TJRS - DANO MORAL - NEGATIVA

EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL E AÇÃO MONITÓRIA. TÍTULOS DE CRÉDITO. FACTORING. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA FOMENTADORA.Sempre que exista afirmação de que o fomentador deixou de tomar cuidados na obtenção do crédito, detém ele legitimidade para responder à pretensão, podendo sim ser responsabilizado pela cobrança e protesto indevido do título, quando comprovado que já à época da negociação, a dívida inexistia.
São cuidados básicos determinados pela própria natureza do “serviço” prestado, e que, com o perdão da repetição, independem da natureza do título negociado.

EMBARGOS INFRINGENTES PROVIDOS, POR MAIORIA DE VOTOS.

EMBARGOS INFRINGENTES
QUINTO GRUPO CÍVEL    Nº 70024027997
VACARIA
CELESTINO DALAIO e VILSON DALAIO, EMBARGANTES;
SHAN FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA, EMBARGADA.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes do Quinto Grupo Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria de votos, em acolher os embargos infringentes, vencido o eminente Desembargador Tasso Caubi Soares Delabary, que desacolhia o recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN (PRESIDENTE), DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA, DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA, DES.ª ÍRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA, DES. ODONE SANGUINÉ E DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY.

Porto Alegre, 20 de junho de 2008.

DES.ª MARILENE BONZANINI BERNARDI,
Relatora.

RELATÓRIO

DES.ª MARILENE BONZANINI BERNARDI (RELATORA)

Trata-se de embargos infringentes interpostos por CELESTINO DALAIO e VILSON DALAIO, nos autos da ação cautelar de cancelamento de protesto que movem em desfavor de SHAN FACTORING FOMENTO MERCANTIL LTDA. e CARLOS ALBERTO PAGANELLA REPRESENTAÇÕES COMERCIAIS, FERTILIZANTES SERRANA.

De início transcrevo o relatório constante do acórdão atacado:

Adoto o relatório das fls. 178/179, aditando-o como segue:
Sobreveio sentença, julgando:
a) parcialmente procedente o pedido da ação ordinária para tornar definitiva a liminar concedida à fl. 33;
b) determinar o cancelamento do protesto e declarar a nulidade do título protestado frente aos demandantes;
c) condenar os réus a pagarem, solidariamente, aos autores a importância de R$ 8.000,00, a título de indenização por dano moral, atualizada monetariamente pelo IGP-M desde o ajuizamento da ação e acrescida de juros de mora de 01% ao mês desde a data da citação;
d) julgar improcedente o pedido deduzido na ação monitória.
No capítulo acessório da sentença, diante do decaimento mínimo dos autores, condenou os réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor atualizado da condenação. Na ação monitória, condenou a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% do valor atualizado da causa.
Irresignada, a Shan Factoring Fomento apelou (fls. 184-188). Salienta que, na condição de empresa de factoring, faturizou em favor de Carlos Alberto Paganella, fornecedor dos requeridos, um cheque no valor de R$ 16.866,00. Destaca que o fato de o faturizado não ter entregado as mercadorias aos emitentes não pode retirar o caráter de título extrajudicial da cártula, tampouco torná-la ilíquida e incerta. Pondera sobre o fato de o título ter circulado no mundo jurídico. Insurge-se, ainda, quanto ao pagamento de danos morais, pois apresentou para cobrança na data do vencimento. Pugna, ao final, pelo provimento do apelo.
Contra-razões acostadas às fls. 192-197, requerendo a manutenção da decisão.
Subiram os autos a esta Corte.

Sobreveio acórdão colocando a ementa nos seguintes termos:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. CHEQUE. CIRCULAÇÃO. ENDOSSO. FACTORING. INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ABSTRAÇÃO E AUTONOMIA. 

É consabido que o cheque, dotado dos atributos conferidos aos títulos de crédito, v.g. a autonomia e abstração, é passível, a teor do art. 17 da Lei nº 7.357/85, de circulação mediante endosso, sendo defeso, salvo comprovada má-fé do portador, opor exceções pessoais, consoante preceitua o art. 25 do mesmo diploma legal. Ao concreto, o título fora endossado à empresa de fomento, através de operação de factoring, figurando a mesma como terceira de boa-fé e legítima portadora. Precedentes jurisprudenciais. Improcedência da ação anulatória e procedência da ação monitória. Precedentes jurisprudenciais.

APELAÇÃO PROVIDA, POR MAIORIA, VENCIDO O EMINENTE DESEMBARGADOR JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA.

Inconformados com a decisão os autores interpuseram recurso de embargos infringentes. Repisando os argumentos expendidos em contra-razões de apelação, onde defenderam a manutenção da sentença, pediram fosse acolhido o recurso e reformada a decisão, mantendo-se hígida a condenação declarada em 1º grau.

Com as contra-razões, vieram os autos a mim, redistribuídos.

É o relatório.

VOTOS

DES.ª MARILENE BONZANINI BERNARDI (RELATORA)

Ilustres colegas!

Estou votando no sentido de dar provimento aos embargos infringentes.

Diversas vezes já manifestei entendimento no sentido de que as empresas de factoring, assim como as instituições financeiras que realizam tal tipo de “serviço”, recebendo títulos de crédito, ainda que não sob a modalidade de endosso-translativo, devem responder civilmente pela inobservância de cuidados básicos em tal prática.

Importa dizer que sempre que exista afirmação de que o fomentador deixou de tomar cuidados na obtenção do crédito, detém ele legitimidade para responder à pretensão, podendo sim ser responsabilizado pela cobrança e protesto indevido do título, quando comprovado que já à época da negociação, a dívida inexistia.

São cuidados básicos determinados pela própria natureza do “serviço” prestado, e que, com o perdão da repetição, independem da natureza do título negociado.

Pelo exposto é que estou por acolher a tese defendida pelo voto vencido, que negava provimento e mantinha a sentença, posta nos seguintes termos:

“(...)
As preliminares de impossibilidade jurídica do pedido e inépcia da inicial confundem-se com o mérito e como tal serão enfrentadas.
Restou incontroversa a existência de relação comercial entre Celestino Dalaio e Vilson Dalaio e o réu Carlos Alberto Paganella Representações Comerciais Fertilizantes Serrana.
Celestino e Vilson emitiram o cheque em debate em favor de Carlos Alberto, para pagamento da primeira parcela referente à compra de adubo fertilizante, mercadoria que não foi entregue aos adquirentes, fato confessado por Carlos Alberto na contestação da ação ordinária.
Embora a mercadoria não tenha sido entregue a Celestino e Vilson, Carlos Alberto repassou o cheque em discussão para a empresa Sham Factoring, que o apresentou e protestou e o utilizou para ajuizar ação monitória contra Celestino. Estas informações estão corroboradas pela declaração prestada por Carlos Alberto Paganella (fl. 13 da ação ordinária).
O cheque em questão, nº 694767, no valor de R$ 16.866,00, foi emitido por Celestino e Vilson em 1º/04/2003, pós-datado para 30/06/2003. Em 09/04/2003 os emitentes do cheque solicitaram sua sustação (fls. 14/15 da ação ordinária). Mesmo assim, o cheque foi repassado à empresa Sham Factoring, que o protestou em 04/08/2003 (conforme documento da fl. 16 da ação ordinária).
Todos estes fatos relatados demonstram a responsabilidade tanto de Carlos Alberto, que fez circular um título referente a negócio jurídico não concretizado, quanto da empresa Sham Factoring, que, indevidamente, colocou em cobrança um título sem tomar qualquer providência no sentido de verificar a validade da cártula.
A relação de ‘factoring’ havida entre Carlos Alberto e a Sham Factoring caracteriza-se como contrato de prestação de serviço (art. 36, XV da Lei 8.981/95), no qual o faturizador recebe do faturizado a cessão de créditos, configurando-se em negócio de risco para o faturizador, por isso é que este cobra o chamado deságio.
NA hipótese de ser inadimplido o título, não é dado ao faturizador buscar regresso contra o faturizado, mas somente contra o devedor originário, salva quando há discussão envolvendo vício no negócio subjacente.
No caso em tela, está claro que o negócio que originou a emissão do título não se realizou, tendo em vista que a mercadoria não foi entregue, não podendo responsabilizar os emitentes do cheque pelo respectivo pagamento.
Neste sentido é o entendimento do eg. TJRS:

CONTRATO DE FACTORING. EMISSAO DE NOTA PROMISSORIA. SOLVENCIA DOS TITULOS. EM CONTRATO DE FACTORING O FATURIZADO NAO RESPONDE EM GARANTIA PELA SOLVENCIA DOS TITULOS QUE TRANSFERIU, SALVO EM CASO DE INEXISTENCIA, NULIDADE OU VICIO DO CREDITO, O QUE SEQUER FOI ALEGADO NOS AUTOS. APELACAO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 598548345, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 23/03/1999)

EMBARGOS A EXECUCAO. PROMISSORIAS DADAS EM GARANTIA A CONTRATO DE FACTORING. NULIDADE DOS TITULOS. NO CONTRATO DE FACTORING, AO RECEBER OS TITULOS CEDIDOS PELO FATURIZADO, O FATURIZADOR ASSUME O RISCO DE NAO RECEBER OS VALORES. APENAS CABE DIREITO DE REGRESSO CONTRA O FATURIZADO QUANDO A DIVIDA CEDIDA ESTA EIVADA DE VICIO. TENDO AS NOTAS PROMISSORIAS SIDO EMITIDAS COMO GARANTIA DOS CHEQUES CEDIDOS, E NAO TENDO A EMBARGADA COMPROVADO QUE NAO DESCONTOU TAIS CHEQUES OU QUE OS DEVOLVEU A EMBARGANTE, NULAS SAO AS NOTAS PROMISSORIAS, POIS INEXISTENTE A DIVIDA QUE PRETENSAMENTE REPRESENTA. SENTENCA QUE JULGOU PROCEDENTE OS EMBARGOS, DECLARANDO EXTINTA A EXECUCAO. APELO IMPROVIDO. ***************************************************************** (Apelação Cível Nº 70001949700, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cacildo de Andrade Xavier, Julgado em 13/03/2002)

Destarte, verifica-se que o julgamento de procedência da ação ordinária é medida que se impõe, com o cancelamento do protesto indevido e conseqüente anulação do título em debate.

Corolário lógico do julgamento de procedência da ação ordinária é o julgamento de improcedência da ação monitória, pois, conforme já referido, os demandados nada devem, já que o negócio relacionado ao cheque não se concretizou.

Ademais, não há dúvida de que o protesto foi realizado de forma irregular, o que impõe o dever de indenizar o dano moral sofrido pelos emitentes do cheque, devido aos percalços e dissabores que este tipo de situação ressabidamente causa.

É de ser ressaltado que o dano moral, nesses casos, não precisa ser provado, pois é presumido. Até porque, de regra, a manifestação danosa ocorre no interior do ser humano, violando seus sentimentos, de modo que se afigura difícil, senão impossível, a realização da prova.

(...)

Pelo exposto é que estou votando pelo provimento dos embargos infringentes.

DES. ODONE SANGUINÉ (REVISOR)

Eminentes colegas:

1. A discussão nos presentes embargos infringentes está restrita fundamentalmente a se a empresa Shan Factoring Fomento Mercantil Ltda. também responde, no caso solidariamente, como decididiu a sentença e o voto vencido prolatado pelo eminente Des. Jorge Alberto Pestana, com o faturizado Carlos Alberto Paganella Representações Comerciais, Fertilizantes Serrana, por cobrar um dos três cheques pós-datados emitidos sem verificar a regularidade e validade da cártula recebida por endosso, ou se, tal como declararam os votos majoritários vencedores dos Des. Paulo Frantz e Paulo Kretzmann, em conseqüência dos princípios da autonomia e abstração, que regem os títulos de crédito, como a empresa faturizadora não tinha conhecimento da falta de entrega do adubo fertilizante, não comprovada sua má-fé, não deve indenizar por danos moais em razão do protesto, porquanto inoponíveis por parte do emitente do título as exceções pessoais ao portador do cheque não integrante do negócio jurídico subjacente, nos termos do art. 25 da Lei nº 7.357/85.

2. Em precedente da 9ª Câmara Cível, de minha relatoria, posicionei-me no sentido de que, havendo o endosso do cheque, descabe a discussão do negócio jurídico subjacente, porquanto inoponíveis, nos termos do art. 25, da Lei do Cheque, as exceções pessoais ao portador do cheque em razão de operação de ‘factoring’, salvo se houver ciência de mácula no negócio subjacente, em razão dos princípios da autonomia e abstração do art. 17 da Lei Uniforme de Genebra, verbis: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. ACAO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO. SUSTAÇÃO DE PROTESTO. CHEQUE. ENDOSSO A TERCEIRO DE BOA-FÉ. DISCUSSÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. IMPOSSIBILIDADE. EXCEÇÕES PESSOAIS INOPONÍVEIS AO PORTADOR DO CHEQUE EM RAZÃO DE OPERAÇÃO DE `FACTORING’, SALVO SE HOUVER CIÊNCIA DE MÁCULA NO NEGÓCIO SUBJACENTE. 1. Descabe a discussão do negócio que deu origem ao cheque quando o mesmo já foi posto em circulação e encontra-se em posse de terceiro, que, não havendo prova em contrário, presume-se de boa-fé. Conforme entendimento há muito assentado na doutrina e na jurisprudência, a regra da inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros possuidores de boa-fé é corolário do Princípio da Abstração, que, por sua vez, é extensão do Princípio da Autonomia e está consagrado no art. 17 da Lei Uniforme de Genebra, bem como no art. 25 da Lei do Cheque. As obrigações decorrentes do cheque são autônomas e independentes, nos termos do art. 13, caput, da Lei 7.357/85, sendo inadmissível admitir a recusa do pagamento sob a simples alegação de ¿ausência de causa debendi¿, sem que haja a comprovação da existência de um motivo relevante, como a ocorrência de roubo, apropriação indébita, extravio ou incapacidade do portador, ou ainda, um vício de vontade. 2. Ademais, ainda que o cheque tenha sido transmitido à embargada em razão de operação de factoring, não se desnatura o título de crédito, persistindo a regra de sua autonomia e independência do negócio jurídico que lhe deu causa, além da prevalência da literalidade do título, ante a ausência de comprovação de má-fé do portador do título. 3. Assim, não prospera o pleito de declaração de inexigibilidade de título, porquanto a emissão e a circulação dos títulos atenderam aos princípios do direito cambiário, não apresentando qualquer irregularidade, nem tampouco, demonstrada a má-fé da empresa ré. 4. Sucumbência mantida. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70020048070, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 04/12/2007).

Nessa esteira também vem se posicionando o egrégio Superior Tribunal de Justiça, conforme se vê da seguinte ementa: “Execução. Cheques pós-datados. Repasse à empresa de factoring. Negócio subjacente. Discussão. Possibilidade, em hipóteses excepcionais.- A emissão de cheque pós-datado, popularmente conhecido como cheque pré-datado, não o desnatura como título de crédito, e traz como única conseqüência a ampliação do prazo de apresentação. - Da autonomia e da independência emana a regra de que o cheque não se vincula ao negócio jurídico que lhe deu origem, pois o possuidor de boa-fé não pode ser restringido em virtude das relações entre anteriores possuidores e o emitente. - Comprovada, todavia, a ciência, pelo terceiro adquirente, sobre a mácula no negócio jurídico que deu origem à emissão do cheque, as exceções pessoais do devedor passam a ser oponíveis ao portador, ainda que se trate de empresa de factoring.- Nessa hipótese, os prejuízos decorrentes da impossibilidade de cobrança do crédito, pela faturizadora, do emitente do cheque, devem ser discutidos em ação própria, a ser proposta em face do faturizado” (Recurso especial não conhecido. (REsp 612423 / DF, 3ª T., STJ, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 01/06/2006, DJ DJ 26.06.2006 p. 132).

3. No caso em julgamento nestes infringentes, os embargantes alegam que Carlos Alberto fez circular título sem causa subjacente e a empresa de ‘factoring’, não diligenciou para aferir a validade do negócio jurídico subjacente, cobrando, protestando e ajuizando com base em um dos cheques ação monitória, assumindo os riscos da transação. Na contestação (fls. 50-51), a faturizadora admite que antes do protesto o emitente dos cheques esteve na empresa tentando negociar o cheque. Sendo assim, nesta hipótese específica, alertada pelo emitente de eventual da ausência de causa subjacente, a conduta de levar avante o protesto e cobrança, especialmente numa operação que envolve risco (e por isso o deságio), responde por eventuais danos que porvertura ocorram. Destarte, comprovada, a ciência, pelo terceiro adquirente, ainda que se trate de empresa de ‘factoring’, sobre a mácula no negócio jurídico que deu origem à emissão do cheque, as exceções pessoais do devedor passam a ser oponíveis ao portador.

Em razão do exposto, acolho os embargos infringentes para restaurar os comandos da sentença de primeiro grau.

É o voto.

DES. JORGE ALBERTO SCHREINER PESTANA - De acordo com a Relatora.

DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN (PRESIDENTE) - De acordo com a Relatora.

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA - De acordo com a Relatora.

DES.ª ÍRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA

Colegas. Estou em acompanhar o entendimento esposado por parte da eminente Desembargadora Marilene Bonzanini Bernardi.

Conforme já destacado em inúmeras oportunidades, o factoring não implica mero endosso de título, mas sim cessão de crédito, de tal modo que a
faturizadora, em operação que lhe é financeiramente vantajosa, assumindo o crédito, assume também o risco de eventual não recebimento. Substitui-se ao anterior credor, razão pela qual podem ser-lhe opostas todas as exceções cabíveis perante o credor originário.

Nesse sentido o entendimento da jurisprudência deste Tribunal de Justiça, consubstanciado no voto paradigmático proferido pelo eminente Desembargador Carlos Cini Marchionatti na Apelação Cível n° 70005182290, julgada em 11.12.2002 pela Vigésima Câmara Cível:

“Duplicata. Faturização. Cerceamento de defesa. Honorários.
Ação principal de anulação de título e cautelar sustação de protesto. Cessão de crédito à empresa de factoring. Reiteração de requerimento de prova da contestação por ocasião da apelação. Arbitramento de honorários.
As atividades de empresa faturizadora distanciam-se das instituições financeiras, dentre outras razões, porque seus negócios não se abrigam no direito de regresso nem na garantia representada por aval ou endosso (REsp nº 119.705/RS).A transferência do título à empresa de factoring importa cessão onerosa de crédito (CC, 1.072 e 1.073). Pode opor-se ao cedente ou ao cessionário as exceções que competirem. Por assumir este risco, é ônus da factoring, como cessionária, a comprovação da realização do negócio jurídico, quando negado pela devedora e representado apenas por nota fiscal sem comprovação da entrega da mercadoria e duplicata sem aceite (artigo 15 da Lei nº 5.474/68). Inexistindo demonstração ou aceite, é nula a duplicata e incabível seu protesto.
Inexistência de cerceamento de defesa, se a parte, indagada sobre provas que pretende produzir, omite pronunciamento.
Honorários que devem ser majorados, por arbitramento eqüitativo.”

E, no corpo do acórdão:

“(...)
No mérito, a primeira demandada, como faturizadora, porque empresa que presta serviços de factoring ou de faturização, recebeu a duplicata mediante contrato de faturização, tendo sido a duplicada cedida pela segunda demandada, como faturizada, que o extraiu a partir de nota fiscal de venda de mercadorias entre a segunda demandada e a demandante (fls. 7 e 39-43).
Em se tratando de faturização, o faturizador assume determinados riscos, relativos à solvência e à inadimplência quanto ao crédito cedido.
Tanto é assim que a taxa de juros que cobra vincula-se à assunção de riscos, e o próprio instrumento contratual de faturização deve estabelecer quais as hipóteses em que a faturizada responde pelos créditos cedidos.
Não se dispõe, porém, da íntegra do instrumento contratual.
Como seja, é inerente à espécie contratual as hipóteses de risco assumidas pela faturizadora e aquelas pelas quais a faturizada responde pelos créditos cedidos.
Concisamente, pode-se dizer que o factoring é um contrato de compra e venda de créditos de curto prazo, instrumentado por cessão pro soluto, mediante dedução ou descarte, no ato do pagamento, dos interesses incidentes, que remuneram o cessionário pelo risco assumido (Aramy Dornelles da Luz, em “Negócios jurídicos bancários: o banco múltiplo e seus contratos”, página 258, verbete conceito).
Extingue-se ao cumprimento da obrigação que o motiva. Inadimplida, o risco, como recai sobre o factor, não o revifica, salvo existência de exceção relativa à veracidade do crédito ou legitimidade do documento pelas quais responde o cedente (idem, p. 260).
Sabe-se também que as atividades realizadas pelas empresas de factoring, embora análogas às operações de desconto bancário, distanciam-se das atividades das instituições financeiras, dentre outras razões, porque não se abrigam no direito de regresso nem na garantia representada pelo aval ou endosso (neste sentido REsp nº 119.705/RS, Relator Ministro Waldemar Zveiter).
A transferência do título do credor, como cedente, à empresa de factoring, como cessionária dele, importa cessão onerosa de crédito, como prevêem os artigos 1.072 e 1.073 do Código Civil em vigor (no novo Código Civil, artigos 294 e 295).
Daí se infere ser ônus da factoring, como cessionária, a comprovação da realização do negócio jurídico, quando negado pela devedora ou representado apenas por nota fiscal sem comprovação da entrega da mercadoria e duplicata sem aceite (Lei nº 5.474/68, artigo 15, e Código de Processo Civil, artigo 333, inciso I).
Inexistindo demonstração ou aceite, é nula a duplicata e incabível o protesto, daí a procedência dos pedidos principal e cautelar, conforme respeitável sentença, com a qual se está de acordo.
A cessionária ou faturizadora pode ter ação contra o suposto credor, como cedente ou faturizado, que, como tal, deve responsabilizar-se pela veracidade do crédito e legitimidade do documento e responder pela restituição dos valores que recebeu da cessionária.
Além disso, as partes reciprocamente denunciam atuação de má fé da parte adversa, ou porque a cessionária saberia da inexistência de dívida, mesmo assim a cobrando através de seu encaminhamento a protesto, ou porque haveria conluio entre a cedente e a devedora, prejudicial à cessionária.
Nada disso se prova, a despeito da seriedade das alegações.
A dimensão do caso é outra, como já se observou.
A empresa faturizadora, ao pagar pelo título à cedente, assume o risco de exceções oponíveis à sua cobrança. É inerente ao negócio, ainda que se acautele ao máximo, mas como, no caso, não se acautelou, na medida em que não dispõe de comprovante da entrega da mercadoria ou aceite da duplicada. Daí o seu ônus probatório, conforme o caso e como ocorre.
Em que pese a apresentação de nota fiscal, talvez demonstrando a saída da mercadoria, não ficou comprovada sua entrega, que tornaria exigível a duplicata emitida e que ficou sem aceite.
Tratando-se de duplicata sem aceite, faz-se necessária a demonstração ou comprovação da entrega da mercadoria.
Via de regra dá-se mediante assinatura da devedora, como compradora, junto à nota fiscal ou em documento em separado, quanto não seja concomitante ao aceite da duplicata, se emitida na ocasião.
Tal prova, como bem mencionado na sentença, constituía “ônus da empresa vendedora que, através do endosso cessão, passa a ser ônus da faturizadora, a sua falta acarreta a nulidade do título, pois se põe em dúvida a liquidez, certeza e exigibilidade do título”.
Assim e quanto à apelação da demandada, como cessionária ou faturizadora, manteria a respeitável sentença e não lhe daria provimento. (...)”

Tem-se, ainda, a análise do tema encontrada na Apelação Cível n° 70007043193, de relatoria da Desembargadora Elaine Harzheim Macedo, julgada em 30.09.2003 pela Décima Sétima Câmara Cível deste Tribunal:

“AÇÃO CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. AÇÃO ORDINÁRIA DE ANULAÇÃO DE TÍTULO CAMBIÁRIO (CHEQUE) TRANSFERIDO MEDIANTE CESSÃO DE CRÉDITO. FACTORING. PROTESTO INDEVIDO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO. ARTIGOS 1069 E 1072 DO CÓDIGO CIVIL ANTERIOR.
PRELIMINAR. PROPOSITURA DA AÇÃO PRINCIPAL NO TRINTÍDIO LEGAL. ART. 806 DO CPC. (...) MÉRITO. Na operação de faturização não há endosso, mas, sim, cessão de crédito. O faturizador assume o risco sobre o recebimento, podendo, em relação a ele, ser oposta exceção que caberia frente ao beneficiário originário.
Caso em que a faturizadora não providenciou na notificação prevista no art. 1069 do Código Civil anterior, como forma de informar ao devedor acerca do título cedido. (...)”

Além disso, seguindo essa linha, assume também a faturizadora o encargo de verificar junto ao pretenso devedor a validade e regularidade do título, bem como notificá-lo da cessão de crédito ocorrida, com fulcro no artigo 290 do Código Civil , possibilitando-lhe, assim, a objeção do título, cuidados inerentes à sua atividade os quais, acaso não observados, dão origem à sua responsabilidade por danos porventura causados, tais o protesto indevido do título objeto da faturização.

É como voto.

DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY

Eminentes Colegas, muito respeitando os judiciosos argumentos em contrário, estou em desacolher os presentes embargos infringentes, na esteira do voto vencedor do julgamento da apelação.

Isso porque a empresa embargada, endossatária de boa-fé que recebeu todos os direitos emergentes da cambial (artigo 14 da Lei Uniforme de Genebra), não pode ser responsabilizada por conduta atribuída ao endossante, eis que não são oponíveis contra aquela as exceções fundadas na relação pessoal havida entre as partes após se opere a circulação do título – nos termos do artigo 17 da LUG.

Dito isso, estou desprovendo os embargos infringentes.

DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN - Presidente - Embargos Infringentes nº 70024027997, Comarca de Vacaria: "POR MAIORIA DE VOTOS, ACOLHERAM OS EMBARGOS INFRINGENTES, VENCIDO O EMINENTE DESEMBARGADOR TASSO CAUBY SOARES DELABARY, QUE DESACOLHIA O RECURSO."

Julgador de 1º Grau: Dr. André Vorraber Costa

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