TJRS - CHEQUE - EXECUÇÃO

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FATURIZAÇÃO. CESSÃO DE CRÉDITO.  Na faturização, há pelo credor originário a transferência de um crédito à empresa de factoring que o recebe por cessão de crédito ou endosso por faturização, esse último não se confundido com endosso cambiário. A ausência de notificação do devedor, o que implica na ineficácia da cessão de crédito em relação a ele, não afasta a legitimidade do cessionário de promover a execução. Abre-se ao devedor a possibilidade de apresentar exceções pessoais que por ventura existam em relação ao credor originário, incumbindo-lhe a prova efetiva do que venha a alegar. No caso em liça, deixou a embargante/devedora/apelada de demonstrar, satisfatoriamente, que veio a sustar o cheque objeto de execução porquanto o contrato firmando com o primeiro beneficiário não fora cumprido. Improcedência dos embargos assentada. Inversão dos ônus sucumbenciais. APELO PROVIDO.

APELAÇÃO CÍVEL
QUINTA CÂMARA CÍVEL
REGIME DE EXCEÇÃO
Nº 70003260056 
COMARCA DE PORTO ALEGRE
FACTORI MERCANTIL LIBRELOTTO APELANTE
ONEIDA SANTUCCI BENES APELADO

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os integrantes da Quinta Câmara Cível - Regime de Exceção do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em prover o apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Clarindo Favretto (Revisor e Presidente) e Des. Leo Lima.
Porto Alegre, 23 de outubro de 2003.

DR. ANTONIO VINICIUS AMARO DA SILVEIRA,
Relator.

RELATÓRIO
DR. ANTONIO VINICIUS AMARO DA SILVEIRA (RELATOR)
FACTORI MERCANTIL LIBRELOTTO apelou da sentença que julgou procedentes os embargos manejados por ONEIDA  SANTUCCI  BENES à execução promovida pela recorrente.

Argumentou, em razões, que não houve cessão, tanto que sequer fora ventilado tal fato na inicial dos embargos. Afirmou que não há prova nos autos de que efetivamente o negócio que ensejou a emissão do cheque não fora perfectilizado, a ensejar a sua sustação. Asseverou que em momento algum fora contestada a sua boa-fé. Ponderou que, ao permanecer o decisório de primeiro grau, derrogados estarão os princípios da autonomia e da abstração.

Requereu, ao fim, o provimento do recurso para o fim de ver reformada a sentença.

Apresentadas contra-razões, nas quais pugnou a recorrida pela manutenção do decisum.

Subiram os autos a esta Corte a após redistribuição, vieram eles conclusos para julgamento.

É o breve relatório.

VOTOS

DR. ANTONIO VINICIUS AMARO DA SILVEIRA (RELATOR)

Assiste razão ao recorrente.

Inicialmente assento que a circunstância de não restar alinhada, na inicial de embargos, a possível ocorrência de cessão de crédito, o que tem por efeito a oponibilidade ao cessionário das exceções pessoais que teria o emitente do cheque, no caso em liça, em relação ao credor originário, não vem a excluir do Julgador a análise da natureza da relação jurídica material apresentada, notadamente porque ao juiz os fatos são informados para que venha ele prestar a jurisdição. 

Feito o registro, no mesmo trilho do que fora consignado pelo nobre Julgador, o título apresentado à execução, ao recorrido, porquanto empresa de factoring, o fora alcançado mediante cessão de crédito por faturização e não endosso cambial, institutos esses que não se confundem. Enquanto o primeiro diz com ato derivado e causal, o segundo, o qual sustenta o irresignante a ocorrência, é forma particular de alienação do título de crédito com os direitos a ele inerentes que implica na desvinculação da cártula da causa que lhe dera origem.

Necessário se faz pontuar que com a faturização há transferência de um crédito que pode se dar através de cessão de crédito ou endosso por faturização que não se confunde com o endosso cambial.

Em realidade, para fins de caracterização da operação de factoring, irrelevante se afigura o modo com que se deu a transferência, seja ela por cessão, seja por endosso.

A identificação de uma operação de faturização se dá justamente no fim a que ela se destinou. Pretendendo o credor originário transferir somente o título de crédito, faturização não há. Todavia, se a transferência se dá do crédito o qual vem estampado na cártula, operada restou a faturização, sendo o factor parte legítima a buscar junto ao devedor originário o crédito, oportunizando-se ao último, como se verá, ampla discussão da relação.

Não há desprezar a espécie de serviço prestada pela irresignante. A habitualidade, a comercialidade e o profissionalismo do serviço prestado pela apelante vêm a demonstrar que o título lhe fora alcançado em virtude de uma transferência de crédito.

Em realidade, com a faturização, o credor originário vem a transferir a terceiro - que é a empresa de factoring que, em última análise presta um serviço, alcançado ao primeiro determinada quantia (a qual corresponde em valor a menor do título transferido) - um crédito, sem que, em sua grande maioria,  haja a  intervenção do devedor.

Comumente não se evidencia, como no presente, a notificação do devedor, do que decorre a ausência de eficácia da referida cessão em relação a ele, consoante dicção do art. 1.069 do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos, hoje reproduzido no art. 290 da nova legislação civilista. Por conseqüência, ao emitente da cártula possibilita-se a oposição de exceções pessoais que por ventura existam em relação ao cedente, anterior beneficiário. 

Acerca da oponibilidade de exceções pessoais ao cessionário, esta Corte já se manifestou:

MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. FACTORING. CESSÃO DE CRÉDITO. Não se aplica a inoponibilidade das exceções pessoais quando não há endosso, mas mera cessão de crédito.  O cessionário responde como credor original, sendo oponíveis as exceções pessoais que originaram o título. Não tendo se concretizado a operação de compra e venda que originou o cheque, era caso de decreto de procedência dos embargos. Apelo improvido. (Apelação Cível N.º 70001973668, Décima Segunda Câmara Cível, Rel. Desa. Ana Maria Nedel Scalzilli, julgado em 09/08/2001)

Desnecessária se afigura, para que venha o cessionário, cuja legitimidade para promover a execução resta esculpida no art. 567, II, do Código de Processo Civil, r. vênia, a notificação do devedor, sendo, pois, afastada a exigência legal estatuída no § 1º do art. 42 do diploma processual.

Nesse sentido, já se posicionou o C. Supremo Tribunal Federal:

Tendo-se dado a cessão de direito, na conformidade do disposto no art. 567, inciso II, do CPC, pode o cessionário promover a execução forçada, sem aplicação no art. 42, §1º, do mesmo Código’ (STF – Pleno, RE 97.461-0-AgRg-RJ, rel. Min. Aldir Passarinho, j. 20.08.86, p. 17.143)

Portanto, possui legitimidade a propor a ação executiva aquele que recebeu o cheque via cessão, como ocorreu no caso em tela, facultando-se ao devedor, como a recorrida o fez, apresentar exceção pessoal que diz, consoante tese sustentada pela embargante/recorrida, com o descumprimento da obrigação assumida pelo primeiro credor da cártula, o que lhe possibilitou a sustação do cheque emitido.

Ao devedor, pois, isto é, à apelada, incumbe a efetiva prova dos motivos que ensejaram a sustação do cheque apresentado à execução.

Em caso análogo, este Tribunal já apreciou a matéria:

EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. ALEGAÇÃO DE PAGAMENTO ANTECIPADO REFERENTE À PRESTAÇÃO DE SERVIÇO NÃO SATISFEITO. SUSTAÇÃO DE CHEQUE. LEGITIMIDADE DE PARTE. ÔNUS DA PROVA. Tem legitimidade para propor a ação de execução, quem recebeu cheque através de cessão. Cabe à embargante-devedora comprovar os motivos pelos quais sustou o cheque objeto da ação de execução. Sentença que julgou procedentes os embargos. Preliminar rejeitada. Apelo provido. (apelação cível N.º 70001999069, Sexta Câmara Cível, TJRS, Rel. Des. Cacildo de Andrade Xavier, julgado em29/5/2002)

Ao que emerge dos autos, deixou a apelada de comprovar, satisfatoriamente, ônus que lhe incumbia, que não foram entregues os celulares objeto da transação que ensejara a emissão do cheque. Somente a sustação do titulo não vem a demonstrar que descumprida fora a obrigação. Há, em realidade, um início de prova que não se presta a agasalhar a tese veiculada de que não houve a entrega dos telefones na data aprazada, o que autorizou a apelada a sustar o pagamento da cártula, como procedeu.

Assim sendo, há assentar (a)  ocorrência  de  cessão de crédito, (b) a possibilidade do manejo executivo e, em virtude da ausência de prova efetiva acerca da exceção pessoal veiculada pela recorrida, (c) a improcedência dos embargos à execução manejados.

Com essas considerações, estou, pois, provendo o apelo ao efeito de julgar improcedentes os embargos, invertendo-se, por corolário lógico, os ônus sucumbenciais.

É, pois, como voto.

DES. CLARINDO FAVRETTO (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo.
DES. LEO LIMA - De acordo.

Julgador de 1º Grau: EDUARDO JOAO LIMA COSTA

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