TJMG - REVISIONAL FACTORING - CDC

EMENTA: AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C/C COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS, REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONTRATO DE FACTORING. TERMOS ADITIVOS. FOMENTO DA ATIVIDADE COMERCIAL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. PRINCÍPIOS GERAIS INFORMADORES DO DIREITO. POSSIBILIDADE. COBRANÇA DE ENCARGOS. PREVISIBILIDADE NO AJUSTE. DECORRÊNCIA DA NATUREZA DA ATIVIDADE DE FACTORING. ISS. CONTRIBUINTE. PRESTADOR DE SERVIÇO. Se a empresa toma o crédito para fomento de sua atividade comercial, não se enquadrando no conceito de consumidora final (artigo 2º do CDC), podendo o caso ser decidido, contudo, à luz dos princípios gerais informadores do Direito, e não do Código de Defesa do Consumidor. Contrato de factoring é aquele em que um empresário (faturizado) cede a outro (faturizador), no todo ou em parte, os créditos provenientes de suas vendas mercantis a terceiro, mediante o pagamento de uma remuneração, consistente no desconto sobre os respectivos valores, ou seja, conforme o montante de tais créditos. Não afigura-se abusiva a cobrança de encargos previstos no contrato e nos termos aditivos, já que a remuneração, a comissão de cobrança e as despesas decorrentes da operação de factoring são devidas pela própria natureza da atividade, assim como o IOF, que, por força do artigo 58 da Lei nº 9532/97, incide sobre tais operações, sendo responsável pela cobrança e recolhimento do imposto a empresa de factoring. Embora o ISS seja devido, já que a atividade de factoring figura na lista de serviços anexa à LC 56/87, o contribuinte é o prestador de serviços, no caso, a empresa requerida, nos termos do artigo 5º, da LC 116/2003, que revogou o Decreto-lei 406/68. A inserção da cobrança do ISS nos termos aditivos, para que a autora efetue tal pagamento, é indevida, porém, se a requerida recebeu os valores referentes ao imposto, repassando-o ao Município, não é a presente ação sede adequada para a restituição pretendida.   
Número do processo: 1.0024.04.521914-4/001(1)
Relator:  RENATO MARTINS JACOB
Relator do Acordão:  RENATO MARTINS JACOB
Data do acordão:  18/01/2007 
Data da publicação:  02/02/2007 
Inteiro Teor:    
 
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.04.521914-4/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): PROJESA PROJETOS SERVIÇOS IND COM LTDA - APELADO(A)(S): HARPA FACTORING SOC FOMENTO MERCANTIL LTDA - RELATOR: EXMO. SR. DES. RENATO MARTINS JACOB
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 18 de janeiro de 2007.
DES. RENATO MARTINS JACOB - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. RENATO MARTINS JACOB:
VOTO
PROJESA PROJETOS SERVIÇOS INDUSTRIAIS E COMÉRCIO LTDA. interpôs recurso de apelação contra a respeitável sentença de fls. 669/677, que julgou improcedentes os pedidos constantes da ação revisional de contrato c/c compensação de créditos, repetição de indébito e indenização por danos morais e materiais, com pedido liminar de exibição de documentos, ajuizada em desfavor de HARPA FACTORING SOCIEDADE DE FOMENTO MERCANTIL LTDA., condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em R$800,00 (oitocentos reais).
Entendeu o MM. Juiz de Direito que, por se tratar de contrato de fomento mercantil, em que se objetiva a recomposição do capital de giro da empresa, não se aplicam as normas consumeristas, acrescentando que a autora não se enquadra no conceito de consumidora final.
Assim, consignou ser incabível o pedido revisional, uma vez não comprovada a cobrança de encargos abusivos por parte da ré, já que a perícia contábil realizada constatou que todos os encargos cobrados estão previstos nos termos aditivos firmados entre as partes.
Inconformada, a empresa autora apela às fls. 683/698, sustentando que o pacto de fls. 199/204, que regulamentou toda a relação de fomento mercantil realizada entre as partes, estabeleceu uma única espécie de remuneração pelos serviços de factoring prestados pela suplicada, remuneração esta denominada "comissão ad valorem", tendo sido cobrados outros encargos, taxas e tarifas quando da cessão de direitos inerentes aos títulos de crédito descontados.
Alega que, se a parte ré cobrou o que não era devido, já que sem previsão legal, deve restituir-lhe tais valores, conforme as normas de direito civil.
Destaca que os termos aditivos não contêm no seu bojo qualquer autorização no sentido de permitir a cobrança de outras remunerações pelos serviços prestados, que não aquelas constantes do contrato de fomento mercantil de fls. 199/204.
Argumenta que os termos aditivos são claros ao estipular no item 5 que ficam ratificadas todas as condições estabelecidas no contrato de fomento mercantil, razão pela qual não têm o condão de alterar o ajuste inicialmente celebrado.
Afirma que os referidos termos aditivos nada mais são do que comprovantes das quantias recebidas pela autora, pelas cessões dos títulos de crédito à requerida, com detalhamento dos encargos cobrados pela empresa ré, sendo irrelevante o nome dado ao documento, pois, nos termos do artigo 85 do Código Civil de 19196, interessa o conteúdo e a intenção dos contratantes.
Registra que a simples discriminação, nos termos aditivos, do que estava sendo pago pela autora, não significa dizer que tais cobranças são devidas.
Diz que não atentou para as abusividades das quais era vítima, recebendo os valores e assinando os recibos, o que não significa que tenha anuído com a cobrança ali contida.
Defende a repetição de indébito e a configuração da relação de consumo.
Quanto à cobrança do ISS, ressalta sua irregularidade, uma vez que tal imposto é pago por aquele que presta o serviço, no caso, a requerida, e não pela autora, asseverando que o pedido de devolução, tal como formulado, não deveria ter sido proposto contra o Município, mas em face da empresa requerida, que foi quem recolheu indevidamente o ISS.
Relativamente ao IOF, sustenta que a cobrança foi indevida, já que não procedida por uma instituição financeira.
Pugna pela condenação da requerida ao pagamento de indenização, visto que o dano moral se faz evidente.
Contrariedade recursal deduzida às fls. 701/712, em que a empresa-ré refuta a tese do apelo, sem argüir preliminares.
Deve-se esclarecer, inicialmente, a inaplicabilidade da legislação consumerista ao caso em exame, uma vez que a empresa autora não se encaixa no conceito de consumidora final dos serviços prestados pela apelada, por tratar-se de um contrato de factoring, em que é utilizado o crédito concedido para fomento de sua atividade comercial.
Sobre o tema, ensina o Professor LUIZ RODRIGUES WAMBIER, em estudo publicado na Revista dos Tribunais, que:
"A pessoa, física ou jurídica que tome recursos no mercado financeiro para incrementar atividade econômica, será, quando muito, apenas aquilo que respeitável parcela da doutrina chama de destinatário fático dos recursos, categoria absolutamente distinta daquela que o CDC quer proteger, qual seja o efetivo destinatário, ou seja, o destinatário econômico, não mais do serviço bancário, mas de produto ou serviço cujo fomento se deu pelo aporte de recursos tomados junto às instituições financeiras" (in RT 742/60).
Dentre seus tantos atributos, pretende a lei do consumidor o "reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo" (artigo 4º), resgatando-o da fragilidade diante dos fornecedores, não privilegiando a parte mais forte, a empresa fornecedora.
Consumidor, por conceito legal,
"... é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (artigo 2º), no qual, conforme enfatizado, a empresa autora não se enquadra, sendo certo que inexiste qualquer prova nos autos de que ela figurou como consumidora final nos negócios celebrados.
A doutrina majoritária e a reiterada jurisprudência são incisivas no sentido de apartar do regime de abrangência do CDC as operações referentes ao chamado consumo "intermediário", isto é, aquele decorrente de uso por empresa de bens ou serviços para o próprio processo produtivo.
Nessa esteira, já se pronunciou esta Egrégia Câmara:

"APELAÇÃO - CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL - COBRANÇA ANTECIPADA DE VRG - DESCARACTERIZAÇÃO - INOCORRÊNCIA - SÚMULA 293 DO STJ - INAPLICABILIDADE DO CDC - MULTA MORATÓRIA - REDUÇÃO - POSSIBILIDADE - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - INADMISSIBILIDADE - EMBARGOS DECLARATÓRIOS PROTELATÓRIOS - IMPOSIÇÃO DE MULTA
- (...)
- É inaplicável o CDC quando a parte adquire bem para fomentar sua atividade econômica, tendo em vista que nestas hipóteses a coisa adquirida não se destina ao consumo final.
- (...)" (Apelação Cível nº 463.429-3, Rel. Des. Dídimo Inocêncio de Paula, j. 19.05.2005).
Assim, não há que se falar em aplicação das normas consumeristas ao caso em exame.
Dito isso, verifica-se dos autos que as partes celebraram, em 04.11.1998, contrato de fomento mercantil, por prazo indeterminado, tendo por objeto a prestação de serviços, por parte da requerida, no processo de compra e venda de títulos através do sistema de factoring (fls. 199/204).
Após a celebração do contrato foram iniciadas as operações de compra e venda de títulos, tendo sido emitidos termos aditivos para cada uma das operações realizadas, conforme estipulado na cláusula oitava do ajuste.
A recorrente afirma que o contrato estabeleceu uma única espécie de remuneração pelos serviços de factoring, qual seja, "comissão ad valorem", tendo sido cobrados outros encargos, taxas e tarifas por meio dos termos aditivos, os quais nada mais seriam do que comprovantes das quantias recebidas pela autora, pelas cessões dos títulos de crédito à requerida, com detalhamento dos encargos cobrados pela empresa ré, sendo irrelevante o nome dado ao documento.
Ora, a tese defendida pela recorrente - de que os termos aditivos são meros recibos - trata-se de verdadeira inovação, já que em momento algum tal questão foi aventada nos autos. Além disso, a própria autora reconhece na inicial que "a cada cessão de crédito realizada, a EMPRESA FATURIZADORA celebrava um novo termo aditivo ao contrato inicial" (fl. 02).
Percebe-se, pois, que os aditivos contratuais assinados pelas partes constituem alteração do ajuste originariamente firmado, concluindo-se que todas as operações realizadas foram previamente acordadas pelo contrato e seus termos aditivos.
Também, não merecem prosperar os argumentos de que a simples discriminação do que estava sendo pago pela autora, contida nos termos aditivos, não autoriza concluir que sejam devidos os encargos ali descritos, e que o fato de ter assinado tais termos não significa que tenha anuído com a cobrança.
Embora o contrato em questão, assim como as condições contidas nos termos aditivos, possam ser revistos à luz dos princípios da boa-fé, razoabilidade, proporcionalidade, do equilíbrio, que sempre permearam o ordenamento jurídico, para que se evite o enriquecimento sem causa, repudiado pela Ciência do Direito, não há prova de qualquer vício de consentimento no ato de assinatura dos aludidos termos.
Passo, portanto, ao exame das condições contidas nos termos aditivos.
O contrato de factoring, segundo conceitua MARIA HELENA DINIZ:
"é aquele em que um empresário (faturizado) cede a outro (faturizador), no todo ou em parte, os créditos provenientes de suas vendas mercantis a terceiro, mediante o pagamento de uma remuneração, consistente no desconto sobre os respectivos valores, ou seja, conforme o montante de tais créditos" (in "Curso de Direito Civil Brasileiro", Ed. Saraiva, v. III, p. 693).
Pela atividade de factoring é paga uma remuneração, de acordo com a taxa negociada e acordada, bem como uma comissão de cobrança.
Conforme apurado pela perícia contábil, os encargos previstos no contrato e nos termos aditivos são:
"Comissão AD VALOREM\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\\', que é a remuneração pela prestação de serviços;
- Despesas de Factoring, ou Diferença na Compra de Títulos que representa o deságio sobre os títulos;
- Comissão de Cobrança - Taxa cobrada pela Contratada para efetuar a cobrança dos títulos através da rede bancária;
- IOF - Imposto Federal devido sobre as operações financeiras
- ISS - Imposto Municipal devido sobre a prestação de serviços" (fl. 609).
À exceção do ISS, não afigura-se abusiva a cobrança dos demais encargos relacionados, já que a remuneração, a comissão de cobrança e as despesas decorrentes da operação são devidas pela própria natureza da atividade, assim como o IOF, que, por força do artigo 58 da Lei nº9532/97, incide sobre as operações de factoring, sendo responsável pela cobrança e recolhimento do imposto a empresa de factoring (§1º).
Quanto ao ISS, verifico que a atividade de factoring figura na lista de serviços anexa à LC 56/87, sendo o imposto, portanto, devido. Contudo, o contribuinte é o prestador de serviços, no caso, a empresa requerida, nos termos do artigo 5º, da LC 116/2003, que revogou o Decreto-lei 406/68.
Logo, a inserção da cobrança do ISS nos termos aditivos, para que a autora efetuasse tal pagamento, de fato, é indevida.
Porém, se a recorrida recebeu da apelante os valores a título de ISS, repassando-o ao Município, não é a presente ação sede adequada para a restituição pretendida.
Assim, ausentes as alegadas abusividades, não há que se falar em restituição de valores e pagamento de indenização, pelo o que entendo ser irretocável a decisão hostilizada.
Com tais considerações, nego provimento ao apelo.
Custas pela recorrente.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): VALDEZ LEITE MACHADO e DÍDIMO INOCÊNCIO DE PAULA.
SÚMULA :      NEGARAM PROVIMENTO.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.04.521914-4/001

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