TJSP - CHEQUE - INOPONIBILIDADE DE EXCESSÕES AO TERCEIRO DE BOA-FÉ - FACTORING

EMBARGOS À EXECUÇÃO. Cheque.Legitimidade ativa de seu portador. Emissão não negada. Princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé. Inexistência de revelação de abusividade. Improcedência mantida. Aplicação do art. 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Recurso não provido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

11ª Câmara de Direito Privado

Registro: 2012.0000132277

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 9055231-44.2009.8.26.0000, da Comarca de Americana, em que é apelante PALI TRANSPORTES LTDA sendo apelado GREEN PAPER FACTORING LTDA.

ACORDAM, em 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores GILBERTO DOS SANTOS (Presidente) e MOURA RIBEIRO.

São Paulo, 29 de março de 2012.

Rômolo Russo

RELATOR

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

11ª Câmara de Direito Privado

Apelação nº 9055231-44.2009.8.26.0000 - Americana 2/6

Voto nº 4337

Apelação nº 9055231-44.2009.8.26.0000

Comarca: Americana - 4ª VC

Ação: Embargos à Execução

Apelante: Pali Transportes Ltda

Apelado: Green Paper Factoring Ltda

EMBARGOS À EXECUÇÃO. Cheque.Legitimidade ativa de seu portador. Emissão não negada. Princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé. Inexistência de revelação de abusividade. Improcedência mantida. Aplicação do art. 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Recurso não provido.

Da r. sentença que julgou improcedentes os embargos à execução (fls. 64/67), apela o vencido, asseverando, em síntese, que: a) preliminarmente, não celebrou negócio jurídico com a embargada, razão pela qual pugna pela extinção da execução, por ilegitimidade ativa; b) no mérito, o título deve ser declarado nulo, por constituir alicerce para realização de negócio jurídico ilícito.

Recurso tempestivo, preparado, devidamente processado e respondido (fls. 87/94).

É o relatório.

Inexorável a manutenção da r. sentença recorrida.

De plano, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa.

Com efeito, o ato jurídico de saque de cheque legitima seu portador a propor ação de execução.

Ademais, trata-se de título de crédito que goza de literalidade, autonomia, independência e abstração (artigos 13 e 25 da Lei nº 7357/85).

O eminente JOÃO EUNÁPIO BORGES (Títulos de Crédito, 1971, pp. 7/9) doutrina que pelo princípio da literalidade, o teor do título determina a existência, conteúdo e
extensão do direito por ele expresso; da autonomia decorre que somente há possibilidade de oposição de exceções entre as partes originárias da relação jurídica consubstanciada no título de crédito; a independência (completezza) indica a completude do título sem a necessidade de remissão a elementos externos; e por fim, o título de crédito está dotado de abstração do negócio jurídico subjacente à sua emissão do título (astratteza), sendo que após a circulação, a abstração do título se intensifica, tornando a obrigação destituída de causa (Kausaloss).

De igual modo, o insigne PONTES DE MIRANDA (Tratado de Direito Cambiário, vol. IV, 1982, p. 157) preleciona que a emissão do cheque, ainda que para a datio in
solutum de obrigação pecuniária, constitui relação jurídica nova e diversa do negócio jurídico que lhe é subjacente, razão pela qual a subscrição da cártula constitui declaração de vontade de ordem de pagamento, tornando o cheque válido e suscetível de eficácia.

Além disso, útil lembrar que doutrina FRAN MARTINS que o cheque é um \'quase dinheiro\', de sorte que sua emissão há de ser alvo de cautela de quem o emite com elo em negócio jurídico subjacente.

Nesse percurso, o cheque que instrui a inicial basta à comprovação do crédito em cobro, sem a necessidade de demonstração da causa debendi, entendimento que vem sendo tranquilamente acolhido pelo E. Superior Tribunal de Justiça: Recurso Especial nº 801.715/MS, Quarta Turma, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI; Recurso Especial nº 537.038/RS, Quarta Turma, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES; e, Agravo Regimental no Agravo nº 564.892/RS, Quarta Turma, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO.

Afasto, pois, tal temática.

Superada essa questão processual, verifica-se que o apelante consentiu livremente em documentar sua dívida através do cheque executado e, consequentemente, a
submeter-se ao regime jurídico cambiário.

Neste aspecto, marque-se que os títulos de crédito têm como características próprias a circulabilidade, a negociabilidade e a executividade, de forma que circulam e são negociados facilmente (endosso/ao portador), além de que sua cobrança (execução extrajudicial) realiza-se de forma mais célere. Tal se afina à essência daqueles.

Igualmente, verifica-se que o cheque foi transferido à embargada, de modo que se desvinculou do negócio jurídico original, passando a gozar de abstração (princípio da autonomia), devendo ser pago a partir de então a quem se apresentasse como legítimo titular do crédito neles contido.

Nesse horizonte, está pacificado o entendimento que reconhece a inoponibilidade das exceções pessoais do devedor ao terceiro portador do título de boa-fé, eis que eventuais discussões não fundadas no título devem se restringir à existência ou não da boa-fé do terceiro, endossatário ou não, o que não guarda espelho fático nos autos do processo.

Ou seja, a exceção é oponível se houver má-fé. Rubens Requião, nesse ponto, doutrina que, in verbis:

“O terceiro pode ter sua boa-fé contestada, ficando demonstrada, por exemplo, que não passa de um testa-de-ferro do autor, ou que com ele se conluiou procedente nessa hipótese contra ele a recusa de pagamento de pagamento, tornado-se oponível a exceção.” (Curso de Direito Comercial, V. 2, 25ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 469, item 602)

Por esse pendor, tem-se que a apelada, ao receber o cheque indicado na inicial, assumiu a condição de terceira de boa-fé, sendo a ela aplicável o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais (artigo 25 da Lei n. 7.357/85).

Ademais, verifica-se que o apelante não logrou êxito em comprovar má-fé por parte da portadora da cártula, ônus que era de sua incumbência (artigo 333, inciso I, do CPC).

Dentro dessa quadra, é de rigor a manutenção da improcedência dos embargos.

No mais, ausente qualquer elemento nos autos capaz de alicerçar conclusão diversa, é de rigor a manutenção da r. sentença de primeiro grau que deu ao caso solução jurídica adequada, ficando albergados seu fundamentos jurídicos, conforme autoriza o artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, in verbis:

Art. 252. Nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la.

Nesta Seção de Direito Privado o referido comando regimental tem sido largamente utilizado, quer para evitar repetições desnecessárias, quer para atender ao princípio constitucional da celeridade e da razoável duração processual (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal).

Outrossim, a ratificação pelo Tribunal dos fundamentos da sentença de primeiro grau vem sendo aplaudida pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, colhidos, exemplificativamente, os seguintes precedentes: REsp n. 265.534/DF, 4ª Turma, V.U., Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, j. em 20/11/2003; REsp n. 592.092/AL, 2ª Turma, V.U., Rel. Ministra ELIANA CALMON, j. em 26/10/2004; REsp n. 641.963/ES, 2ª Turma, V.U., Rel. Ministro CASTRO MEIRA, j. em 08/11/2005; REsp n. 662.272/RS, 2ª Turma, V.U., Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, j. em 04/09/2007; ACO n. 24/RS, Rel. Ministro MAURÍCIO CORRÊA, j. em 15/03/2000; ACO n. 804/RR, Rel. Ministro CARLOS AYRES BRITTO, j. em 01/06/2006; REs n. 591.797 RG/SP e 626.307 RG/SP, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, j. em 26/08/2010.

Por esses fundamentos, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

RÔMOLO RUSSO
Relator