso, bem como por todos os riscos e prejuízos dos títulos negociados, “no caso de serem opostas exceções quanto à sua legitimidade, legalidade e veracidade”. Tal disposição é válida, uma vez que se refere a títulos nulos e não somente a títulos inadimplidos. Os títulos nulos não poderiam ter sido objeto do negócio, pelo que permitida a responsabilização da contratante por esses.
Uma vez constatada a existência de vício ou defeito do título negociado, estaria obrigada a requerida a recomprá-lo, pagando à faturizadora multa e juros moratórios de 1% ao mês, além de atualização monetária pelos índices oficiais. Não efetuando a recompra dos títulos, a requerida suportaria os ônus da cobrança judicial dos mesmos (cláusula 11).
Ou seja, não entendo como abusivas as disposições que oneram a contratante quando a mesma dá causa à não perfectibilização das vendas ou emite títulos sem lastro ou incorretos. A garantia pela existência do crédito é válida.
Não há que se falar em juros e taxas abusivos, pois os juros incidiriam na hipótese de recompra do título pela requerida quando ficasse constatada posteriormente a existência de vício na origem que maculasse o documento, é no percentual de 1% ao mês, o que não pode ser considerado excessivo, pois de acordo com a legislação vigente.
Quanto às taxas, a requerida livremente pactuou o pagamento pelos serviços que a autora lhe prestaria num percentual variável de “0,25% a 3,00%” cobrado ad valorem.
Aliás, os documentos e aditivos trazidos aos autos pela autora (fls. 33/39) não comprovam qualquer cobrança de juros, sequer os legais já citados. Apenas informam que foram cobrados a taxa e serviços dentro do limite pautado, bem como o fator de compra dos títulos, o qual oscilou entre 4% e 4,5% e respeitou a média da época divulgada pela ANFAC - Associação Nacional das Sociedades de Fomento Mercantil – Factoring, que ficou em 4,35% para o ano de 20031, quando foram celebrados o contrato e aditivos.
Com efeito, nenhuma abusividade foi comprovada no tocante a juros, taxas e fator de compra, não merecendo revisão do contrato nesses pontos.
Dessa forma, não é possível revisar o contrato firmado entre as duas empresas na extensão desejada pela autora, pois as mesmas realizaram operações mercantis e a empresa que recebe os títulos para faturização tem o direito de cobrar pelos serviços prestados, além de exigir a recompra em caso de vício do título, sendo que os encargos pactuados em caso de recompra não se afiguram abusivos.
Frisa-se que se está diante de relação mercantil e é inaplicável o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que a autora não pode ser enquadrada como consumidora final. Como dito na inicial, o contrato visava a obtenção de capital de giro, ou seja, capital para ser utilizado no processo produtivo da sociedade. Sobre o tema bem expôs a representante do Ministério Público, pelo que remeto as suas colocações para evitar tautologia (fls. 142/145).
Por tais fundamentos, tenho que a revisão deve ser unicamente para afastar a disposição que previa a recompra do título em caso de inadimplemento.
- Da ação monitória
Não merece prosperar a alegação de carência de ação pelo fato da autora/embargada já possuir em mãos um título executivo e mesmo assim ter ajuizado ação monitória.
A interpretação/aplicação do direito não se restringe ao formalismo absoluto. Pelo contrário, pode o julgador aplicar os princípios da economia processual e da menor onerosidade, principalmente quando a via eleita pelo credor possibilita ao devedor maior amplitude defensiva.
Questão similar já foi objeto de julgamento pelo E. Tribunal de Justiça, conforme pode ser observado na ementa que segue:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUES AINDA NÃO PRESCRITOS. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DA DEMANDA SEM ENFRENTAMENTO DO MÉRITO ANTE A FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL DA AUTORA NA DEMANDA INJUNCIONAL. REFORMA DA SENTENÇA. MEIO MENOS GRAVOSO. ECONOMIA E INSTRUMENTALIDADE PROCESSUAL. PRECEDENTE DA CÂMARA. A par da discussão acerca da executividade dos cheques que embasam a lide, a via escolhida pela autora é menos gravosa à devedora, que através do procedimento injuncional adotado possui maior amplitude defensiva do que em uma execução direta. Levando em consideração que a demanda tramita desde 2001, tendo sido amplamente instruída, há que ser valorizado o princípio da economia processual e o de que o processo nada mais é do que um meio para satisfação do direito buscado, não devendo o julgador ater-se a formalismo excessivo que venha em prejuízo de ambas as partes pela demora na prestação judicial. Precedente da Câmara. APLICAÇÃO DO §3º DO ART. 515 DO CPC. JULGAMENTO DA LIDE. Incontroverso que os cheques em voga foram passados pela ora recorrida em operação de factoring, que é a atividade da apelante. Os embargos monitórios foram opostos pela devedora no sentido de que a demanda injuncional deveria ser considerada conexa à lide revisional do contrato de factoring, ausente qualquer outra argumentação. A revisional foi julgada improcedente, sob o fundamento de que não há mínima comprovação da alegada prática de juros abusivos e de capitalização mensal, restando mantido na íntegra o crédito descrito nos cheques. A par de efetivamente inexistir nos autos qualquer prova que corrobore a sustentação da devedora acerca da prática de usura, fundamental é o fato de que deixou a interessada de recorrer contra a decisão da lide de revisão, pelo que transitada em julgado, gerando efeitos sobre os embargos monitórios que, assim, são improcedentes. Constituição de título executivo judicial em favor da credora. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70012905568, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 15/03/2007 – sem grifo no original).
Assim, inobstante o credor tenha escolhido o caminho mais logo para obter o mesmo fim que poderia alcançar com a ação de execução direta, tenho que não é caso de extinção da ação monitória com base na alegação de carência de ação, pois o resultado final será o mesmo que se obteria em ação executiva.
Quanto ao mérito, disse a autora/embargada que comprou diversos títulos da empresa Móveis Rodial e que, ao cobrá-los, não obteve sucesso por se tratarem de duplicas simuladas e não possuírem origem, incorrendo os sócios da vendedora em má-fé, o que autorizaria a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade para cobrança dos sócios.
Em contrapartida, os requeridos/embargantes Rodial e Heitor se manifestaram nos autos dizendo que a embargada possui em mãos título executivo que dispensa a ação monitória, bem como que não é possível desconsiderar a personalidade jurídica da empresa sem que fique comprovada a presença dos requisitos legais e que a sociedade está em vias de levantamento da concordata preventiva.
O artigo 50 do Código Civil autoriza “que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”, mas para isso exige prova cabal de que tenha havido abuso da personalidade jurídica da empresa caracterizado pelo “desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial”.
A embargada justifica a desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora em razão de a mesma estar em concordata e em face da possibilidade de os títulos terem sido emitidos pelos sócios da empresa usando de má-fé.
O fato de ter sido deferida concordata preventiva à empresa Móveis Rodial Ltda, então faturizada, por si só não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, porquanto a concordata é deferida justamente quando presente a possibilidade de a devedora recuperar-se e quitar todos os seus débitos, inclusive aquele objeto desta demanda.
Trata-se de instrumento legal utilizado quando a sociedade se encontra em dificuldade financeira.
Inclusive no processo da concordata, muito embora pendente de julgamento recurso de apelação, com algumas ressalvas, foi homologada a desistência da concordata e extinta a demanda nos seguintes termos:
[...]
No que se refere à impugnação à homologação da desistência da concordata formulada pelo Banco Industrial e Comercial S.A. (fls. 2024/2027), à fl. 2259 este comparece aos autos juntamente com a concordatária noticiando a existência de acordo celebrado entre ambos que engloba inclusive o crédito lançado na concordata, requerendo, por essa razão, a extinção do processo de concordata.
Como se vê, os dois motivos que levaram ao indeferimento do pedido de desistência da concordata não mais subsistem, isso por que, quanto ao crédito do BIC Banco, houve acordo entre as partes em ação revisional de crédito e concordância expressa do credor com a desistência da concordata; e, em relação ao pretenso crédito da Indústria e Comércio de Madeiras e Cereais Gaspari Ltda, consoante decisão do Egrégio Tribunal de Justiça, correta sua exclusão da lista original de credores, devendo a citada empresa postular o que entender de direito em ação autônoma.
Em relação ao pedido formulado pela União, acolho a promoção da representante do Ministério Público e indefiro-o, competindo à credora satisfazer-se na via ordinária, tendo em vista que não está sujeita a concurso de credores ou a habilitação em falência e concordata e, ademais, a liberação dos créditos em favor dos credores habilitados é o meio de cumprimento da concordata.
Dessa forma, viável a homologação da desistência da concordata preventiva de Móveis Rodial Ltda, com algumas ressalvas, a saber:
1. deverão ser respeitados os créditos habilitados, bem como liberados os valores depositados em favor dos respectivos credores;
2. quanto àqueles credores não habilitados na concordata, deverão buscar a satisfação de seus créditos nas vias ordinárias, observando-se o prazo prescricional cuja fluição recomeça a partir do trânsito em julgado desta decisão.
Diante do exposto, com a concordância da agente do Ministério Público (fls. 2159/2168) e dos credores habilitados, homologo o pedido de desistência da concordata formulado por Móveis Rodial Ltda e extingo a presente demanda, mercê do art. 267, VIII, do CPC, respeitadas as ressalvas acima.
Melhor sorte não socorre a embargada quando suscita a possibilidade de fraude pelos sócios, pois não fez prova nesse sentido. Não há elementos nos autos que permitam afirmar que tenha havido desvio de finalidade ou confusão patrimonial para atingir fins escusos ou diversos daqueles para os quais a empresa foi constituída.
Sobre o tema:
DIREITO PRIVADO NÃO-ESPECIFICADO. AÇÃO MONITÓRIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCABIMENTO. REQUISITOS NÃO-PREENCHIDOS. 1. Nos termos do art. 50 do Código Civil de 2002, o juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica autônoma da pessoa jurídica, estendendo aos sócios ou administradores a responsabilidade pelo adimplemento de suas obrigações, se demonstrado que a personalidade jurídica foi utilizada para fins escusos ou diversos daqueles para os quais foi constituída ou quando se verificar a confusão entre o patrimônio da pessoa jurídica e o dos sócios. 2. Consoante a interpretação conferida ao art. 50 do Código Civil pelo STJ, cuja função constitucional precípua é a uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional, o Direito Brasileiro, de regra, adotou a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, sua aplicação pressupõe não só a insolvência da pessoa jurídica, mas, também, o desvio de finalidade e/ou a confusão patrimonial. 3. Caso que não se conforma com quaisquer das hipóteses autorizadoras da desconsideração da personalidade jurídica. 4. Provimento do recurso. (Agravo de Instrumento Nº 70027415272, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 18/12/2008 – sem grifo no original).
Com efeito, a hipótese sob análise não comporta a desconsideração da personalidade jurídica, isso porque a homologação da desistência da concordata antes deferida faz presumir que existem bens ou ativos da pessoa jurídica capazes de suportar o cumprimento das obrigações avençadas, inclusive essa decorrente do contrato de factoring. Ademais, como já referido, a embargada não trouxe aos autos prova cabal de que tenham se implementado os requisitos elencados no art. 50 do Código Civil.
Por outro lado, o requerido Edson Sidney Guadagnin de Oliveira firmou o contrato de factoring na condição de fiador e, como tal, responsabilizou-se perante a contratada “pelos riscos e prejuízos dos títulos negociados, no caso de serem opostas exceções quanto à sua legitimidade, legalidade e veracidade” (cláusula 9ª) e, de acordo com a cláusula 15 do contrato (fl. 16), renunciou ao benefício de ordem e assinou-o como principal pagador, solidariamente responsável pelo cumprimento de todas as obrigações pactuadas.
Edson também foi citado nesta demanda e não se manifestou, não havendo porque afastar sua responsabilidade pela dívida de ofício. Frise-se que muito embora os requeridos Rodial e Heitor tenham apresentado embargos monitórios, nenhum se referiu a essa matéria específica, não sendo caso de aplicação do disposto no art. 320, inciso I, do Código de Processo Civil.
No que tange à dívida, os documentos trazidos com a inicial (fls. 64, 66, 68, 71, 73, 75, 76, 79, 81, 83, 85, 86) evidenciam a emissão irregular dos títulos, o que prejudica a execução dos clientes da faturizada. Como referido na fundamentação da ação revisional, tem a sociedade de fomento mercantil direito de exigir a recompra dos títulos viciados.
Assim, embora tenha sido afastada a desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora, pode ser o requerido Edson demandado diretamente pelo pagamento dos títulos na condição de fiador e garantidor solidário, pois assim se obrigou no contrato, pelo que, ausente contestação e comprovado o desconto de duplicatas viciadas, conforme informam os documentos das fls. 64, 66, 68, 71, 73, 75, 76, 79, 81, 83, 85 e 86, procede contra esse a ação monitória para converter em título executivo judicial as duplicatas cujas cópias se encontram às fls. 63, 65, 67, 69, 70, 72, 74, 77, 78, 80, 82, 84, 88, 89 e 90, no valor original de R$ 23.399,46.
(...)”.

Os argumentos expendidos no recurso de apelação não superam, de nenhum modo, os fundamentos da sentença apelada, que se confirma integralmente.
Não obstante, em apoio à sentença, e em justificação de meu voto, saliento, ainda, o seguinte.
O faturizado tem o dever de pagar as duplicatas irregularmente emitidas por ele ou cujo valor recebeu diretamente. O risco assumido pelo faturizador diz respeito apenas aos títulos regularmente emitidos e não pagos pelo devedor.
O factoring corresponde à aquisição, compra e venda ou cessão de crédito faturado de empresa, mediante remuneração consistente em desconto percentual do respectivo valor, que se motiva no risco, assumido pelo adquirente ou cessionário, dito factor, de não os cobrar e, eventualmente, de não os receber inteiramente.
No caso, o contrato, de fato, atribuía responsabilidade ao faturizado inclusive com relação ao inadimplemento dos títulos regularmente emitidos, cláusula afastada pela sentença, assim readequando o instrumento contratual à típica operação de factoring.
Não obstante, em que pese a faturizadora seja a detentora dos riscos do negócio, inclusive no que diz respeito à liquidação do crédito expresso nos títulos, no caso dos autos, tais créditos não foram recebidos pela faturizadora em razão do agir da faturizada, que cedeu títulos nulos, conforme referido na sentença apelada.
A faturizada deve, portanto, responder pelo adimplemento dos títulos irregularmente cedidos à faturizadora, conforme determinado na sentença recorrida.
Quanto ao mais, descabe a pretensão revisional da autora.
A revisão contratual faz-se caso por caso, não na sua amplitude genérica, em consonância com o objeto da ação revisional e monitória, limitada às duplicatas efetivamente em discussão e às características jurídicas do contrato de fomento mercantil.
O recurso de apelação insiste na revisão de toda relação negocial, contudo, não há nos autos qualquer demonstração ou especificação acerca dos demais títulos que teriam sido negociados mediante operações de factoring, salvos os que instruem a ação de revisão e a monitória, assim como não há discriminação de seus valores, o que impossibilita a análise acerca da eventual abusividade de tais contratações e dos encargos praticados pela credora.
O pedido revisional deve, pois, ficar limitado às duplicatas mercantis objeto da discussão judicial.
Seja como for, os juros admitidos pela sentença são os provenientes da demora, incidentes por previsão legal, e não superam 12% ao ano.
Para mais disso, observo que nos contratos de factoring não há incidência de juros propriamente ditos, mas sim do fator de compra (fator mensal), em que a remuneração é constituída pela diferença na compra dos direitos (créditos), ou seja, do resultado entre o preço de compra e o valor nominal dos títulos.
Finalmente, confirmo a sentença também no que tange à determinação de compensação dos honorários advocatícios, consoante o disposto na Súmula n. 306 do Colendo Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação, tudo conforme antes enunciado.
É o voto.

Des. Glênio José Wasserstein Hekman (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Rubem Duarte (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. RUBEM DUARTE - Presidente - Apelação Cível nº 70039115753, Comarca de Lagoa Vermelha: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME."

Juiz de Direito da sentença: Dr. Marcos Braga Salgado Martins